TECNOLOGIA, SAÚDE E A FADIGA DE VIDEO, MALEFÍCIOS DOS NOVOS TEMPOS?

Passados mais de 18 meses da pandemia, quando nossas rotinas foram redesenhadas e com muitos de nós ainda trabalhando e tendo aulas em casa, nos habituamos àquilo que alguns chamam de “novo normal”, e começam a aparecer os sintomas desse novo período. E pra você quais são os maiores sintomas dessa nova rotina?

Os benefícios de ficar mais tempo com a família, de ficar menos tempo no trânsito já está mais do que conhecido, mas quais são os malefícios dessas novas rotinas incorporadas?

Um dos novos vilões são as incontáveis reuniões por videochamadas, produzindo a chamada “fadiga de Zoom” que poderia ter outras tantas marcas de aplicativos de reunião, mas acabou ganhando o nome do software líder em vídeos chamada.

Ainda que o problema leve o nome de um concorrente, essa foi uma questão que o Google precisou enfrentar também no último ano, no desenvolvimento do Google Meet, sua ferramenta de videochamadas.

Os estudos feitos pela equipe do Google, detectaram que esse é um problema real, e quase sempre se encontra associado a situações de trabalho ou de escola.

A maioria dos usuários relatou cansaço ao ficarem expostos à própria imagem. É uma conclusão parecida com a de uma pesquisa da Universidade Stanford publicada no fim de fevereiro, entre os quatro motivos listados pelo estudo acadêmico estava a alta exposição à própria imagem, por mais curioso que pareça posteriormente, um novo estudo de Stanford mostrou que mulheres sofrem mais com problema.

Com as pesquisas feitas o Google decidiu renovar o design do Google Meet, e agora, o usuário poderá redimensionar a janelinha onde aparece seu próprio rosto. Será possível esconder a própria imagem sem deixar de mostrá-la para os envolvidos na conversa. Outras opções serão reposicionar ou diminuir o tamanho da janela, permitindo o foco em outros conteúdos ou contatos. As mudanças foram implementadas na semana passada, como destacou uma reportagem do jornal Estadão.

Para o Google, “parte do cansaço está atrelada à monotonia, por isso foi acrescentado fundos animados, que permitem aumentar a descontração”. Ainda que esse não seja um item apontado pelo estudo de Stanford, o Google acredita que as animações podem ajudar.

Essas mudanças revelaram a importância do design no desenvolvimento de softwares, como ferramentas na relação saudável com o usuário. O que levanta uma outra questão jurídica futura, visto que muitos profissionais do direito podem logo discutir a influência de um design de software no desenvolvimento de doenças, a afetação dele na qualidade de vida?

No caso do Google, a plataforma, que antes era apenas uma ferramenta do pacote corporativo, assim como planilhas e calendário, mudou de status na pandemia. Com o home office e a educação a distância, ela se tornou um dos principais produtos do Google, que logo entendeu que as mudanças da na forma de se reunir e trabalhar vieram pra ficar e crescem de importância econômica.

Apenas o Zoom, registrou crescimento de 370% no quarto trimestre de 2020, em relação ao mesmo período em 2019. E os concorrentes do universo corporativo, como Microsoft e Cisco, deram maior importância ao setor.

Até mesmo ferramentas mais populares como o WhatsApp, deram maior importância as videochamadas, fruto do registro do aumento do uso para esse propósito, permitindo assim um número maior de usuários, colocando também o Facebook nessa briga.

A responsabilização desse sintoma “fadiga de zoom”traz sim muitas preocupações que são novas, afinal quem pode ser o responsável por ela? A ferramenta ou a empresa ao qual o trabalhador tem seu vínculo trabalhista?

Pode ser cedo, mas a julgar pela sede dos profissionais do Direito em breve nossos tribunais devem receber inúmeros processos para discussão desse tema, o que obriga muitos empregadores a passar um pente fino nos contratos de trabalho, pois esse desgaste pode sair dos softwares e caminhar também pelo mobiliário que as pessoas estão usando em suas casas nesse momento de trabalho remoto.

