TECNOLOGIA E UMA VIDA DESCARBONIZADA

Existe alguns falsos dilemas que podem ser construídos partindo de premissas verdadeiras, e um deles é da incompatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade em um quadro de crise e desemprego, onde a sobrevivência se sobrepõe a defesa da sustentabilidade, como se nossas rotinas e escolhas não tivessem alternativas, como se o foco da sustentabilidade que emprega e permite ser competitivo não fosse possível, um falso dilema que nasce da falta do aprofundamento por alguns e de interesses menores e imediatistas de outros.

A defesa de uma vida sustentável, com respeito aos recursos naturais, coloca sustentabilidade como divisor de águas em nossas escolhas diárias, mas não pode deixar de entender que ela precisa ser uma política de Estado e não de governo, e logo o papel dos três entes federativos ganha relevância, seja na construção de uma linguagem comum que sobreponha ao negacionismos de eventuais dirigentes de plantão ou a mesquinharia mandatária de ações que precisam começar hoje e que vão produzir resultado apenas muitos anos depois, como no caso do saneamento e da ampliação da coleta seletiva e extensão da economia circular.

Todos podemos tomar o caminho para uma descarbonização, em menor ou maior grau por nossas escolhas na aquisição de serviços e produtos, ou em nossas práticas.

Evidentemente a intensidade depende da possibilidade de investimento que muda de lar para lar, como a troca por um veículo elétrico ou hibrido, ou a instalação de um aero térmico que substituiu o aquecedor de gás, com o qual paramos de consumir esse combustível fóssil e ficamos completamente elétricos. Por outro lado, a instalação de painéis solares. E finalmente, o de um inversor híbrido e uma bateria, ampliando a autossuficiência energética, o que é possível de ser feito através de muitas melhorias em condomínios onde já existem linhas de crédito disponíveis, ou seja a instalação de auto geradores em condomínios pode sim diminuir as despesas de energia e ampliar o processo de descarbonização quando compartilhado. Claro que no caso brasileiro a matriz energética já é predominantemente sustentável, ainda que não 100%, mas isso não altera a necessidade da utilização de recursos não poluentes e de baixo impacto ambiental como as forças motrizes do vento e do sol.

O papel do direito urbanístico e de construir é fundamental, vejamos quantos são os edifícios em sua cidade que possuem coleta para reuso das águas das chuvas? Quais são as cidades que exigem a auto geração e a coleta de águas das chuvas nas novas edificações? Qual o impacto dessas pequenas obras no custo final desses edifícios?

As novas regulamentações para auto geração abrem uma avenida de oportunidades para as cidades, onde a melhoria com a produção de energia gera emprego, e novos negócios para fornecedores de produtos e serviços, o que implica em mais empregos e menor custo no médio de longo prazo, na lógica da sustentabilidade que desenvolve.

Vejamos o caso da instalação de placas, quando se toma a decisão de não instalar o inversor recomendado (quase sempre recomendado nos projetos), mas optar por um híbrido (com a capacidade de se conectar tanto ao fornecimento convencional de eletricidade quanto a uma instalação de bateria) e também dimensionar as baterias correspondentes.

O resultado, para muitos que já o fizeram, é que todos os dias se tem produção excedente suficiente para encher completamente as baterias, geralmente por volta do meio-dia(para as regiões com maior grau de insolação solar) ou uma da tarde, já é possível enfrentar calmamente todo o gasto energético da casa e carregar silenciosamente o carro (se for o caso) o que for necessário, e chegar com a bateria totalmente carregada até que o sol se põe. A partir daí, a bateria alimenta o consumo durante a noite, e geralmente na manhã seguinte se mantem com cerca de 20%, o que resiste à geração de água quente para chuveiros e ao uso de todos os aparelhos elétricos da casa, e reabastece a bateria, claro que nesse exemplo depende do que foi instalado e das variações climáticas de cada região.

Sentar no seu carro pela manhã sabendo que a energia que te impulsiona não é apenas limpa, mas que você também a gerou no telhado de sua própria casa é certamente uma satisfação e claro um sentimento de que, em nossas modestas possibilidades, fazemos o que está em nosso poder para ir em uma certa direção.

É evidente que embora aspiramos, logicamente, a reduzir nossos gastos com energia, enfrentamos o custo de instalação e as possíveis quantidades de consumo, embora as indicações relativas à sua conveniência econômica possam parecer, às vezes, duvidosas. Mais do que se pode pensar, relativamente intuitivamente, que tornar-se completamente dependente da eletricidade em um momento como este com preços altos é loucura.

