Não faz tanto tempo que o gerente de uma agência bancária era autoridade em pequenas cidades e um cargo pra lá de disputado. Ser o Superintende Regional de um Grande Banco dava status e tornava o titular do cargo uma referência na sua região. Esses tempos estão ficando para trás com a transformação avassaladora no sistema financeiro e no mercado de trabalho dos bancários.
A entrada de novos agentes, a tecnologia empregada através da internet e de smartphones criaram uma verdadeira ruptura nesse modelo de negócio.
Em 1990 o Brasil contava com cerca de 732 mil bancários, para uma população de cerca de 149 milhões de habitantes, hoje com 210 milhões devemos fechar o ano com cerca de 450 mil bancários, isso mesmo, em 30 anos foram fechados quase 300 mil postos de trabalho, com o fechamento de cerca de 1500 agências apenas nos últimos três anos.
Nesse mesmo período saltamos de 250 para cerca de 730 Fintechs, o que dá uma dimensão da mudança.
Apenas os grandes bancos privados fecharam em 2020 mil agências e cortaram 11 mil vagas, que com a digitalização dos serviços bancários, acelerada pela pandemia do novo coronavírus, fez acelerar a tendência, pois em 2019 os mesmos bancos já haviam fechado 430 agências e cortado 7 mil vagas.
Além de empregos esse movimento reduziu uma enorme quantidade de espaços ociosos, à medida que eles se tornam cada vez menos necessários, os bancos também têm feito um esforço para usar essa presença física para prestar um serviço ao cliente e logo, alguns deles estão transformando espaços ociosos de agências em coworkings para o cliente, transformando esses espaços em unidades de negócio.
Como muitos contratos têm um período de locação grande, ou até mesmo são prédios próprios, os bancos estão redesenhando esses locais para outras atividades.
Curioso é que o consumidor entende que é preciso ter uma referência física de agência, ainda que ele pouco vá até aquele espaço, pois segundo uma pesquisa de 2019 do Instituto Qualibest, 81% das pessoas considera importante a existência de agências físicas, mesmo que a frequência das visitas seja baixa e cerca de 70% dos entrevistados disseram que vão cerca de uma vez por mês a uma agência física. É óbvio que essa presença física pode estar dentro de um coworking ou de outro modelo imobiliário.
O fato é que todos querem ser cada dia mais digitais e isso implica em derrubar paredes e ceifar empregos, tudo em nome da redução de custos e melhoria dos já polpudos resultados.
Até mesmo a tradicional Caixa Econômica Federal mira ser um banco digital, para isso se prepara para em seis meses ir à Bolsa. O banco digital será listado na bolsa como uma unidade autônoma de negócio e lembre-se que a Caixa já tem autorização legislativa para dar esse passo.
Assim que tiver um sinal verde, o próximo passo será a abertura de capital da unidade na bolsa norte-americana Nasdaq, berço das empresas de tecnologia e também na B3. Seus números são impressionantes, pois nesse momento o banco é uma plataforma com 105 milhões de clientes com contas. Logo, tente imaginar um banco digital com o suporte físico de 25 mil pontos físicos, entre agências, lotéricas e correspondentes?
Os bancos digitais vieram pra ficar e todos querem ser seu banco, como já disse em diversos artigos, no Brasil as maiores referências dessa tendência são Neon e Nubank, fintechs que hoje tem tamanho de gente grande.
Afinal, graças a essas referências os brasileiros se acostumaram com algo impensável no início da década: ter uma conta bancária totalmente digital, sem agência nem gerente para tomar cafezinho e controlar suas finanças pelo celular. Agora, uma série de novas startups está de olho em como trazer a revolução dos bancos digitais para as pessoas jurídicas (PJ), se o primeiro foco foram as pessoas físicas, agora são as pequenas empresas e os microempreendedores que estão nesse foco. Todos com o único propósito atender desbancarizados que eram deixados de lado pelos grandes bancos.
Para se diferenciar dos bancos, a maioria das startups aposta em integrações e parcerias. Em quase todas, a conta digital da empresa permite, por exemplo, que o empresário conecte as informações financeiras com sistemas de contabilidade, gestão de clientes e de pagamento de funcionários, ou seja, os ERPs vão de brinde.
