TESLA X TOYOTA

Com os bons números puxados por entregas de veículos e também por venda de créditos de meio ambiente a concorrentes (a segunda maior receita da montadora), a Tesla ultrapassou o valor de US$ 400 bilhões.

Apenas nos últimos 12 meses a empresa se valorizou em 570%, puxada pelo potencial dos carros elétricos e a boa execução de suas metas de produção, após passar anos envolvida em problemas em suas fábricas, com a previsão de entrega de 500 mil veículos até o final do ano, o que é muito distante ainda da líder em vendas Toyota.

É importante que se diga que nesse momento a Tesla é hoje a maior fabricante de veículos do mundo, mas ainda está bem atrás de seus rivais em termos de vendas de automóveis, receita e lucro.

Nascida em 2003, a Tesla foi criada pelos colegas Martin Eberhard e Marc Tarpenning, dois jovens que haviam vendido em 2000 NuvoMedia, empresa que lançou um dos primeiros eReaders do mercado e que receberam 187 milhões de dólares pela venda, o que permitiu que eles fundassem a fabricante de carros elétricos. Pouco tempo depois, após muito investimento, a Tesla aceitou a entrada de Elon Musk, e foi dele o primeiro financiamento para a empresa, de 7,5 milhões de dólares em 2004, tornando-se o presidente do conselho e fazendo outros investimentos na empresa de 2005 a 2007.

Em junho de 2010 ocorreu a oferta pública de ações da Tesla iniciando uma escala de valores que sobem mais rápido que seus foguetes. Apenas dois anos depois ela começou a instalar as charging stations em pontos estratégicos da Califórnia, os pontos de recarga e o peso de bateria sempre foram pontos frágeis dos carros elétricos, assim com baterias leves, autonomia e potência maior, os carros viram um sucesso.

É claro que a evolução na qualidade das baterias, com redução de peso e tempo de recarga, somados a autonomia e velocidade dos carros, além do apelo ambiental cada dia maior, transformou a Tesla na queridinha do mercado de capitais, que sempre lhe sorria com mais e maiores empréstimos.

Como toda montadora, em 2013 já em crise pelos resultados que não vinham, a Tesla quase foi vendida para o Google por 6 bilhões de dólares, agora em 2020, exatos sete anos após a oferta do Google, a Tesla se tornou a montadora de maior valor do mundo, ultrapassando a Toyota, valendo cinco vezes o valor combinado de Ford e GM juntas, isso tudo com uma produção ainda muito pequena diante dos 10,5 milhões de carros vendidos pela lucrativa Toyota.

Mas como então ela pode ultrapassar o valor da Toyota?

Bem, isso nos leva a uma breve história da indústria automobilística onde a Ford e seu “Modelo T” preto, o qual você poderia ter qualquer cor de carro Ford, desde que fosse preto…risos.

Como o que conta é inovação tecnológica e processo de produção, por muitos anos a linha de produção da Ford que fora referência, não mudava, tinham as mesmas ferramentas, mesmas máquinas, mesmas sequências de trabalho, mesmas peças produzidas. A fábrica era totalmente rígida. Tão rígida, que quando Ford decidiu produzir um novo modelo nos anos 20 (o Modelo A), ela teve de ser completamente desmantelada. Essa estratégia hiper focada foi um dos mais brilhantes sucessos empresariais de todos os tempos. A tríade da Ford era totalmente compatível com o que ele queria: produzir quantidades crescentes do mesmo carro. As atividades complementavam-se, o perfil das pessoas era o adequado para ficarem horas fazendo trabalho repetitivo, o salário delas era acima da média (para motivá-las a fazer trabalho repetitivo), as ferramentas usadas, as esteiras, o foco no volume produzido, a comunicação limitada com o mercado (pouco marketing), grande integração vertical. A Ford Motor Company do início do século produzia todas as partes do modelo T, fazia a montagem, fabricava seu próprio aço, vidro e pneus, tinha seringais na Amazônia, saga inclusive contada em livros e filmes, era dona da estrada de ferro que trazia matéria-prima e levava os carros prontos. Porém, esse engessamento abriu espaço para um competidor oriental nas últimas décadas do século XX, a Toyota, que tinha fábricas extremamente flexíveis e produzia uma boa variedade de automóveis. Só como exemplo no início dos anos 1990, sua fábrica em Kamingo, no Japão, produzia 350 tipos de combinações diferentes do conjunto motor/transmissão/sistema combustível num único dia, em uma única linha de produção; cada item que saía da linha era diferente do item anterior.

Logo, a estratégia da Ford, que no início do século levou-a a dominar completamente a indústria, depois de um certo tempo ficou obsoleta, pois quando as técnicas da produção flexível ficaram acessíveis e as preferências dos clientes mais variadas, a Toyota era a líder e o melhor fabricante de automóveis do mundo.

