A elevação do preço dos combustíveis no Brasil, que também ocorre no mundo, claro que não na mesma proporção, pois aqui temos a combinação nefasta entre a variação do preço do petróleo que anda de mãos dadas com a variação cambial, produz como resultado inflação nos preços de absolutamente tudo que consumimos. Afinal, poucos são os serviços e produtos que conseguem ficar neutros diante da elevação conjunta de dólar + combustíveis + comodities.
Ao término desse pacote do mal, temos inflação, fome, desemprego e quebra de negócios, o que nos leva a reflexão para um desafio ainda maior, o da necessidade da segurança energética diante das novas tecnologias e do uso cada dia maior da energia elétrica.
Se no Brasil a elevação dos combustíveis fósseis não produz aumento imediato na energia elétrica, devido a multiplicidade na geração do nosso parque, o mesmo não ocorre na Europa, o preço da eletricidade, parece ser apenas o começo, onde percebemos a importância do gás na geração de energia um pouco antes do inverno chegar.
Alguns detalhes da geopolítica também estão influenciando nesse complexo caldo, que muitos estão vendo como uma futura crise energética global.
Vejamos, nos EUA o preço da gasolina aumentou mais de 50% nos últimos 12 meses, bem menos que aqui é verdade, mas lembre-se do fator dólar que falamos no primeiro parágrafo. Já o preço do gás natural na Europa aumentou espantosamente, quase 500%, ao longo do mesmo período. Na Ásia, a Bloomberg News informa que empresas de energia estão comprando gás natural líquido a preços recordes na tentativa de garantir o estoque.
Segundo reportagem do Jornal Estadão, “Na Europa, uma produtora de fertilizante em massa já foi obrigada a fechar temporariamente duas instalações na Grã-Bretanha por causa do alto custo da energia, e há o temor de que outras indústrias terão o mesmo destino. A U.S. Energy Information Administration (agência de informações do mercado de energia dos EUA) emitiu um alerta aos americanos para a probabilidade de pagarem substancialmente mais para se manter aquecidos no próximo inverno, especialmente no caso de uma queda acentuada nas temperaturas.
Por que isso está ocorrendo? A explicação simples é que a demanda por energia está no momento excedendo a oferta, o que faz com que os preços subam. As razões para tal descompasso são muitas, incluindo o clima extremo e imprevisível, bem como decisões equivocadas do governo a respeito do armazenamento, das reservas e linhas de transmissão. Mas há uma causa em comum. Boa parte do mundo deixou de investir em combustíveis fósseis (por bons motivos), o que reduziu a oferta destes. Mas não temos energia sustentável em quantidade suficiente para substituir os combustíveis fósseis. “Um dia teremos, mas ainda não temos.” O que só amplia a oportunidade para destravar o marco regulatório ainda mais da auto geração distribuída.
Em 2019, mais de 80% do consumo global de energia foi proporcionado pelos principais combustíveis fósseis: petróleo, carvão e gás natural. A energia eólica atendeu a apenas 2% do consumo, e a solar, pouco mais de 1%. Seria necessário um aumento de 2.500% na produção e implementação para que as energias eólicas e solar substituam plenamente os combustíveis fósseis, coisa que não vai acontecer imediatamente nos próximos anos, o que permite termos a dimensão desse mercado nos próximos anos.
O uso cada dia maior de aparelhos eletrônicos, que caminham junto com a transformação digital, atesta que as sociedades modernas não podem funcionar sem o acesso ao fornecimento constante de energia e, por isso, quando tais choques são sentidos, os governos fazem o que for necessário para manter a eletricidade disponível.
A Alemanha, que durante décadas muniu-se de um extraordinário parque energético de renováveis, mas que, na primeira metade de 2021, teve 56% de sua demanda suprida pelos próprios combustíveis que o país busca eliminar (carvão, gás e energia nuclear, por exemplo). A fatia do carvão, por si só, saltou de 21% para 27% da produção energética alemã, claro que isso não derruba todo esforço na construção de um parque sustentável, mas reforça a necessidade de ações para manutenção da segurança energética.
O dilema do preço elevado alimenta as contradições da estratégia ocidental, pois diante do elevado preço dos combustíveis fósseis, Biden está pedindo à Opep que aumente a produção. Em outras palavras, os EUA estão dissuadindo seus próprios produtores de petróleo e gás de aumentarem a produção ao mesmo tempo em que insiste para que os países árabes que “perfurem sem dó”. Os europeus esperam que o presidente russo, Vladimir Putin, bombeie mais gás para seus países enquanto dissuadem os produtores domésticos. Em que pese a permanente e urgente estratégia de reduzir rapidamente as emissões de carbono.
No curto prazo, a maneira mais simples de fazer isso é substituir o carvão pelo gás natural, reduzindo as emissões quase pela metade. Na verdade, a maior parte da redução nas emissões de dióxido de carbono dos EUA, entre 2005 e 2019, decorreu da substituição do carvão pelo gás, sendo o carvão o maior produtor de emissões de dióxido de carbono entre os principais combustíveis fósseis.
O objetivo deve ser alimentar as tomadas do mundo com energia renovável, não somente no longo prazo, mas no médio prazo. Há muitas boas notícias nesse sentido. O custo da energia solar e eólica caiu dramaticamente, a ponto dessas fontes concorrerem com os combustíveis fósseis. E logo quase todos os bancos já financiam a sua implantação.
O armazenamento, que já foi um grande problema no caso dessas fontes intermitentes, é solucionado gradualmente com baterias cada vez mais poderosas e outras soluções de armazenamento que ganham espaço. Ainda precisamos de investimentos muito maiores em pesquisa e desenvolvimento nessa área, mas estamos avançando concretamente.
Nessas condições, com um sistema de leilões que não incentiva particularmente a inovação, mas a imobilidade, e com o aumento dos preços do gás devido à recuperação da atividade econômica e à dependência de poucos fornecedores, neste caso a Rússia e a Argélia, a única perspectiva futura razoável emerge do aumento do investimento em energias renováveis.
Com usinas de carvão em plena aposentadoria devido não apenas às suas emissões, mas principalmente devido aos seus altos custos, e com usinas nucleares convertidas em algo que só aqueles que vivem delas justificam (altos custos de instalação, geração de resíduos, locais complicados e sujeitos a rejeição muito forte e, acima de tudo, a instabilidade climática).
A única alternativa razoável é a proposta por países como o Reino Unido com a forte expansão da energia eólica offshore, ou os Estados Unidos com o aumento das instalações eólicas e solares, que devem cobrir metade das necessidades do país no ano de 2050, ou seja, realizar uma superdimensionamento da capacidade focada em energias, cujo custo de produção é mais barato e sustentável.
É inevitável que com o tempo e as restrições progressivas e lógicas na extração de combustíveis fósseis, o único cenário esperado é o de preços cada vez mais altos do gás, algo que impacta não só a geração de eletricidade, mas também o custo de aquecimento em muitas casas. Enquanto esperamos o inverno, devemos pensar em como vamos lidar com as contas de gás nas quais, na Europa, dependemos apenas dos preços que países como a Rússia ou a Argélia têm de definir. O gás é decididamente o pior das apostas, ainda que seja a salvação no curto prazo.
Todo esse cenário amplia a oportunidade para geração solar e eólica, e logo surge a necessidade de desburocratizar licenças de pequenas gerações e estimular a geração nas áreas comerciais e residenciais.
Tornar obrigatório a energia solar e eólica em condomínios residenciais e comerciais com um prazo para essa adaptação parece ser um caminho inevitável.
A tecnologia oferta a oportunidade, e os meios regulatórios aceleram essa virada.