A Reforma tributária prevê uma trava na atual carga tributária, o que implica em não aumentar os tributos para os que já pagam muito e tributar um pouco mais de quem pouco paga. O teto da nossa carga tributária poderia ser reduzido com a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
Um dos maiores desafios da Reforma Tributária é aumentar a arrecadação sem aumentar a carga tributária, e logo que hoje muito paga precisa pagar menos, e para os que pouco pagam o recado é um só, irão pagar mais.
Porém qual o limite da carga tributária? Existe um limite Constitucional a carga tributária, dentro dos limites da Magna Carta ao exercício das competências impositivas dos entes federativos?
Como a Constituição hoje já prevê, uma das limitações que o Poder Tributário sofre ao instituir um imposto buscando embasá-lo na capacidade contributiva de alguém é a de que esta figura não seja confiscatória. Em outras palavras, o confisco seria a violação, por excesso, da capacidade contributiva. A vedação da tributação com efeito de confisco reforça a ideia de um sistema tributário justo, mas não somente isso. Impede o excesso de tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade contributiva. Ocorre confisco quando se supõe existente uma riqueza que, na realidade, não existe, é o que muitas das vezes identificamos na apuração do Imposto de Renda arbitrado pela movimentação financeira.
Lembro que é cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional do não confisco consagrado no art. 150, IV, da Constituição da Republica. Uma vez que a proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, trate-se de tributos não ou cuide-se de tributos vinculados, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, a prática de atividade profissional lícita e a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo).
Logo podemos dizer que o exercício da competência impositiva dos entes federativos, sempre encontrará no Princípio Constitucional do Não Confisco o seu teto.
Para a Professora Regina Helena Costa, “o confisco, em definição singela, é a absorção total ou substancial da propriedade privada, pelo Poder Público, sem a correspondente indenização”.
Evidentemente que a carga tributária e o seu teto, deve levar em conta o Princípio Constitucional da Isonomia, afinal sempre é bom lembrar que a Constituição, assim como todo ordenamento jurídico deve ser interpretada como um sistema, e não apenas como norma isolada do todo, algo bem comum nos tempos atuais com os radicais de plantão.
A confirmar essa ideia está o art. 5º. da Magna Carta, ao prescrever: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: b) perda de bens;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (grifos nossos). No Direito Tributário, a Constituição da Republica reforçou a matéria no art. 150, VI, nos seguintes termos: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;
A leitura do Texto Constitucional destacado acima, nos leva a concluir que a tributação não pode produzir o resultado equivalente ao de confisco. Mesmo quando um tributo não estiver sendo utilizado com efeito de confisco, ele poderá ser considerado confiscatório por outras razões, como, p. ex., a criação de um tributo inconstitucional, de forma não autorizada pela CF..
Assim seguindo a previsão Constitucional, o relator da Reforma Tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PPPB), alterou o seu parecer para incluir uma “trava de segurança” para evitar o aumento da carga tributária com as modificações no sistema de impostos no País.
No parágrafo terceiro do artigo 129, onde estava escrito que “as alíquotas de referência serão revisadas anualmente”, foi acrescentada a expressão “visando à manutenção da carga tributária”. Já a forma de revisão será definida em lei complementar. Claro que deve-se perguntar qual carga? Em qual data?
Parece muito claro, que dessa forma não existe espaço para aumento da carga seja na regulamentação da reforma, quando da publicação da legislação complementar.
Destacamos que a carga tributária é uma relação entre a soma da arrecadação do governo e o PIB. Em linhas gerais, é quanto se paga de imposto em relação ao que o País produz. Esse cálculo busca analisar o fluxo de recursos financeiros direcionados da sociedade para o Estado brasileiro. Barrar o aumento da carga é uma das principais demandas dos empresários.
Dessa maneira a função dessa trava, seria calibrar a alíquota padrão para garantir que a carga não aumente. Em 2022, a carga atingiu 33,71% do PIB, o maior valor da série histórica iniciada em 2010.
Logo esse item parece ser a pedra fundamental na Reforma Tributária, o que a Emenda à Constituição (PEC) deixou suficientemente claro.
Assim no Texto Constitucional podemos ler:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: … § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
Ao criar impostos, é preciso levar em conta, sempre que possível, a situação particular de cada contribuinte, permitindo com isso que seja realizada a justiça tributária ao não exigir imposto além do limite suportável. Temos como exemplo clássico de imposto abrangido por este princípio, o Imposto de Renda, onde existem alíquotas diferenciadas e se permitem várias deduções de acordo com a situação particular do sujeito passivo, o que faz com que a progressividade seja uma característica do sistema, na maioria dos tributos, justamente para estabelecer o mínimo de justiça fiscal, considerando-se o Princípio da Isonomia.
