É inegável o papel da transformação digital acelerada na ampliação do desemprego, e ao mesmo tempo é ingénuo acreditar que teremos empregos para todos que forem deslocados nesse processo do seu local de trabalho.
O tempo nos ensina que não existem soluções simples para problemas complexos e esse é um deles, pois além de cuidarmos da atualização dos que perdem seus empregos é preciso entender que apenas reciclar com programas de treinamento esses profissionais não será suficiente, logo é necessário flexibilizar algumas regras de contratação, seja na sua carga de horário ou no seu local de trabalho, sempre é claro levando em conta o compromisso desses postos de trabalho com a previdência na sustentabilidade do cálculo atuarial.
Nesses momentos muitas são as reflexões que nos surgem nessa relação, postos de trabalho e tecnologia, e jornada de trabalho e empregos.
Vejamos então, se o desenvolvimento tecnológico permite um esforço menor, então qual a razão de nos sentirmos ainda mais cansados?
Afinal se o desenvolvimento da tecnologia permite níveis cada vez mais elevados de produtividade, qual a razão de levarmos tanto trabalho para as nossas casas e atravessarmos noites e fins de semana trabalhando?
Afinal, se a automação contínua destrói diariamente mais empregos, então por que não reduzimos o número de horas trabalhadas para conservarmos mais posições de trabalho?
Recentes experiências abrem espaço para esse debate atual, como a da Microsoft, que provou que dar mais um dia de folga aos seus trabalhadores como uma semana de quatro dias com um fim de semana ocioso de três gera mais produtividade, maior satisfação, menores custos em eletricidade ou papel e menos estresse. Obvio que isso dito para um pequeno empreendedor que nesse momento sofre para pagar suas contas, pode dar tons de total heresia.
O início do fim das restrições pandêmicas em muitos países está trazendo consigo um debate mais do que razoável: a possibilidade de, a partir da experiência desenvolvida durante períodos de confinamento, otimizar de uma vez por todas as condições de trabalho de muitos funcionários.
Segundo um estudo da Comissão Europeia, atualmente 37% dos empregos no continente europeu poderiam ser realizados remotamente. Logo, pense no seguinte: mais pessoas trabalhando em casa significa uma mudança no trânsito, com ganhos de produtividade na locomoção para todos, bem como alteração de parte do eixo econômico para os bairros, o que significa uma melhor distribuição do fluxo da renda. O que representa mais atividade no bairro com tempo para academias, cursos de línguas e pais que podem levar e buscar seus filhos no colégio a pé.
Pela mesma pesquisa esses índices alteram de acordo com o nível econômico de cada país, sendo 27% na Romênia e 54% em Luxemburgo e 34% na Espanha.
Esse debate nesse instante de volta ao trabalho é fundamental para sua empresa reter talentos, pois certamente esse diferencial será considerado pela mão de obra mais qualificada e que agrega mais valor para sua empresa.
Incrível como as coisas mudam ao nosso redor, e para o nosso negócio continuamos respondendo de forma conservadora, querendo ver todos ao nosso redor e dispor a todo tempo.
Nesse instante não faltam recursos tecnológico para o trabalho a distância para parte significativa da mão de obra. É obvio que isso não é para todas as funções.
Fica cada vez mais claro que o trabalho do futuro não terá nada a ver com engarrafamentos ou trabalhadores sentados em uma cadeira por quase 8 horas para mostrar que estão fazendo algo. Quando o empresário bloqueia essa mudança pode estar colocando a sua empresa em desvantagem, em comparação com aqueles que são capazes de entendê-lo antes.
Enquanto o empregador não pensar sobre isso, desde que não seja capaz de pelo menos oferecer aos seus trabalhadores a opção em termos justos e razoáveis, a empresa poderá ter trabalhadores desmotivados que sentem que estão trabalhando para uma empresa do século passado. Trabalhadores que, em muitos casos, estarão simplesmente esperando a oportunidade de partir para outra empresa.
O isolamento forçado pela pandemia, apenas evidenciou a possibilidade de trabalharmos de forma distribuída.
