TECNOLOGIA, DIREITO A VIDA E O DIREITO A EXTENSÃO DA VIDA

O Direito a Vida, é provavelmente a base de todo sistema legal do mundo civilizado, seja na defesa da igualdade nas primeiras e necessárias codificações, ou na Constituição Federal atual.

A defesa da vida, e a sua instrumentalidade legal, nasce justamente da sua permanente ameaça, e desde dos primeiros diplomas legais, o ser humano procura estender a vida, seja por meio de meios materiais que qualifiquem e ampliam seus anos de vida, ou na garantia mínima de uma vida digna, em quase todo sistema jurídico será no Direito à Vida que encontraremos uma norma fundante. Afinal se a disputa de um universo desigual se funda em dignificar a vida e nos proteger dos mais fortes, ao longo da evolução, procuramos agora pelos avanços da ciência estender aqui a nossa passagem, seja por mais anos ou por mais e mais registros dessa passagem, onde em redes sociais até o que almoçamos ganha importância nesse mundo de valores no mínimo curiosos, sendo bastante eufemista.

Na Constituição de 1988, prevê o direito à vida no artigo 5º, entre os direitos e garantias fundamentais, e mais especificamente, nos direitos e deveres individuais e coletivos. O referido direito é garantido à todos os brasileiros e aos estrangeiros, mesmo que somente estejam transitando no país.

De igual forma o Código Civil Brasileiro, já no seu artigo 2º prescreve “ A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Logo a proteção se estende desde a conceção, e por isso a ciência caminha sempre sobre os olhares atentos do Direito, o que faz com que seja permanente o embate entre avanços da ciência e a interpretação das normas que tratam, ou tentam tratar dessas condutas.

Há muito que a humanidade está obcecada com a possibilidade de prolongar a vida. A mais antiga referência conhecida à fonte da juventude eterna é encontrada no terceiro livro de Histórias de Heródoto, escrito no século IV a.C. De igual forma, na Grécia clássica encontramos escritos sobre a imortalidade da pedra filosofal e, desde então, sendo mais um mito do que algo real, houve muitos, de alquimistas a cientistas, que tentaram encontrar um remédio que parasse de envelhecer.

O caminho pela eternidade, ao menos para ciência, parece a cada dia mais próximo, é claro que aí, mais uma vez a contradição da história da humanidade se mostra, pois no mesmo planeta em que milhões morrem anualmente de fome, se investe bilhões no prolongamento dos nossos dias.

Sabidamente, como mostram os números, a expectativa de vida não parou de crescer nos últimos anos. O acesso a alimentos saudáveis, medicamentos que curam doenças que seriam mortais ou o uso de vacinas têm contribuído para isso, mas as pesquisas avançam em um campo que busca não apenas prolongar a vida, mas a qualidade dela. E é isso que tem atraído o olhar de milionários de todo o mundo para esse campo de pesquisa. Segundo uma reportagem do Jornal Espanhol, Expression, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o fundador da Meta, Mark Zuckerberg, o empresário israelense Yuri Milner e os cofundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, estão investindo nesse campo, embora ainda haja dúvidas sobre se seu interesse é pessoal ou se eles estão realmente procurando melhorar a vida das pessoas. Aliás, outro milionário como Elon Musk, fundador da Tesla e dono do Twitter, já se distanciou dessa tendência. Muitos, incluindo ele, se perguntam se uma vacina de prevenção da idade não aumentaria as desigualdades sociais porque apenas os mais ricos poderiam acessá-la. Exato mais anos de vida para os mais privilegiados em um mundo de grandes desigualdades, onde poucos sonham em viajar ou morar em marte enquanto nas calçadas a insegurança alimentar mostra suas garras?

Entre os estudos feitos em pacientes com Clinique La Prairie, como primeiro exemplo, está um genético que mostra a quais doenças eles são mais propensos a isso, mas também um epigenético que diz que uso eles fazem dessa genética e como fatores como estresse, exercício, tabagismo ou dieta estão afetando isso.

Mas por que envelhecemos? Por causa do processo inflamatório que ocorre no nosso corpo, dizem os especialistas. Logo parte desses estudos, se dedicam a fazer uma análise para detectar a existência de metais pesados no nosso organismo que afetam diretamente a longevidade. Também um estudo do estado fisiológico de cada paciente, através de multifreqüência segmentar, para medir o nível de gordura corporal, índice de massa muscular, nível de hidratação e idade metabólica, entre outros parâmetros. Inclusive, uma análise para saber o comprimento dos telômeros de uma pessoa, algo que nos permite prever futuras doenças associadas à idade e tomar medidas preventivas contra elas.

Essa abordagem, que leva em conta todos os processos de envelhecimento e é completada com suplementos que incluem determinados nutrientes vegetais e bioativos. O que vemos é que a ciência, e seus inúmeros investidores, investe em prolongar nossa expectativa de vida e atrasar a morte tanto quanto possível.

Chamado de Gilgamesh, inspirado em um poema da antiga Mesopotâmia em que o rei de mesmo nome busca o segredo da vida eterna, há quase 40 anos, na Alemanha, três cientistas, Steve Horvath (geneticista da Universidade da California), seu irmão gêmeo Markus (psiquiatra) e seu amigo Jörg Zimmerman (pesquisador de inteligência artificial) prometeram dedicar suas carreiras para prolongar a vida humana.