Entre as parcerias, há créditos para quem precisa de computação em nuvem ou desconto em serviços terceirizados. A inspiração das fintechs para pessoa física (PF) surge também na transparência com o usuário: em vez de um pacote de serviços, muitas delas oferecem conta gratuita e cobra o usuário pelo que ele usar, ao invés dos tradicionais pacotes fechados que o seu gerente pode lhe empurrar, e onde uma emissão de boleto ou uma transferência TED custam R$ 2, por exemplo. São pacotes customizados de serviço que aumentam de valor conforme o uso.
O desafio para as Fintechs é enorme, pois elas precisam além de vencer o preconceito, provar que podem ofertar um pacote de serviços robustos, igual ou melhor do que os grandes bancos.
Um outro movimento ocorre nas plataformas digitais, que querem ser tudo na sua vida, como no caso do Facebook, que pretende estrear sua moeda em janeiro. A Libra Association, entidade que emitirá e administrará a moeda, planeja que a libra seja lastreada em dólar inicialmente, o plano era ter a libra associada a uma cesta de moedas. A mudança representaria uma redução nas ambições do projeto e acontece em resposta a uma reação regulatória e política, para assim ganhar velocidade na implantação da sua moeda.
Diferente da libra anunciada no passado, foi modificada depois que reguladores e bancos centrais de todo o mundo, incluindo EUA e Europa, que levantaram preocupações de que a moeda poderia perturbar a estabilidade financeira global, logo parece que a estratégia da plataforma é fazer passo a passo e não pular etapas.
A Libra Association, da qual o Facebook é um dos 27 membros, está buscando o sinal verde do regulador dos mercados da Suíça para emitir uma série de ‘stable coins’ lastreadas em moedas tradicionais individuais, bem como um token baseado em ‘stable coins’ indexadas a moedas, os ‘stable coins’ são projetados para evitar a volatilidade típica das criptomoedas, como o bitcoin, tornando os, em teoria, mais adequados para pagamentos e transferências de dinheiro.
O que não faltam são atratividades para estar nesse mercado, onde os empregos são ceifados, os espaços devolvidos e os lucros ampliados.
Vejamos o caso dos cartões de crédito, que mesmo com as famílias em dificuldades para fechar as contas durante a pandemia de covid-19, e em meio à retração da atividade e ao desemprego, o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito subiu 7,8 pontos porcentuais de setembro para outubro, conforme divulgou o Banco Central.
Acredite, a taxa passou de 309,7% para 317,5% ao ano, como não se sentir estimulado a entrar nesse jogo diante desses aviltantes números?
Com a carência de recursos, as famílias aumentaram a demanda por algumas linhas de crédito nos bancos, e estes não perderam essa oportunidade para melhorarem seus resultados.
Devemos lembrar que o rotativo do cartão, com o cheque especial, é uma modalidade de crédito emergencial, muito acessada em momentos de dificuldades. Ele pode ser acionado por quem não pode pagar o valor total da fatura na data do vencimento, mas não quer ficar inadimplente. A recomendação de especialistas, no entanto, é pagar todo o valor da fatura, mesmo que para isso precise recorrer a outras linhas bancárias, mais baratas.
Segundo o BC, a taxa da modalidade rotativo regular passou de 268,1% para 285,7% ao ano, de setembro para outubro. Nesse caso, são consideradas as operações com cartão rotativo em que houve o pagamento mínimo da fatura.
A taxa de juros da modalidade rotativo não regular passou de 336,8% para 339,4% ao ano. O rotativo não regular inclui as operações nas quais o pagamento mínimo da fatura não foi realizado.
No caso do parcelado, ainda dentro de cartão de crédito, o juro passou de 142,0% para 148,6% ao ano. Considerando o juro total do cartão de crédito, que leva em conta operações do rotativo e do parcelado, a taxa passou de 62,4% para 61,2%.
Atualmente, o risco de inadimplência aumentou, porque muitas famílias estão enfrentando redução de renda, na esteira da pandemia e isso criou a oportunidade para aumentar o custo desse dinheiro.
Todos esses números explicam o interesse dessas centenas de fintechs e mais que isso o motivo de se redesenhar esse mercado.
Todo esse movimento, vai custar milhares de empregos aos bancários, mas isso é inevitável, pois a transformação digital traz comodidade e praticidade ao usuário, melhor ainda se ele vir acompanhado de uma redução no custo desse dinheiro e com taxas melhores para os aplicadores que poupam.