Nesses momentos ganham os noticiários a necessidade de fórmulas mágicas que procuram soluções para crises fiscais, que se acentuam por más gestões que criam privilégios para poucas categorias funcionais e que pouco se importam com a eficiência da máquina pública, logo a solução para esses apressados sempre está na elevação da carga, e logo essa trava da carga prevista na proposta de Reforma Tributária e que deve também ser aprovada no Senado, ganha maior importância.
Recentemente na Espanha o Governo anunciou a criação de um novo imposto sobre grandes fortunas, seguindo uma tendência que já ocorre em outros países da Europa.
No caso espanhol já impostos sobre a Renda e sobre o Patrimônio, um tributo que será extraordinário que será processado com urgência para sua entrando em vigor nesse ano por meio de uma lei específica, conforme exigido pela criação de um novo imposto.
A Espanha é atualmente o único país da UE que aplica um Imposto sobre o Patrimônio Líquido como tal, depois de muitos países terem escolhido aboli-lo nas últimas décadas.
Especificamente, a Espanha tributa com taxas entre 0,2% e 3,5% para contribuintes com ativos acima de 700.000 euros, sem contar 300.000 euros da residência habitual. Os países mais próximos que a mantêm são a Suíça e a Noruega, que não pertencem à UE.
Ao mesmo tempo é fundamental lembrarmos que na França, em 2018, foi abolido o chamado imposto solidário sobre a fortuna, criado em 1989, para substituí-lo pelo imposto sobre fortunas imobiliárias que é aplicado aos contribuintes que têm uma riqueza imobiliária líquida superior a 1,3 milhão de euros, com uma taxa de até 1,5%.
Por sua vez, a Bélgica tributa a partir de 2021 com uma alíquota de 0,15% das contas de títulos que excedem um milhão de euros, enquanto a Itália tem um imposto que tributa 0,76% sobre as propriedades dos contribuintes no exterior e 0,2% sobre investimentos financeiros, embora o novo governo de extrema-direita de Giorgia Meloni possa optar por eliminá-lo.
Um relatório publicado pelo Parlamento Europeu em abril de 2022 sob o título De Solidariedade e Impostos sobre a Riqueza aponta que a implementação de um imposto da UE sobre a riqueza líquida poderia trazer uma arrecadação equivalente a 10,8% do PIB da UE, tributando entre 1% e 4,8% das famílias a uma taxa efetiva de 0,3%. O mesmo relatório aponta que um possível imposto sobre a riqueza, fácil de aplicar e difícil de evadir, tributária o valor de mercado das empresas listadas. O imposto seria pago pelas empresas em dinheiro ou em espécie, por meio da emissão de novas ações, evitando os problemas de liquidez dos impostos sobre a riqueza. Segundo o texto, esse imposto seria “altamente progressivo”, uma vez que a posse de ações está concentrada em famílias com maior poder aquisitivo mais do que outras formas de riqueza, como imobiliárias.
Se consideramos os números de 2020, quando o Brasil possuía 206 bilionários que, juntos, acumulam uma fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão, se o país criasse um imposto de apenas 3% por ano sobre a fortuna de R$ 1,2 trilhão, seria possível arrecadar R$ 36 bilhões anuais, valor superior ao orçamento de 1 ano de todo o programa Bolsa-Família. A soma de toda a riqueza das famílias brasileiras é de cerca de R$ 16 trilhões de reais, estando a quase metade de toda essa riqueza – ou seja, R$ 8 trilhões – nas mãos de apenas 1 % das famílias. Se o país taxasse o patrimônio trilionário dessas famílias em apenas 1%, seria possível arrecadar R$ 80 bilhões, o que equivale ao valor de toda a receita estimada em 2020 para o Estado de Minas Gerais, o segundo mais populoso do Brasil, com mais de 20 milhões de habitantes. Façam as contas: R$ 36 bilhões cobrados sobre a renda dos 206 bilionários (+) R$ 80 bilhões cobrados sobre o patrimônio do 1% das famílias mais ricas (=) R$ 116 bilhões, de fato uma quantia extraordinária do ponto de vista arrecadatório, mas essa é uma análise simplista, quando o valor arrecadação pode se perder pelo caminho no ganho de mais privilégios para poucas categorias.
E se essas alíquotas fossem aplicadas e o valor pudesse ser abatido com créditos destinados a doação de entidades sem fins lucrativos, entidades cujo trabalho estivesse focado no ensino, na pesquisa, na cultura, na saúde e na assistência social? Quanto esses valores moveriam a economia ao invés de ficarem na mão de poucos e raros bons gestores públicos?
Artigo publicado originalmente no site www.jusbrasil.com.br, em 04 de setembro de 2023.