O fato é que Henry Ford foi o herói da mentalidade “processos-pessoas”, mais carros produzidos com menos custos. Operários trabalhando como robôs, mas ganhando muito mais, filas sem fim de homens nas portas das fábricas querendo trabalhar (como robôs) em suas linhas de produção. Nada tão diferente do que ocorrera nos primeiros tempos da revolução industrial, com as migrações em massa de pessoas do campo para as cidades, que iriam viver vidas miseráveis, mas melhores que a alternativa de ficar onde estavam. A pílula e o chip podem estranhar certos vícios modernos como obsessões por mídias sociais e videogames, mas a dinâmica descrita por “tecnologias alterando mentes” é antiga, como destaca Clemente da Nóbrega em sua obra sobre transformação digital.

A Tesla entendeu que tecnologias limpas teriam mais espaço e dessa forma o mercado reage premiando o valor da sua empresa, em modelagens de valuation distintas do usual.

Novos modais, mais eficientes e menos poluentes, que estimulam o compartilhamento e o transporte coletivo.

Para se ter uma ideia na direção que tomamos, neste momento existem mais de 100 cidades no mundo que não cobram tarifas de transporte público.

Destaque nesse momento para a região metropolitana de Los Angeles, com mais de 10 milhões de habitantes, que deve se tornar a maior do mundo a adotar o passe livre.

Alternativas serão criadas para sustentar o serviço, como patrocínios ou publicidade e até a criação de uma “taxa de congestionamento” para automóveis particulares.

Os novos carros, são mais do que motor e lataria, são sim muitos e diversos softwares embarcados, logo, quando a Tesla liberou uma atualização no seu software, permitindo aos proprietários de veículos que há muito deixaram a fábrica usufruírem de novas funcionalidades, ela mostrava ao mundo qual a direção tomar. Essas funcionalidades oferecem melhorias tanto na interface do veículo com o condutor, como na adição de um mecanismo que usa de forma sofisticada os sensores do veículo de forma a antever colisões. Os avanços liberados na última versão do software da Tesla são entendidos como o último milestone a ser alcançado antes da liberação de uma versão do software que permita ao veículo uma condução autônoma, como previu Hyatt.

O carro autônomo será o catalisador de mudanças profundas na formulação das estratégias digitais de operação e relacionamento com o cliente e logo, o relacionamento que proporcione a melhor experiência, com custo razoável e pleno e cuidadoso uso dos dados deve ser a diferença.

Se no final do século XX, uma das empresas de maior destaque era a Toyota, que, com sua proposta de modelo enxuto de produção, conquistou não apenas mercado como se tornou um benchmarking global em termos de gestão de operações, a Tesla tomou momentaneamente o seu lugar.

Porém, é bom lembrar que já em 2018 a Toyota apresentou na feira CNET, em Las Vegas, seu conceito de carro do futuro, chamado E-Palette. Para os japoneses uma vez que o veículo será autônomo, o cliente buscará aproveitar o tempo de transporte para realizar diferentes atividades.

Os carros serão, restaurantes, dormitórios, salas de reuniões, entre tantos outros usos, que somados aos usos tradicionais de veiculo, como equipamento para transporte de encomendas, abrem espaço para imaginar o veículo como uma ferramenta altamente customizada. Esses veículos funcionais sairão da fábrica com a proposta de atender a uma função específica, muito provavelmente dentro de uma região geográfica também específica. A proposta de veículos altamente customizados se contrapõe à visão dominante a qual os veículos são equipamentos de uso geral, capazes de rodar em cidades, estradas, em qualquer região do planeta. Assim, ao contrário do que se poderia supor, veículos funcionais tenderão a ser mais simples do que os veículos atuais, que precisam ser desenvolvidos e validados em múltiplos cenários de operação. Isso torna possível supor uma redução da barreira de entrada de novos competidores no segmento de fabricantes de veículos, com foco em atender às necessidades funcionais específicas do mercado.

Logo, toda cadeia deve ser reinventada, com parcerias e fornecedores que se somam a essa nova proposta de multifuncionalidade dos veículos.

Novos usos e funções com novas e necessárias regulações, pois os veículos saberão bem mais de você e seus dados devem estar protegidos.

E esse novo cenário fornece um exemplo de uma formulação da estratégia de digitalização ampla, que considera não apenas o mundo digital, mas também o mundo físico do veículo e inclusive os equipamentos e produtos de consumo que serão incorporados ao veículo, como por exemplo, o controle das vendas dos refrigerantes nas vending machines.

A briga Tesla e Toyota está apenas no primeiro round, ainda tem muito por vir.

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