Nesse momento lembramos da frase de Antônio Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas “Ação coletiva ou suicídio coletivo”, dita durante o Diálogo Climático de Petersburgo,  na esteira das fortes ondas de calor, incêndios florestais, secas, inundações e outros fenômenos extremos que continuam sendo vistos, até pelos negacionistas, que continuam pensando ser isso má sorte, produto de algum tipo de deriva geológica ou fruto de erupções solares ou fruto do mercúrio retrógrado…., se não formos capazes de colocar em prática mecanismos de ação coletiva para preveni-lo, estaremos diante da perspectiva de suicídio coletivo, ou cada vez que nossas florestas arderem vamos dizer que os críticos não podem falar hoje por terem queimado parte das suas florestas a 500 anos atrás? Pobre avestruz.

As ondas de calor que estamos experimentando não são imaginárias, não são “verão”, não são o produto da imprensa alarmista em suas seculares teorias de conspiração, o que é pior, é que sabemos que é apenas o começo.

Eles são o produto do compromisso que a humanidade concordou há alguns anos no Acordo de Paris, para tentar manter a temperatura média do planeta menos de um grau e meio acima dos níveis pré-Revolução Industrial.

Nesse momento, tudo parece indicar que estamos no caminho certo, para dobrar esse limite, logo imagine como é o futuro que nos espera, diante da nossa incapacidade de interromper o uso de combustíveis fósseis quase imediatamente, não teremos uma emergência climática, mas diretamente uma catástrofe climática.

Os institutos de pesquisa climática já identificam que passamos de ter uma onda de calor a cada poucos anos, para ter muitas todos os anos, o que só evidencia a emergência e as medidas mais drásticas, como proibir a venda de veículos de combustão interna em 2035 que pode ser completamente absurdo e inútil, devendo esse cronograma acelerado para bem antes, incentivando também a retirada de circulação de qualquer veículo que emita mais de uma certa quantidade de dióxido de carbono, utilizando inspeções técnicas anuais.

Os carros são responsáveis por 70,1% do uso de cada barril de petróleo: 42,7% são dedicados à gasolina e 27,4% ao diesel. A eliminação desses componentes também reduziria muito a necessidade de uso de diesel pesado, o mais poluente e usado por navios marítimos, dos quais 40% são usados curiosamente para transportar combustíveis fósseis.

Os veículos são a maior fonte do problema, sua parte mais importante, e contra a qual devemos lutar antes de tudo, seja na redução da sua circulação estimulando modais mais econômicos ou a troca em curto e médio prazo desses veículos.

Veja esse gráfico, que permite entender o verdadeiro desastre de ineficiência representado pelos combustíveis fósseis: a indústria naval internacional é uma das mais poluentes do mundo, com emissões que excedem as de um país fortemente industrializado como a Alemanha:

Todos os navios, cerca de noventa mil cargueiros, usados em todo o mundo consomem combustíveis fósseis, e também usam a mais pesada, pior qualidade e, portanto, mais poluentes. Sua operação prevê, ao longo de um ano, um consumo de 370 milhões de toneladas de diesel pesado, o que equivale a um bilhão de toneladas de dióxido de carbono (3,1% do total) e cerca de vinte milhões de toneladas de dióxido de enxofre. Só as cinco maiores embarcações do mundo geram tanto dióxido de enxofre quanto 750 milhões de carros.

E o que todos esses navios carregam? Bem, em 40%, eles transportam precisamente combustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás. Um sistema brutalmente ineficiente: para extrair e destilar combustíveis fósseis, precisamos consumir combustíveis fósseis. Para transportá-los, ainda mais. E, finalmente, seu próprio consumo gera o problema mais importante que a civilização humana tem no momento, uma questão já puramente existencial da qual nossa própria sobrevivência como espécie depende.

A eliminação dos combustíveis fósseis em todos os níveis envolveria não apenas o efeito primário de deixar de emitir os poluentes que geram, mas também o efeito colateral de evitar emissões de sua extração, processamento e transporte.

Lembro que de cada barril de petróleo: 42,7% é dedicado à gasolina, usado quase inteiramente por carros, 27,4% ao diesel, 5,8% ao combustível de aviação e 5% a combustíveis pesados como os utilizados para o transporte marítimo, além de outros usos.

A transição tecnológica precisa ocorrer de forma sustentável, e o Brasil pode ter um papel de destaque nisso, seja pela sua experiência com o etanol, ou pela sua geração majoritariamente limpa de energia.

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