As questões ambientais podem sim serem um grande influenciador nesse caminho, que hoje elege os automóveis (a combustão) como grandes vilões das emissões. Um artigo de 2018, um pouco antes de acelerarmos a tendência de eletrificação dos meios de transporte, “Working Hours and Carbon Dióxido Emissions in the United States, 2007-2013” (Fitzgerald, J., J. Schor e A. K. Jorgenson, analisa dados sobre horas trabalhadas nos 50 estados norte-americanos contra as emissões de dióxido de carbono, e conclui que a redução do tempo de trabalho pode representar, de forma altamente significativa, uma política positiva capaz de contribuir não apenas para melhorar a qualidade de vida e reduzir o desemprego, mas também para a mitigação de emissões nocivas.
Para a ideia de trabalhar menos horas, acrescenta-se outras propostas, como a de conversão nos dias de hoje em propostas mais flexíveis, mais adaptações às necessidades e preferências do trabalhador, ou com a possibilidade de desenvolvê-las remotamente, e estão associadas à possibilidade de incluir essas propostas como alternativa para basear todo um novo sistema econômico com capacidade de resposta aos desafios colocados pela emergência ambiental.
Uma das novas referências, nas mudanças de horários, layouts e forma de trabalho vem ocorrendo nos escritórios da Dropbox, que efetuou um redesenho radical.
A Dropbox, após reabrir seus escritórios, trouxe uma nova proposta onde eles não são mais escritórios, e sim espaços projetados para oferecer espaços de interação entre pessoas, sejam elas próprias dos trabalhadores ou seus convidados (clientes, parceiros, colaboradores, etc.).
A ideia é que um trabalhador não possa mais simplesmente tentar ir lá e ficar 8 horas trabalhando, de maneira cada dia menos produtiva. E para isso seus escritórios foram renomeados como Dropbox Studios onde a nova normalidade será diferente. Para isso publicou para seus funcionários um kit virtual de ferramentas muito interessante e recomendado para que eles entendam a nova abordagem, que os acolheu nos seu novo espaço.
Um estudo publicado pela revista The Economist, indicou que os trabalhadores do conhecimento estão muito mais concentrados em casa, e podem estar tão comprometidos com suas empresas quanto antes.
O que ficou claro nas primeiras pesquisas internas feitas pela Dropbox, onde a maioria dos funcionários alegou que eles poderiam ser produtivos em casa (quase 90%) e que eles não queriam voltar para uma dura semana de trabalho de cinco dias no escritório. Durante a pandemia, a empresa não só tem sido perfeitamente capaz de continuar a atender seus clientes sem qualquer descontinuidade, mas também continuou a trabalhar em novos produtos e funcionalidades. No caso de algumas empresas de tecnologia, como a Microsoft, o desempenho dos trabalhadores tem sido ainda maior durante a pandemia, o que levou fez com que a empresa de Bill Gates atribui-se novas recompensas como férias e bônus adicionais.
As velhas culturas corporativas podem ser ameaçadas pela total ausência de interação pessoal, o que tende a dificultar um pouco a comunicação e complicar o desenvolvimento de, sobretudo, novos projetos sim, e isso faz parte do desafio em qualquer processo de evolução.
As inovações tecnológicas são vantajosas por um período de tempo, cada vez mais curto. Quando você substituiu sua máquina de escrever por um computador seu ganho foi imediato diante de todos os seus colegas, mas esse ganho durou alguns meses até que eles também comprassem seus computadores.
Porém hoje a velocidade com que as inovações tecnológicas são produzidas em escala são ainda maiores, veja por exemplo no número de atualizações que seus aplicativos recebem diariamente no seu celular.
Os ganhos tecnológicos permanecem hoje por um período bem menor, pois a cultura do mercado compele novos agentes para ofertarem os mesmos ou melhores benefícios em escala para todos.
Veja no exemplo dos automóveis, por maios inovações que um modelo de luxo possua a escala para barateamento da solução tecnológico em um período muito curto entrega os mesmos benefícios para um automóvel bem mais barato, se dúvida vá até uma concessionária e veja como avanços tecnológicos já estão incorporados em veículos de entrada.
Só a inovação cultural que aposta nas pessoas e nos seus processos produtivos se mantém, a inovação permanente não é mais um diferencial, mas um pré-requisito para se manter vivo no mercado, onde a inovação é uma estrada obrigatória.
A Constituição brasileira elege o trabalho e também o fomento a iniciativa privada como valores indissociáveis, e logo é preciso avançar nessa regulamentação, sempre pensando na formação de uma poupança previdenciária.
(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 11 de Janeiro de 2022).