Não existe limite para ambição das empresas chinesas que trabalham com escala gigantesca dentro do maior mercado do mundo, a China, que ainda contam sempre com o apoio do governo chinês para setores que a decisão política entenda estratégico. Assim, podemos resumir a pretensão da chinesa Xiaomi na fabricação de carros híbridos e elétricos.
Enquanto a indústria automobilística brasileira observa o seu mercado derreter, a indústria automobilística chinesa vira a chave e passa a liderar a fabricação e o consumo de veículos elétricos.
A indústria automobilística brasileira é formada por uma enorme cadeia de fornecedores de matérias-primas, componentes e sistemas, além das empresas produtoras de máquinas e equipamentos, isso pode dar uma ideia da importância de se ter montadoras, sejam elas de carros híbridos, elétricos ou a combustão. Uma cadeia que que vai da rede de revendas, passando pelos fornecedores de autopeças, fornecedores de serviço, segurança, agentes financeiros, alimentícios, de transporte, oficinas para o pós venda e etc. Uma cadeia que contribui para cerca de 22% do PIB industrial do Brasil, o que pode dar a exata dimensão da importância estratégica dessas plantas industriais.
Logo, dominar a fabricação de carros híbridos e elétricos requer uma base sólida de uma nova indústria e a Tesla, que hoje já fabrica seus carros na China, é a empresa referência, justo ela que em 2013 estava em crise pelos resultados que não vinham, quase foi vendida para o Google por 6 bilhões de dólares.
Agora em 2020, exatos sete anos após a oferta do Google, a Tesla se tornou a montadora de maior valor do mundo, ultrapassando a Toyota e valendo US$ 207,6 bilhões e assim, valendo três vezes o valor combinado de Ford e GM juntas. Uma valorização neste ano de 160% em meio a pandemia, quando no mesmo período as montadoras do mundo estão vendo suas vendas caírem acima de 30%. E isso para uma montadora que entregou apenas 367 mil carros no último ano fiscal, algo muito pequeno diante dos 10,5 milhões de carros vendidos pela lucrativa Toyota.
Com toda a pandemia em 2020 a queda nas vendas mundiais pode ser de 30%, o que não vai ocorrer com os veículos híbridos e elétricos onde as vendas só crescem.
A liderança chinesa nesse mercado é fácil de ser explicada, basta fazermos alguns paralelos, pois, para se ter uma frota de carros elétricos “plug-ins” é necessário que a infraestrutura de carregamento caminhe junto e assim, de forma empírica tente observar, quantos pontos de recarga você viu na sua cidade nos últimos dias? Para a maioria a resposta poderia ser nenhum, pois estamos engatinhando quando o assunto é carro elétrico, ainda que segundo pesquisas 82% da população declara que trocaria seu carro a combustão por um elétrico a um valor justo, caso a sua cidade dispusesse de pontos de eletro abastecimento (EVC) suficientes.
Para se ter a medida do nosso atraso podemos coletar aqui alguns dados para aferimento dele. Em dezembro de 2019, havia ao redor do mundo cerca de 7 milhões de carregadores, 12% deles de acesso público. Agora ao observar os números da China conseguimos entender parte do seu protagonismo, pois, 60% dos carregadores no planeta estão em solo chinês, isso em um mercado global que tem a previsão de crescer de U$ 4 bilhões para U$ 147 bilhões em 2030.
E como funciona nos demais países?
Segundo estimativas, são necessários cerca de 330 mil novos pontos de recarga nos EUA até 2025 para suprir uma frota de 14 milhões de novos veículos elétricos, sendo que desse total, no final de maio de 2019, existiam 68.800 estações de recarga em operação nos EUA. Um longo caminho pela frente, que vem sendo liderado por alguns Estados, como a Califórnia, que sozinha possui 22 mil pontos de recarga, ou seja, mais de 1/3 de todos os pontos de recarga de carros elétricos fica naquele estado.
Óbvio que nossos números são vergonhosos, pois, possuímos menos de mil pontos públicos de recarga, o que percebemos refletido no nosso marco regulatório de recargas, que foi publicado apenas em 2018, (Resolução Normativa 819, da Aneel) que regulamenta a cobrança pela recarga.
Com todo esse avanço a decisão da chinesa Xiaomi em fazer SUV’s elétricos não surpreendeu ao mercado, não pra menos, afinal, nesse momento, a terceira fábrica de celulares do mundo quer atuar em bem mais segmentos do que o de telefonia, tudo que tenha valor agregado e possibilidade de integração com seus celulares e gadgets interessa a eles.
No ano passado, a empresa revelou o Redmi SUV, modelo desenvolvido em parceria com a também chinesa Bestune. O modelo, cujo nome é T77, ganhou uma versão especial com tecnologias da Xiaomi. Entre os destaques, o sistema multimídia do SUV pode, por exemplo, controlar remotamente outros dispositivos da Xiaomi. Assim, o sistema permite que o usuário ajuste a temperatura do ar-condicionado da residência e outros equipamentos, como microondas e cafeteira. Trata-se de um recurso parecido com o oferecido pelo Alexa, assistente pessoal da norte americana Amazon, tente imaginar os possíveis avanços com o 5G?
A Xiaomi vem colhendo seus pesados investimentos no desenvolvimento de inteligência artificial. Todos os movimentos da empresa chinesa já apontavam este desfecho, pois já em 2017, por exemplo, a empresa chinesa entrou com um pedido na Índia para venda de veículos elétricos naquele país. Além disso, no mercado chinês todas as marcas focam modelos elétricos, pois os carros com motor a combustão são sobretaxados na China. Além disso, a obtenção de licenciamento é propositadamente mais demorada e cara que a de elétricos, fruto de uma clara política para incentivar a aquisição de carros híbridos e elétricos.
Se no primeiro momento a Xiaomi tinha a Apple na sua mira, agora chegou a vez da Tesla e não se surpreenda com o resultado da resiliência chinesa apoiada pelos gordos cofres do governo chinês.
Dinheiro, escala e tecnologia juntos? O resultado todos conhecemos, enquanto isso no Brasil, continuamos patinando na burocracia estatal e na pouca vontade regulatória.