TECNOLOGIA E O DESEMPREGO SEM FIM

Não é a tecnologia que vai tirar o seu emprego, mas o uso dela, a finalidade dada a ela pela miopia ideológica dominante da maximização dos resultados, que acredita que tudo pode estar bem se o seu umbigo estiver bem.

Acreditar que os que ficam desamparados do caminho sejam apenas o resultado simplista da evolução natural, é estar dotado da ingenuidade que pensa que a meritocracia é um fator isolado do contexto social econômico e que ela é uma simples resultante do seu talento e da sua resiliência.

Foi no seu trabalho a “seleção natural” que Charles Darwin explicou a origem das espécies vivas que existem na natureza por meio da seguinte lógica: “Se existem variações nas características dos indivíduos de uma espécie; e se, ao longo do tempo, apenas indivíduos com certas características geram crias capazes de gerar novas crias; então, o mundo se encherá de cópias desses indivíduos, e os demais desaparecerão”. Ou, dito de forma genérica: se existem cópias imperfeitas de alguma coisa, e se apenas algumas dessas cópias são selecionadas (de acordo com algum critério, que no caso é a capacidade de gerar crias) apenas as cópias selecionadas deixarão crias. Ou seja, o que permanece é o que é competente em permanecer, e esse “permanecer” não é nada trivial, para que alguma coisa permaneça é preciso que haja uma “inteligência” capaz de separar continuamente sinal de ruído, sobrepujando a entropia, evitando assim que a coisa deteriore. Darwin identificou um processo que, uma vez instanciado, fica irresistível pois dadas certas condições, ele leva automaticamente ao aparecimento de um “algo” que fica estável no ambiente, ou seja, formará um padrão que não se dilui.

Ou seja, as espécies evoluem e isso é um requisito, pois é antes de mais nada uma mudança ao longo do tempo. Apesar de não sabermos de antemão o que será produzido, podemos garantir que alguma coisa será, porque seu padrão ficará estável. O que garante isso é o algoritmo em ação. Darwin estava interessado em espécies vivas, mas o “algo” que ganha estabilidade pode ser o que for: espécies de organismos, tecnologias, ideias, um “meme” qualquer, se o algoritmo estiver em ação, a evolução terá de ocorrer, como conclui Clemente da Nóbrega em sua obra sobre a transformação digital.

Nesse momento o algoritmo se alimenta de praticamente tudo o que é teclado, todo dia, toda hora, todo segundo, no mundo todo, e com mais sensores ligando (microfones, câmeras) outras informações e padrões que são captados por eles.

É por isso, que considerando essa taxa de aprendizado, caminhamos para um ultrapassar sob a nossa inteligência. Assim humanos versus as I.A’s, promete ser uma batalha futura com placar já previamente definido.

De forma assustadora o planeta estaria começando a ser conquistado (ainda que sem muito barulho) pelas forças do algoritmo digital com sua habilidade sutil para vencer o ruído na rede. Essa inteligência foi melhor notada pelo Google e por isso, nas diversas narrativas da história do Google, isso é registrado, pois vários autores relatam falas mais recentes dos fundadores do Google.

Numa entrevista citada por Nicholas Carr em seu livro “The Great Switch”, ele conta: “Page e Brin dizem que não estão interessados só em aperfeiçoar seu mecanismo de busca. O que querem, na verdade, é fundir sua tecnologia com o próprio cérebro humano”.

Foi com o lançamento do Google em 1998 que mais uma vez se evidenciou o acerto do que Shannon propôs como a essência do “problema da comunicação”. Parece que seus fundadores perceberam que o negócio real que tinham nas mãos não era busca na internet, era IA. Tanto que Kevin Kelly, no seu clássico livro, “Inevitável” conta o seguinte episódio: “Lá por 2002, quatro anos após o Google ter lançado seu serviço de buscas, tive uma conversa com Larry Page, o brilhante cofundador empresa. “Larry, eu ainda não entendi. Há tantas empresas de busca, como vocês vão ganhar dinheiro com busca grátis na web?” Eu não era o único que pensava que o Google não duraria muito, mas a resposta de Page não me saiu mais da cabeça: Ah, não temos interesse em ficar nisso, o que estamos realmente fazendo é uma IA”. Outra declaração intrigante apareceu quando se noticiou há alguns anos que a empresa estava escaneando todos os livros já publicados. Quando perguntados quem iria ler aquilo, a resposta foi: “Esses livros não estão sendo escaneados para serem lidos por pessoas, estão sendo escaneados para serem lidos por uma IA”.

Com a digitalização de todas as informações, quase tudo que conhecemos está datado pelo processamento de dados (sem trocadilho) filtrados do caos e confusão por algoritmos e transformados em informação por meio da interação com nossas inferiores inteligências de humanos), principalmente gerados na Internet em todo tipo de interação, onde cada click, cada link aberto, cada e-mail, cada busca, cada post no Facebook, cada foto, cada “curtida” alimenta esse banco.