Porém lembro que o uso intensificado dos nossos inúmeros aparelhos (Celulares, Notebooks, Computadores, Tablets.etc) e que aumentou durante a pandemia, fez surgirem inúmeras dúvidas sobre o uso intenso desses equipamentos e seus possíveis malefícios a saúde.

Uma recente reportagem de Bruna Arimathea no Jornal Estadão, classificou esses aparelhos como inimigos do sono. Na reportagem com diversos depoimentos as pessoas relatam sua dificuldade de dormir devido ao aumento da jornada de uso desses aparelhos, seja pelo home office, pelas vídeo-aulas dos filhos que acompanhamos, ou por nossa maior participação nas redes sociais decorrentes da quarentena, o fato é que o uso dos dispositivos aumentou para todos.

Se o impacto da tecnologia na qualidade do sono já era estudado antes da pandemia, com ela ele ganhou o centro das atenções. Em um estudo conduzido pelo Sergio Brasil Tufik, pesquisador do Instituto do Sono de São Paulo, constatou-se que durante a pandemia, o uso de tecnologia fez com que cerca de 64% das pessoas relatassem uma demora de 30 minutos ou mais para adormecer, se comparado à rotina antes da pandemia, sendo que no total, 81% dos brasileiros sentem alguma dificuldade para dormir desde que a crise sanitária começou.

A mesma pesquisa destaca que 55,1% dos brasileiros relataram uma piora na qualidade do sono no último ano e mais de 60% afirmam que o uso de tecnologias como celular e redes sociais tem colaborado para esse índice. Números que levam o pesquisador concluir que “a nossa sociedade vem caminhando para a privação de sono, muito por causa dos dispositivos eletrônicos. Com smartphones conectados o tempo inteiro, raramente as pessoas conseguem dormir tanto quanto gostariam. A pandemia veio para intensificar esse processo”.

Ao mesmo tempo a falta de atividade fora de casa também serve como combustível para inúmeras consultas ao smartphone, basta ver no seu celular o relatório de tempo de uso do dispositivo que isso vai lhe permitir o quão escravos de nossos dispositivos nos tornamos.

Para os especialistas ouvidos na reportagem citada, o efeito é imediato no organismo: o vício em telas atua na diminuição da melatonina, um dos hormônios responsáveis pela manutenção do sono e pela sensação de descanso, a luz é um inibidor do hormônio.

Sendo que “a iluminação diz para o nosso cérebro que é dia, e nosso organismo não se prepara para dormir. Na pandemia, as pessoas já vivem uma condição de alerta constante, então o uso prolongado desses aparelhos à noite induz a queda ou até mesmo a inibição completa da produção de melatonina”, afirma Luiz Gustavo de Almeida Chuffa, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp.

A entrada mais intensa nas redes sociais também traz prejuízos a nossa saúde, pois as redes sociais também desempenham um papel importante na piora do sono. Mais do que a luminosidade, o mecanismo neurológico de “recompensa” por ver uma foto, por exemplo, ou por encontrar um produto desejado, estimula receptores de atenção, afirma Monica Andersen, diretora de ensino do Instituto do Sono. A química que acontece no cérebro deixa os usuários em estado de alerta. A pesquisadora conta ainda que existe um segundo fator relacionado a redes sociais que pesa contra o sono: a produção de cortisol. Esse hormônio, produzido em situações de estresse, aparece também quando você vê conteúdos que não são do seu agrado. Sejam notícias sobre a situação do País, fotos de amigos que estão viajando (enquanto você fica em casa), ou saborosas fofocas da firma – tudo isso ajuda o cérebro a mandar o sono embora.

“As redes sociais promovem uma gratificação ao cérebro quando você busca algo no feed e encontra. Mas, quando a resposta não era a que você queria, isso vira um dilema. A gente tem uma situação comparativa nessas plataformas, entre a imagem do outro e a nossa. Isso gera uma expectativa não necessariamente prazerosa. A comparação aumenta o cortisol, o que causa um estresse associado às redes sociais, promovendo um hiperalerta”, explica Monica.

