A transformação digital é transversal, atingindo a todos em maior ou menor grau apenas em tempos e formas distintas, e tendo a mudança com inúmeras formas de desconforto a única regra.
Todo esse quadro de mudanças gera inseguranças, medos e por certo também uma percepção de que ainda não estamos preparados para transformações tão bruscas e velozes. Tudo ao nosso redor vem sendo tocado pelas mudanças diárias, e nunca produtos, serviços e funções ficaram obsoletos de maneira tão rápida e intensa.
A sétima arte já lidou com esse assunto através do talento de um gênio. Em 1936, Charles Chaplin gravou “Tempos Modernos”, uma produção que se tornou um clássico do cinema, onde o personagem principal, Carlitos, interpretado também por Chaplin, narra a vida de um trabalhador comum, um homem que está em busca de se estabelecer tanto profissionalmente quanto como indivíduo em uma sociedade cheia de inovações tecnológicas. Logo tento imaginar como Chaplin narraria hoje no cinema a transformação digital, catalisada pela pandemia?
Mas vejamos as similaridades e desafios para irmos dos “tempos modernos para os tempos atuais”. Lá na narrativa de Chaplin o trabalho é cansativo e desinteressante, pois sua única função é rosquear parafusos. Uma atividade em que o personagem tem dificuldade em se adaptar e onde se mantém às exigências do chefe, sempre cobrando por produtividade e desempenho.
E assim nos tempos atuais, as máquinas e programas modernos vão substituindo o homem, mudando a forma de trabalho, o lugar do trabalho e para tristeza de muitos a necessidade do homem e do seu trabalho.
Nesse momento, nos EUA, a pandemia levou 4 milhões de pessoas a encontrar razões para se despedirem de seus chefes, pedindo demissão, pois por que tirar algumas semanas de folga quando você pode sair do trabalho?
Esses números impressionam, mais de quatro milhões de trabalhadores deixaram seus empregos em abril passado, o número mais alto desde que o Bureau of Labor Statistics começou a rastreá-lo há duas décadas. A taxa de abandono foi particularmente elevada no setor de serviços. Para cada 100 funcionários em hotéis, restaurantes, bares e lojas, cinco deles saíram pela porta pedindo as contas.
A principal economia do mundo enfrenta uma crise trabalhista que os economistas interpretam como um sinal de otimismo. Não é comum as pessoas desistirem se não tiverem certeza se podem encontrar algo melhor. Mas poucos se atrevem a fazer previsões porque a incerteza atual dificulta a compreensão das causas do fenômeno. Trabalhadores de baixa remuneração não são os únicos a sair. Mais de 700 mil funcionários do setor empresarial e funcionários do “colarinho branco” também renunciaram, outro recorde desde que que esses números passaram a serem registrados.
Segundo o mesmo levantamento, em todos os setores e ocupações, 4 em cada 10 funcionários reconhecem que estão considerando deixar seus empregos atuais nos próximos meses. E claro já ficou famosa a solução dada entre sussurros do presidente Joe Biden a empresários que reclamavam por não conseguirem encontrar pessoas para ocupar as posições: “Pague-lhes mais”.
De acordo com a Federação Nacional das Empresas Independentes, 40% dos empregadores dizem que não conseguem encontrar trabalhadores para cargos vagos. O sangramento é particularmente grave no setor de serviços, pois os trabalhadores que saíram às ruas por causa do fechamento durante o confinamento se beneficiaram do seguro-desemprego e agora perceberam que não estão sendo pagos o suficiente.
Seja qual for a razão exata para as auto-demissões em massa, os americanos parecem ver a reabertura como um momento de libertação profissional, ainda que seja uma parada para melhor se qualificar e buscar novos rumos em um novo desenho da economia.
Uma pesquisa recente da Bloomberg e Morning Consult revela que quase metade dos trabalhadores com menos de 40 anos não estão dispostos a continuar em seus empregos se a empresa não deixá-los continuar a praticar em casa pelo menos parte do tempo. Os funcionários de maior renda sucumbiram à síndrome de burnout cada vez mais comum com os bolsos cheios, após um ano entre paredes em meio a uma crise existencial” em plena transformação digital.
Aqui ou em qualquer lugar do mundo, é preciso qualificar esses trabalhadores para os novos mercados, e fomentar os novos mercados para concorrência que é mundial, lembro que não existe diferença entre um programador no Brasil ou na Europa, pois a linguagem de programação é universal.
O número de desempregados ainda é assustador, são 14,8 milhões de desocupados, 14,7% da força de trabalho, nível recorde na série estatística iniciada em 2012. O total de subutilizados ficou praticamente igual, tendo passado de 33,2 milhões para 33,3 milhões de indivíduos. O grupo dos informais também pouco se alterou, tendo aumentado de 34 milhões para 34,2 milhões de trabalhadores.
Os tempos atuais estão além dos “tempos modernos de Chaplin”, mas a necessidade de ter trabalho digno e bem remunerado continua sendo a mesma, analógico ou digital, as pessoas precisam ter oportunidades que lhes permitam ter uma vida digna, onde a transformação digital seja uma oportunidade e não uma sentença de morte.
(Artigo publicado no site www.mistobrasilia.com, em 22 de setembro de 2021.)