Pois lendo assim o conceito do funil de Danny Hillis Danny Hillis, um cientista e inventor contemporâneo, que diz o seguinte: “Num certo momento, pode haver dezenas de milhares de pessoas pensando na possibilidade de uma certa invenção, mas menos de uma em 10 delas vão conseguir imaginar COMO aquilo poderia ser feito. Das que conseguem imaginar como fazer, só um décimo chegará a pensar nos detalhes práticos de soluções específicas. Dessas, apenas um décimo conseguirá fazer um protótipo que funcionará por tempo suficiente. E finalmente, só um dos vários milhares de pessoas que tiveram a ideia conseguirão fazê-la se tornar vencedora”. Nos estágios conceituais (mais abstratos) toda ideia tem muitos pais, mas a cada estágio o número de pais possíveis diminui. Pense em coisas que estão em intensa experimentação hoje, plataformas de ensino à distância, o carro sem motorista, energias solar e eólica, pilhas a hidrogênio.

O “funil” a que Danny Hillis se refere é que levará um ou outro design a se concretizar e dominar os demais, pois se você quer uma empresa inovadora, não coloque tanto peso nas chamadas “pessoas especiais” e trate de cuidar dos processos certos. Logo como podemos aplicar o funil as competências das pessoas e seus futuros locais de trabalho, se é que existirão?

Segundo uma recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que demostrou o impacto da crise econômica e seus cruéis efeitos na vida dos brasileiros, onde quase 30% dos 13,5 milhões de desempregados no País buscam uma vaga há mais de dois anos o maior de toda a série histórica iniciada em 2012.

A mesma pesquisa indicou também o aumento da proporção de pessoas que buscam postos há mais de um ano, de 12,6% no primeiro trimestre de 2020 para 19,5%.

Se você está sem emprego por mais de dois anos como o mercado estará vendo as suas habilidades?

Sabidamente quanto mais tempo sem emprego, mais difícil é arrumar um novo serviço, e para onde podem ir esses milhões de chefes de família?

O desemprego no País permanece bem maior que a média de 7,5% na zona do euro e de 5,1% nos Estados Unidos, e nenhum indicador da economia dá esperanças de que essa taxa volte ao patamar de um dígito no curto e médio prazos.

Que alternativas a nova economia digital oferta para esses milhões de pessoas?  O curioso é que em que pese toda dinâmica social e econômica, o homem anestesiado em seu ópio existencial não percebe que a relação social entre homens é na maioria das vezes utilitarista, variando sempre de acordo com a necessidade e o desejo dos outros para conosco, naquilo em que provamos ser mais ou menos uteis aos outros, por mais que seja dolorosa essa reflexão, mas ela é o registro dos tempos.

Com o caminhar da humanidade, o conjunto de valores se modifica, pois entra em cena mais do que um elemento ideológico, entra a sua necessidade primária de sobrevivência, de perda de espaço. Na sociedade, máquinas ficam obsoletas, e pessoas também ficam, afinal pense nas antigas ascensoristas de elevador?

Quando você procura comprar uma camiseta mais barata você levou em consideração que aquele preço foi possível graças a automatização (entrada de robôs no lugar de pessoas) daquela produção? Ou apenas o preço lhe importou?

Caminhamos para uma disputa não será entre homens e máquinas, mas entre empresas que tem máquinas contra empresas que não tem. Portanto pensar em desestimular a tecnologia, renunciar ao seu desenvolvimento ou legislar para que ela não seja usada é simplesmente perda de tempo, irresponsável e retrógrado, e que vai lhe trazer apenas uma posição mais atrasada diante de um outro colega.

Os dilemas da automação exigem um novo modelo de pensamento: não é ter a tecnologia, mas a visão necessária para adotá-la. Não é um problema tecnológico, é um problema de design de modelo social. Um modelo social que tenha claro que a tecnologia não vai empregar todos, bem pelo contrário.

Por hora quero lhe dizer que seremos substituídos por maquinas sim, por softwares sim, ou pelo simples fato do que fazemos não precisará mais de nós.

É fato de que o desenvolvimento de tecnologias relacionadas à robótica representa um paradoxo semelhante ao que deu origem à Internet na época da sua criação? Estamos diante de uma nova mudança drástica no conceito de sociedade, que altera muitas das regras que damos como essenciais em nossas vidas? Muito possivelmente sim. E que, além disso, está se aproximando a uma taxa muito mais rápida do que muitos acreditam.

O Direito que demora para se atualizar e faz dos novos hábitos de aceitação cultural algo incorporado aos novos valores sociais, quase sempre sem tempo para uma discussão profunda, o que por certo desenha inúmeros riscos. O Direito tem o poder de direcionar, de controlar, de moldar o futuro ou deve permanecer atado ao seu paradigma de regular no só-depois?

O tempo com referência, virou um registro apenas, pois a aceleração das previsões ocorre hoje ou amanhã pela conveniência dos mercados, que sacodem valores e que por muitas vezes se sobrepõe aos valores humanos, e não são poucos os exemplos ao longo da nossa história.

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