Dessa maneira ausentar-se das redes sociais algumas horas antes de dormir pode ajudar a diminuir o nível de cortisol, além de poupar a exposição da luz azul. Fazer exercícios físicos durante o dia também é uma das recomendações, já que a produção da serotonina, conhecida como o hormônio do prazer, está associada também aos níveis de melatonina no cérebro.

Mas a culpa está na tecnologia ou no seu uso?

Um estudo de Oxford mostrou, pela enésima vez na história, que a chegada de uma nova tecnologia não causa efeitos terríveis nas pessoas, mas simplesmente, a usamos e adaptamo-nos a ela de uma maneira completamente normal o tempo que os adolescentes passam na frente de seus smartphones não tem nenhuma relação com qualquer tipo de aumento de problemas mentais ou transtornos.

Logo todos aqueles pais que, preocupados com inúmeros meios injustificadamente alarmistas, foram sobrecarregados e perseguidos por temerem que o uso excessivo do smartphone gerasse algum tipo de transtorno pode relaxar? NÃO, de forma alguma, excessos sempre serão perigosos.

Tecnologias são desenvolvidas, popularizadas, usamos, nos adaptamos a elas, ponto final. A espécie humana é diferenciada por sua capacidade de se adaptar às mudanças no ambiente, razão pela qual se tornou a colonizadora mais eficiente do planeta, sem que possamos dizer, infelizmente, que essa circunstância tem sido positiva para o planeta. Se uma tecnologia nos dá algo que percebemos como um benefício, nós a adotamos e a usamos, sem que ela nos faça viciados ou doentes, não mais do que algumas pessoas insistem em nos convencer do contrário.

Infelizmente, é normal, o que acontece a cada novo desenvolvimento tecnológico: quando não há problemas em nossos órgãos internos derivados da velocidade dos trens, é surdez devido ao uso de fones de ouvido, à incapacidade de escrever em condições por causa da linguagem que era usada em SMS ou tendências violentas devido aos videogames. São simplesmente as histórias de fantasmas da era digital.

Se uma criança está à procura do smartphone em todas as horas e não desenvolve atividade física suficiente, se recusa a liberar o terminal durante a hora do jantar ou não dorme, você não tem uma criança “viciada” ou “demente”: você simplesmente tem uma criança mal-educada. Educá-lo em condições, com tudo o que implica (ninguém disse que era fácil!), e parar de usar o recurso fácil de culpar a tecnologia.

De fato, aparentemente, como destaca um artigo no The Guardian, carregamos nossos celulares tal qual “caracóis” carregam sua casa nas costas, e logo se tornaram inseparáveis “parceiros”.

Uma comparação bastante muito apropriada considerando a gama de usos que realizamos em nossos dispositivos, e a sensação de familiaridade gerada por nossas configurações específicas, desde os aplicativos que instalamos, até sua localização nas diferentes telas ou pastas, a organização de nossos dados. Na prática, me parece a mesma sensação que nosso computador gera na frente de sentar na frente do outro, mesmo que seja idêntico em sua configuração, ou qualquer outro dispositivo de uso habitual como um tablet, mas como nosso smartphone usamos muito tempo por dia (duas horas e quarenta e quatro minutos, diz o meu), as sensações são acentuadas a ponto de perceber nosso smartphone como “nossa casa digital”.

Uma interpretação antropológica cultural como essa me leva, como em muitas outras ocasiões, a abominar aqueles que falam sobre os efeitos “terríveis” do smartphone nas crianças: se falarmos de algo muito semelhante à “nossa casa digital”, o lugar onde armazenamos nossas memórias, nossos documentos, nossos contatos e mil outras coisas, o que devemos fazer claramente é não nos preocuparmos se nossos filhos sofrem efeitos negativos, se ficam deprimidos ou outra reação qualquer quando são privados dos seus smartphones, a assepsia digital começa pela limitação de horas de uso.

Devemos pensar nos nossos aparelhos como nossa casa digital, e nela criamos os nossos limites, e os limites dos nossos filhos, seja pela educação dos mesmos ou pelos limites necessários a generosa exposição de riscos e o uso intenso desses aparelhos provoca, principalmente no descuidado tratamento dos nossos dados.

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