TikTok é perigoso? Tente convencer seu filho disso.

Eu confesso que tinha um preconceito que TikTok era um aplicativo para crianças e por isso nunca tive muita curiosidade para conhecê-lo, mas o dever de estudar os cuidados que essa rede tomava com a privacidade dos seus usuários me obrigou a conhecê-la, claro que depois que a rede na semana passada fez Trump e seu Staff de bobos, a necessidade de conhecer melhor o aplicativo ficou ainda maior.

Muito do que se pode dizer sobre o aplicativo cai no lugar comum, mas é obrigatório, pois com mais de 2 bilhões de downloads e crescendo mais do que todas as demais redes sociais, o TikTok se tornou um dos 5 aplicativos mais populares do mundo, isso sem se esquecer que em janeiro eram apenas 500 milhões de usuários. Nesse momento ele já superou o Instagram e o YouTube nos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, disparando na liderança do público mais jovem.

Uma forma pouco simpática de dizer o que é essa rede seria: “Um repositório de conteúdo enlatado para ser convenientemente remixado com vídeos criados pelo usuário”, ou também “uma máquina geradora de memes virais que faz qualquer pessoa se sentir como uma estrela do rock.”

É claro que meu preconceito, pode ser visto pelos mais jovens como “coisa de velho”, o que por certo deve ter algum fundamento, pois de fato vejo pouca utilidade nele, mas minha crítica vai muito longe do gosto duvidoso do aplicativo.

Primeiro pelo nível de segurança dele, relatado por diversas análises como da empresa israelense de cibersegurança Check Point, que dedica um de seus estudos ao TikTok e conclui que a rede tem backdoors, grandes vulnerabilidades e grandes problemas gerais de segurança. No mesmo sentido vai a análise do exército americano que entende que a rede é um risco, por isso ele proíbe o uso dele por suas tropas, qualificando-a como uma ameaça à segurança cibernética.

Já para o CEO e co-fundador do Reddit, Steve Huffman, “é um aplicativo fundamentalmente perigoso que está sempre ouvindo” e claramente recomenda “não instalar esse spyware no seu telefone”.

Mundo afora diversos grupos de defesa da criança dizem o TikTok representa um risco claro para as crianças. A Apple afirma que uma acusação pra lá de séria, em se tratando da maior empresa do mundo.

Mas quem define os critérios de segurança e a política de proteção de dados do TikTok? E porque causa tamanho frenesi entre adolescentes, que desconsideram seus riscos de segurança?

O aplicativo, como muitos que fazem sucesso é simples, “quando clicamos, a tela do celular ele se transforma numa sucessão interminável de vídeos, a maioria com menos de 15 segundos.”

Simples, mas é preciso entender a trajetória até aqui, que permitiu esse sucesso e que fez da ByteDance, a empresa criadora do TikTok, uma das startups mais atrativas do mundo, a plataforma Jinri Toutiao, que usava inteligência artificial para adaptar seu conteúdo aos usuários. Mas seu diretor-geral, Zhang Yiming, logo reorientou seus interesses. No setor de conteúdo, o texto e as fotos evoluíram em direção ao vídeo. Cada vez é maior o conteúdo gerado pelos próprios usuários.

Com essa ideia em mente, em 2016, Yiming lançou o Douyin, um aplicativo de vídeos curtos que alcançou 100 milhões de usuários em menos de um ano. E, menos de um ano mais tarde, a ByteDance comprou, por um bilhão de dólares (4,2 bilhões de reais), o Musical.ly, um app parecido e muito popular entre os adolescentes dos EUA, esse movimento foi essencial. “Embora ambas fossem empresas chinesas com um produto similar, o Musical.ly tinha sido muito bem recebido no exterior, ao passo que o Douyin dominava o mercado doméstico”, afirma. Dessa sinergia nasceu o TikTok.

Mas o Douyin não desapareceu. TikTok e Douyin, plataformas similares, convivem, somando um bilhão de usuários de forma paralela, como estratégia de mercado. O primeiro só é acessado no exterior e o segundo dentro da China, para cumprir com a política de censura imposta pelo Partido Comunista. Esse vínculo é fonte de muitas preocupações, relacionadas com a segurança dos dados dos usuários e com a liberdade de expressão. Essa história foi narrada em janeiro deste ano em reportagem do jornal El País.

A ByteDance respondeu com um comunicado, afirmando que seus servidores ficam nos países onde o app está disponível. Os diretores da empresa, porém, negaram-se a comparecer perante uma comissão do Congresso encarregada de examinar os vínculos da indústria de tecnologia com a China. Tente identificar, onde estão os servidores do TikTok no Brasil?

As suspeitas têm fundamento, a julgar pelos precedentes. Neste mesmo ano o TikTok pagou uma multa de 5,7 milhões de dólares (24 milhões de reais) por captar, de maneira ilegal, dados pessoais de menores em sua plataforma. Além disso, numa carta aberta publicada em 2018, seu diretor-geral se comprometeu a “aprofundar a cooperação” com o Partido Comunista de modo a promover suas políticas. O app teve que lidar com vetos temporários na Índia, Indonésia e Bangladesh, e mais recentemente nos EUA.

Um segundo motivo de desconfiança é a política que o TikTok aplica à gestão do conteúdo. O aplicativo bloqueou vídeos que denunciavam a violação de direitos humanos na China, em particular com relação à situação da etnia uigur na província de Xinjiang, onde mais de um milhão de pessoas são vítimas de encarceramento maciço. É muito conhecido o caso de Feroza Aziz, uma adolescente norte-americana cuja conta foi bloqueada em novembro após compartilhar um vídeo sobre o tema, que se fazia passar por um tutorial de maquiagem e que logo viralizou. A plataforma alegou depois que teria se tratado de um erro humano relacionado com uma publicação anterior. O que nos leva a perguntar: Como será sua política de atrelamento governamental em cada país?

Um risco, se considerarmos que pelo segundo ano seguido o TikTok, será o aplicativo mais baixado no mundo, superando os gigantes Facebook, Instagram, YouTube e Snapchat, segundo dados da firma de consultoria Sensor Tower. A mesma porcentagem se aplica aos Estados Unidos. Desses 500 milhões de usuários, cuja média de idade varia entre 16 e 24 anos, 90% visitam a rede social mais de uma vez por dia durante, isso apenas nos EUA.

O pragmatismo chinês é evidenciado por todos os gestos corporativos para se parecer com uma empresa ocidental, que vai assumir compromissos de reformar sua política de proteção de dados. Censura, espionagem desrespeito ao RGPD, o que podemos esperar de do tratamento aos dados sensíveis de nossos jovens previsto na LGPD, para uma empresa de cultura chinesa?

Morei na China de 2009 a 2011 e bem sei de como funciona o Estado Chinês, sua política de controle e principalmente sua vontade de ter a liderança do mundo a qualquer preço, mesmo que passando sobre a privacidade do seu filho. Talvez estejamos pregando no deserto, pois as crianças de hoje parecem não se importar com sua privacidade e isso não vai ser fácil de convencê-los, mas deixo essa tarefa pra você, pai e mãe.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *