UM ROBÔ PODE SER SEU MÉDICO?

As dores de cabeça constantes eram apenas alguns dos sintomas que vinham me incomodando e eu relutava em procurar um médico, ainda que soubesse que essa não era uma escolha, mas um prosseguir da vida.

Procurei informações com amigos, falei dos meus sintomas para alguns mais próximos, até chegar à indicação de um amigo que já havia se consultado com ele.

Como na indicação de qualquer profissional, baseei minha escolha na opinião de pessoas que confio, mas o frio na barriga para a primeira consulta era o prenúncio do medo que alimenta tudo que é novo.

Entro no consultório e, passando pela recepção, presumidamente sem recepcionista, toco em um visor, que de imediato faz o meu reconhecimento facial, indicando qual a sala de consultório deveria me dirigir e quantos minutos faltava para o início da minha consulta.

Sem me pedir nenhum documento inicio a minha interação com a tela, que apresenta as minhas informações pedindo apenas que eu confirme. Confirmo e me sento no sofá onde outras pessoas também esperam para serem atendidas.

Uma voz anuncia o meu nome e vou em direção à sala. Ao entrar, o primeiro susto. Ele me cumprimenta antes de eu falar a primeira palavra e confesso que aquilo era muito estranho, pois ele falava como se já nos conhecêssemos há séculos, como se fosse meu médico desde criança. Como era a primeira consulta, depois de algumas frases com o propósito de quebrar o gelo, ele iniciou a anamnese. Era realmente muito diferente, pois tudo que eu falava ele nada anotava, apenas me olhava, e com seus sensores captava meus batimentos, temperatura e todos os demais sinais vitais. Era minha primeira consulta com um médico robô.

O exercício ficcional dos parágrafos acima para tratar desse assunto é apenas para dar a dimensão do que está muito próximo de acontecer.

Sim, teremos muito em breve médicos robôs, em que pese toda oposição das entidades de classe. E isso deve começar pelos países mais ricos e com legislação mais aberta, em decorrência do total domínio da medicina pelos grandes planos de saúde. Sim, eles serão os primeiros a adotar como medida de economia. Pense nisso!

O sonho dos planos de saúde, médicos que podem atender 24 horas por dia, sem férias, ou viagem para cursos. Afinal, toda e qualquer atualização desses profissionais ocorre pela nuvem, todas as pesquisas são atualizadas on-line o tempo todo.

Todos os algoritmos são ajustados permanentemente e com isso os métodos probalísticos de diagnósticos vão ampliando a sua assertividade. Tudo on-line, sem depender do interesse do profissional pela atualização ou não, sem depender de suas crenças ou não.

Não tenho duvida que isso assusta a grande maioria, afinal a crença dos profissionais em sua imprescindibilidade não é uma característica de médicos, advogados ou contadores, mas sim do homem, que acredita sempre ser insubstituível.

A nossa fé cristã, seja pelos valores educacionais ou pela ideologia reinante na sociedade nos leva à certeza de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e só por isso quase sempre acreditamos que vamos caminhar nessa vida sendo hoje e sempre o centro do universo.

Curioso é que, em que pese toda dinâmica social e econômica, o homem anestesiado em seu ópio existencial não percebe que a relação social entre homens é, na maioria das vezes, utilitarista, variando sempre de acordo com a necessidade e o desejo dos outros para conosco, naquilo em que provamos ser mais ou menos úteis aos outros. Eu sei que é doloroso pensar assim, mas quem se prepara para o pior, quase sempre sofre menos no deserto de valores que o poder semeia.

Com o caminhar da humanidade, o conjunto de valores se modifica, pois entra em cena mais do que um elemento ideológico. Entra a sua necessidade primária de sobrevivência, de perda de espaço. Na sociedade, máquinas ficam obsoletas e pessoas também ficam. Afinal, pense nas antigas ascensoristas de elevador, nos cobradores de ônibus. Como imaginar suas atividades nos dias de hoje? Como pensar nessas funções laborais?

A lógica sempre será por um serviço e ou produto mais barato, que lhe garanta a mesma ou melhor qualidade. Pense nisso: quando você procura comprar uma camiseta mais barata você levou em consideração que aquele preço foi possível graças à automatização (entrada de robôs no lugar de pessoas) daquela produção ou apenas o preço lhe importou? E se fosse o seu posto de trabalho? Você veria o robô como o amigo que, ao entrar na produção, reduziu o custo do produto, ou como o seu inimigo que levou o seu emprego?