A empresa desenvolveu uma técnica para medir a idade biológica das células. O relógio de Horvath, um biomarcador amplamente utilizado do envelhecimento, faz parte de uma série de descobertas para prolongar nossa expectativa de vida. Biólogos encontraram maneiras de reprogramar células antigas para rejuvenescê-las e usar essas técnicas para, por exemplo, ajudar camundongos idosos a recuperar a visão; e uma empresa busca a longevidade rejuvenescendo o sistema imunológico, uma intervenção projetada para afastar doenças que estudam os organismos mais enfraquecidos.

A busca pela eternidade, ou por uma morte opcional, ou fórmulas para atrasá-la, não é mais um objetivo marginal, como era quando os três lançaram-se no seu compromisso, mas um projeto biotecnológico no qual bilhões de dólares são investidos e que atrai os melhores cientistas, incluindo alguns laureados com o Nobel. O envelhecimento tem até seu próprio código, MG2A, na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a Bíblia da Medicina. Sua atualização, que define a idade mais velha como uma doença, reforça a ideia de que o “envelhecimento saudável” é um oximoro. Se as células humanas podem ser rejuvenescidas, por que envelhecemos?

O desejo de estender nossa data de validade não é uma questão puramente biológica; também tem profundas implicações sociais. As pessoas frequentemente discordam sobre a duração da vida humana. “Bioconservadores” argumentam que é antiético adiar a morte com a reengenharia do corpo humano. Outros argumentam que toda a saúde está voltada para esse objetivo: atrasar o momento final o maior tempo possível. Isso sem falar do problema da superpopulação.

Tente imaginar algumas questões novas como: É possível permanecer feliz casado com a mesma pessoa por 100 anos? Como reprogramar a nossa previdência social? Como regular direitos da melhor idade? Qual seria a melhor idade? Algo muito questionado hoje com o aumento da média de vida.

Os que rejeitarem a terapia de prolongamento da vida, podem ser vistos como suicidas? Um mundo de pessoas mais velhas pode inovar sem o empurrão da juventude?

Outras organizações que buscam aumentar a expectativa de vida incluem a Hevolution Foundation, um fundo de investimento sem fins lucrativos dedicado à pesquisa de “prolongamento da vida saudável”, criada por decreto real na Arábia Saudita e liderada por Mehmood Khan, ex-diretor científico da PepsiCo; e a Longevity Science Foundation na Suíça, que pretende investir US$ 1 bilhão e compartilha os mesmos objetivos. Para os mais ricos, que podem comprar tudo, menos o tempo, o envelhecimento é apenas mais um obstáculo tecnológico que deve ser resolvido, o corpo humano é uma máquina na qual você pode intervir e a ciência está prestes a oferecer uma solução.

Em seu livro: “The Case Against Death”, o filósofo Ingemar Patrick Linden aponta que a biologia evolutiva explica por que envelhecemos e morremos, mas não que devemos envelhecer e morrer. “Se nossa vida e nosso futuro são valiosos, morrer é uma das piores coisas que poderia acontecer conosco… se pudéssemos viver em boa saúde até os 120 ou 200 ou 1.000 ou indefinidamente, isso seria bom?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew em 2013, apenas 4% dos americanos gostariam de viver além dos 120 anos, e apenas 1% gostaria de viver para sempre. Isso pode ser devido à imagem que temos da velhice, na lógica que teríamos com isso uma extensão da morte e não da vida, afinal, essa evolução precisa vir acompanhada na evolução estética, em um universo de redes sociais, onde cada ato é um click, e cada click uma postagem.

Lembro que em 2006, Shinya Yamanaka da Universidade de Kyoto encontrou quatro proteínas que pareciam voltar atrás no relógio. Essas proteínas são conhecidas como “fatores yamanaka”, ou células-tronco pluripotentes. A percepção de que as células podem se regenerar, como no caso de Benjamin Button, levou Yamanaka a ganhar o Prêmio Nobel.

Entre os cientistas que estudam a juventude eterna está Gregory Fahy, biólogo com sede na Califórnia e co-fundador da empresa californiana Intervene Immune. Fahy experimentou pacientes de meia-idade a quem injetou um coquetel de drogas destinadas ao timo, um órgão em forma de glândula do sistema imunológico composto por linfócitos T, que são as células responsáveis pela imunidade celular.

Fahy, que já havia experimentado consigo mesmo, descobriu algo notável: após um ano de medicação, conseguiu reduzir a idade biológica do timo em 2,5 anos. As células renais e da próstata também rejuvenesceram, de acordo com as medidas do relógio de Horvath. Os resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que apenas nove pessoas participaram de seus estudos.

A biologia sintética pode nos permitir criar novos órgãos no futuro, claro que precisamos atravessar um mar de regulamentações.

Independentemente dos avanços científicos, surge a questão sobre se prolongar a expectativa de vida é um objetivo ético, e esse talvez seja o maior dilema, pois nem todo mundo que quer e precisa ter uma extensão da expectativa de vida teria condições financeiras para obtê-lo, o que nos leva ao ponto de partida, onde o direito a vida pode ser limitado por suas condições financeiras?

Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 17 de Maio de 2023.

1 comentário em “TECNOLOGIA, DIREITO A VIDA E O DIREITO A EXTENSÃO DA VIDA”

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