Nada castiga tanto as classes menos favorecidas do que a inflação, é ela que retira a carne do prato e coloca o osso em seu lugar. Por isso, o controle e a abundância de alimentos são tão importantes.
Os anos se passam em as desigualdades, página horrorosa da história da humanidade se mantém. Mesmo com tanta tecnologia disponível, para aplacar a fome de quem tem fome, acabamos vendo as desigualdades se perpetuarem e os extremos da pobreza crescerem, com tudo que isso implica.
Nos últimos 35 anos as áreas urbanas dobraram de tamanho, e apenas as áreas de favelas já são equivalentes a 95 mil campos de futebol, conforme matéria publicada no dia 04 de novembro do Jornal Estadão.
Hoje temos 4,1 mil hectares de favelas, segundo um levantamento divulgado pelo Mapbiomas e feito com imagens de satélite. Do total, 4,66% foram de “áreas informais” ou “favelas”, territórios dos quais os ocupantes não têm posse da terra, o que equivale a 95 mil campos de futebol ou 11 vezes a área de Lisboa, em Portugal.
Segundo essa publicação, a taxa anual de crescimento das áreas urbanas tem sido de 1,97%, maior do que o crescimento da população, de 1,45%. Hoje, a capital que apresenta a maior expansão urbana no período é São Paulo (218,9 mil hectares), seguida por Rio de Janeiro (174,5 mil), Brasília (89,2 mil), Belo Horizonte (87,1 mil) e Curitiba (74,2 mil). “as áreas urbanas de informalidade são mais sensíveis às políticas econômicas e sociais e tiveram períodos maiores de crescimento que coincidem com a retração do Produto Interno Brasileiro (PIB). O maior aumento dessas ocupações foi na Amazônia, com 18,2%. Entre os Estados que compõem o bioma, o Amazonas tem a maior proporção (45%) de área urbanizada ocupada por favelas. Na sequência, estão o Amapá (22%), o Pará (14%) e o Acre (12,6%). Já o Espírito Santo, no Sudeste, tem 21,5% de sua área urbana com ocupações informais. Dentre as capitais com maior área urbana ocupada por favelas, os destaques são Belém (51%), Manaus (48%) e Salvador (42%).
Os números são espantosos, uma combinação explosiva de pressão social nas médias e grandes cidades.
A tecnologia, pode ter na agricultura familiar e no cultivo em pequenas áreas urbanas um aliado, lembro que nesse momento no mundo, quase a metade da população mundial ainda lavra a terra, número muito distinto do Brasil, onde nesse instante apenas 15,6% da população ainda vive no campo (censo de 2010). Quando se pense em números mundiais ficamos impressionados que ainda 2,4 bilhões pessoas vivam da atividade no campo, dependendo da terra.
O que mais assusta nesses números é que a agricultura, cada dia mais tech e cada dia mais pop, retira o homem no campo de forma acelerada, desempregando em grande escala, sem preparar essa mão de obra desempregada para novas funções, e assim acelera a ida dessa força de trabalho para as cidades.
Para se ter uma referência do ganho de produtividade no campo e do seu consequente desemprego basta lembrar que em 1880, eram necessários mais de 20 homens/hora para colher um acre de trigo. Em 1916, o número de homens/hora foi reduzido para 12,7. Vinte anos depois, só 6,1 homens/hora eram necessários.
O avanço da tecnologia com ganho de produtividade, pode ter uma outra referência, o que pode dar a dimensão do desemprego promovido pelo avanço tecnológico.
Visto por outro ângulo, em 1850, um único trabalhador rural produzia alimento suficiente para quatro pessoas. Em 1995, nos Estados Unidos, um único agricultor produzia alimento suficiente para alimentar 78 pessoas, como bem destaca o professor Martin Pino em seu livro “O Fim dos Empregos Pela Inteligência Artificial e Robótica”.
A mecanização, com a consequente automatização e robotização dos processos segue seu curso acelerado, o que só contribui para o desemprego no campo, levando essa mão de obra para as cidades. Essa política equivocada que não exige verticalidade no campo, gerando mais empregos e mantendo o homem no campo, além de agregar valor ao produto brasileiro faz com que tenhamos figuras curiosas no ramo alimentar.
Somos os maiores produtores de mais de 20 tipos diferentes de alimentos, e no entanto, são raras as marcas brasileiras de alimento que tem nome conhecido pelo consumidor final, poderíamos ficar apenas em dois exemplos, no café e no chocolate, onde as marcas mais famosas são italianas e suíças sem ter um só pé de café ou cacau plantados nesses países.