A dinâmica do sistema capitalista nos leva a uma concorrência que implica em tomada de mercado com diferencial tecnológico, seja por meio da inteligência de produção, com a substituição de homens por máquinas ou de gestão, quando novos softwares automatizam processos e reduzem custos. Reflita sobre isso nas estruturas administrativas de hospitais, clínicas e consultórios.

A Inteligência Artificial presente em softwares de atendimento, ou na presença física de robôs na produção é a materialização dessa substituição. Logo, lembro que a Inteligência Artificial é transversal e vai atingir todos os meios de produção em menor ou maior grau. Ela vai invadir escolas e residências, alterando apenas a intensidade e o momento que vai bater na sua porta, e, no caso da saúde, antes de termos um médico personalizado por um robô, virão os chatbots de atendimento pelo celular de forma remota. Mas isso será proibido pelo Conselho de Medicina? Ingênuo você, pois a proibição só vai servir para que essas plataformas de atendimento se instalem em outros países com atendimento em qualquer idioma, sem nenhum controle de órgão regulatório brasileiro, mas com selo de grandes laboratórios mundiais que vão atestar essa prestação de serviço.

O comando da inteligência artificial no mundo se dá e se dará, pelas grandes plataformas. No caso dos Estados Unidos, pelas Big Techs como Microsoft, Google, Facebook, Amazon e Apple e suas equivalentes chinesas como AliBaba e WeChat. Na Rússia e na Índia também há empresas desenvolvendo a tecnologia, mas dificilmente fora desse eixo alguém vai conseguir exercer domínio do desenvolvimento da inteligência artificial.

Ou você acha que todos os seus dados de saúde e “qualidade de vida” captados por gadgtes como smartwtachs entre outros são para mera informação sua. Nada, queridão! A Apple quer ser seu médico, sim!

Portanto, nesse debate fique longe dos extremos. Eles ficam ótimos para discursos inflamados e péssimos na realidade. Liberais que acreditam que o mercado resolve tudo existem apenas pela fé ou pela inocência em imaginar que os fortes, quando podem não exercem sua força, exercem sim e maximizam suas posições, não importando quem vai sangrar, se é o seu bolso ou o seu emprego.

Como destaca, Camila P. Cunha, que é doutora em genética e biologia molecular, em artigo recentemente publicado “Grandes ou microscópicos, os robôs são aliados dos médicos. A máquina não substitui o cirurgião. “Um tolo com uma ferramenta ainda é um tolo”, resume Prokar Dasgupta, urologista pioneiro da cirurgia robótica no Reino Unido. “Não há dúvida de que a qualidade do cirurgião é mais crítica do que a máquina, e o resultado da operação ainda depende de um cérebro humano.”

A revolução das máquinas na medicina começou na década de 1970 com os dispositivos endoscópicos, usados na artroscopia e na laparoscopia. Imagens ampliadas e nítidas fizeram da cirurgia um ato coletivo, em que assistentes, enfermeiros e médicos assistentes compartilham da visão privilegiada do médico principal. A partir de 1990, a técnica foi adotada como padrão em todas as áreas cirúrgicas.

Em 1998 aparecem os primeiros robôs-cirurgiões. As primeiras cirurgias foram realizadas no Hospital Broussais em Paris e, mais tarde, a adição da modelagem computacional, simulação e realidade virtual nas cirurgias vem auxiliando o cirurgião no planejamento pré-operatório e na escolha do melhor procedimento, além do treinamento e ensaio dos passos mais críticos da cirurgia.

As cirurgias robóticas reduzem o trauma cirúrgico (as cirurgias são menos invasivas e demandam menor manipulação de tecidos), a internação hospitalar e a dor pós-cirurgia. Além disso, aumentam a satisfação do paciente e as taxas de recuperação, resultando na melhora da qualidade de vida de pacientes e aqueles em seu entorno, os médicos e familiares. Outra inovação é a cirurgia remota, realizada por médico e paciente situados em locais distintos. Essa vantagem pode aumentar o alcance de cirurgias feitas por poucos especialistas, muitas vezes localizados nos grandes centros urbanos.