Exportamos o produto bruto e continuamos importando ele beneficiado, permitindo com que todo valor agregado fique fora do Brasil. E com o crescimento do consumo nos países africanos e asiáticos estamos vendo o acelerado crescimento do consumo de nossas comodities, e com a combinação de alta de dólar somada a alta das comodities temos aqui no Brasil o aumento da pobreza com a elevação dos custos da cesta básica, uma combinação mortal para todo povo brasileiro, notadamente para os mais carentes.
O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, vem crescendo muito acima da média dos demais setores, demostrando uma total falta de política que seja focada na agregação de valor e geração de emprego, assim o setor de serviços e a nossa indústria pagam o pato por essa regulação sem intervenção alguma nesse mercado.
Os números são a melhor prova disso em 2020 a agricultura bateu a participação de 26,6% no PIB brasileiro (participação que era de 20,5% em 2019), um crescimento de mais de 20% em um único ano, são cerca de R$ 2 trilhões.
Tudo nos leva para seguirmos exatamente no mesmo caminho, elevação do preço interno, aumento da cesta básica e aceleração do desemprego, com a permanente automatização da agricultura, e com os avanços tecnológicos na biotecnologia, no controle de pragas e na automatização dos processos no campo, desde a grande a pequena propriedade, mais produtividade cada vez com menos pessoas.
Num futuro, muito breve as fazendas, independentemente do seu tamanho, serão automatizadas, virtualmente operada por computadores e robôs, onde o dono da fazenda acompanha tudo pelo celular de são paulo, enquanto as máquinas automatizadas cuidam da produção. Avanços que já existem, como em Israel, que já criou o colhedor robotizado, que vem sendo utilizado para transplantar, cultivar e colher produtos redondos ou em “cabeças”, como, por exemplo, melões, abóboras, repolhos e alfaces. Batizado de Romper (Robotic Melon Picker, colhedor de melão robotizado), o robô é montado sobre um reboque e equipado com câmeras que fazem a varredura das fileiras de plantas, enquanto um ventilador sopra a folhas “para expor o fruto escondido”.
Um computador de bordo, “analisa as imagens, procurando um ponto redondo e brilhante, identificando-o como o fruto a ser colhido”. Ainda mais impressionante, o Romper é capaz de confirmar se o fruto está maduro pelo “cheiro”. Sensores especiais medem os níveis de etileno, que é o hormônio natural que provoca o amadurecimento da fruta e conseguem “julgar” seu amadurecimento em até um dia, como destacado na obra citada.
Para se ter uma ideia, em 1996, apenas 11,6% do PIB brasileiro provinha da agricultura, em cerca de 25 anos sua participação cresceu cerca de 150% (26,2%), no mesmo período a participação da indústria no PIB brasileiro caiu de 34,6% para 24,2%, ou seja, o campo ultrapassou a nossa indústria.
A tributação favorece o campo, e o mantem sem nenhuma necessidade ou obrigação de agregar valor ao produto, investindo em marca e gerando mais empregos, pelo contrário, o dólar elevado é o sonho de consumo do campo e o pesadelo de todo consumidor brasileiro.
Crescimento precisa vir acompanhado de responsabilidade social, é preciso qualificar a mão de obra que sai do campo, e ao mesmo tempo é tarefa do governo estimular a verticalização do setor agregando valor, gerando melhores empregos e fixando essa mão de obra nas cidades menores.
A tecnologia pode ser parceira nas hortas comunitárias nas cidades, gerando emprego, e segurança alimentar com um abastecimento mais próximo do consumo.
Softwares simples para pequenos projetos comunitários, com a gestão do estoque, distribuição, compras e meios de pagamento podem estar no celular. E assim distribuir renda para a mão de obra não qualificada dos centros urbanos.
Isso diminui a pressão inflacionária, faz aumentar a ocupação no momento que batemos recordes de desemprego e ao mesmo reduz a violência, além de melhorar o uso do solo urbano.
É preciso iniciativa e vontade política de todos os entes federativos, a segurança alimentar se faz com a colaboração de todos, resolvendo abastecimento, alimentação e emprego.
Cada ente tem seu papel, na construção desse meio, seja no munício que precisa estimular o uso do solo urbano, de áreas privadas e públicas e ai esta o regime de PPPs de hortas comunitárias para as rodovias entre áreas públicas e o papel de Estados e da União na simplificação da carga e no financiamento ao micro produtor rural.