Apesar das inúmeras vantagens da adoção de cirurgias-assistidas por robôs, quem estará no controle? Robôs ou médicos? Para Timothy Lenoir, professor de história da ciência da Universidade Stanford (EUA), a questão é capciosa. “É difícil determinar quem está no controle, o robô ou o humano. Uma equipe humana claramente programa o robô, mas o robô melhora a percepção e realmente guia a mão do cirurgião, corrigindo erros devidos aos tremores das mãos (gerado por humanos)”, escreve Lenoir no artigo The virtual surgeon: New practices for an age of medialization. Lenoir também ressalta que a privacidade de nossos genomas e estilos de vida pode ser violada com o uso da robótica pelos sistemas de saúde preventivos, e lá temos um novo embate, previsto e regrado na LGPD, no tratamento dos nossos dados sensíveis.

A influência de Leonardo da Vinci também na medicina, quando o robô cirurgião mais utilizado no mundo recebe seu nome. Da Vinci tem cerca de 43 mil médicos treinados para operá-lo e mais de 5 milhões de pacientes atendidos em 66 países. O robô-cirurgião amplia as habilidades manuais e visuais do médico. Na interface homem-máquina está um console para o cirurgião, que mantém seu corpo em posição confortável e ergonômica. As mãos ficam em um joystick no formato de dedais para o controle de quatro braços robóticos (um com uma câmera e três para manipulação de instrumentos cirúrgicos) e a cabeça fica apoiada, para permitir a visualização de imagens de alta definição em 3D, captadas pela câmera.

E aí surge uma grande oportunidade, pois faltam profissionais treinados e o custo da tecnologia é limitante. Por enquanto, robôs-cirurgiões estão disponíveis apenas no serviço privado de saúde.

Com o vencimento de patentes do sistema Da Vinci, outros robôs-cirurgiões já começam a aparecer no mercado, entre eles, Preceyes para cirurgias oculares, CorPath GRX (Corindus Vascular Robotics) para cirurgias cardíacas, Monarch (Auris Health) para o diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão, Mako (Stryker) para cirurgias de substituição de articulações no quadril e joelho e o Versius (CMR Surgical).

Aqui deixo de falar no uso de microrrobôs, que andam pelo corpo e hoje são utilizados no transporte de medicamentos pelo corpo, entre outras funções, assunto que será abordado em outro artigo.

Em 2016 foi publicado um artigo do MIT Tech Review intitulado “O médico artificialmente inteligente vai ouvi-lo agora”. Logo, essa questão que abre o artigo já vem sendo estudada por eles há quase cinco anos, mesmo em um campo tradicionalmente considerado essencial, pois é baseado na sensibilidade e percepção humana.

Fique certo que essa substituição vai ocorrer, porém no primeiro tempo muitas oportunidades vão surgir para os profissionais de mente aberta nesse novo definir da medicina, onde a tecnologia vai obrigar os profissionais a incorporarem novas habilidades, gostem ou não. É bom lembrar que, quase tudo que você pode ver com resistência, o seu concorrente estará vendo como oportunidade.

Muitas dessas tecnologias são criticadas por seus custos, por suas possíveis falhas ou por reduzir a importância do julgamento crítico do médico, mas o senso comum e a natureza da maioria das críticas parecem indicar que vamos encontrá-las em nosso caminho, de uma forma ou de outra, em algum momento.

Com cerca de dez mil patologias humanas reconhecidas como tal, deve-se supor que um médico humano só terá acesso, por mais ampla e competente que seja sua memória, a um número limitado. Passar de modelos diagnósticos baseados na intuição e prática para outros em que a inteligência artificial começa a desempenhar um papel decisivo não significa apenas que esse tipo de inteligência artificial esteja disponível e devidamente preparada, mas é uma questão de tempo.

Como em tantos segmentos da economia, a saúde é uma que interessa absolutamente a todos nós e logo deve, por conveniência, superar as barreiras culturais e tecnológicas.

O robô oferece a possibilidade não só de operar com uma precisão muito superior à de qualquer cirurgião humano (ele não se cansa, seu pulso não treme, etc.), mas também, por exemplo, aplicar tratamentos como quimioterapia ou radioterapia em uma escala e com uma proximidade antes completamente inimaginável. Um novo desafio, onde a mudança vai além da estética do médico robô e atravessa pela conveniência dos resultados, acelerada pelo mercado.

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