Eu adoro a percepção de que as redes sociais servem de empoderamento dos menos favorecidos, ela segue a linha da ingênua galinha que acreditava ser amiga da raposa, coitada já morreu, de forma trágica e esperançosa entre uma dentada e outra da “amiga”.
Eu vivo nessas linhas a permanente certeza de que “Deus inspirou o homem e ele criou a internet, e o diabo por inveja fez nascer as redes sociais.”
Eu tenho certeza, e o tempo é minha testemunha que os discursos de ódio não são uma criação das redes sociais, elas apenas catalisaram ao dar voz e imagem aos ignóbeis, e que em tempos de economia de atenção são ampliadas pelos algoritmos, fazendo urrar milhares de bestas adormecidas no silêncio, que precisavam de uma mera fagulha pra despertar.
Basta algumas “curtidas”, comentários de apoio, compartilhamentos, e pronto nasce um líder de bairro, de grupo que espelha a ignorância dos demais e que nele se identificam como a voz da minoria, e que em alguns processos chegam a maioria.
Por isso o trabalho das redes sociais na limitação e controle do discurso do ódio mais parece a tarefa de enxugar gelo, pois esbarra na lógica do negócio, onde toda curtida gera melhores posicionamento no feed de notícia dos amigos e todo comentário gera ressonância digital para mais e mais bestas que estavam adormecidas.
Protegidos pela propriedade intelectual, muitos algoritmos das redes sociais cristalizam esse absurdo, e logo é na falta dessa transparência que a ignorância encontra seu fermento. Parte da genealogia desse problema em tempos redes sociais está na própria fonte dessas redes.
É essa falsa percepção de empoderamento que estimula e ajuda também, a tornar essas redes sociais viciantes, claro tudo isso alimentado pelas estratégias comercial e um design milimetricamente estudado para tornar seu uso absolutamente viciante.
Afinal com o tempo a segmentação passou a ser o ingrediente maior na estratégia delas para se ajustarem aos diversos gostos, hábitos e faixas de idade
A ditadura da exposição das redes lembra os inúmeros modismos que em maior ou menor grau as pessoas passaram em sua adolescência, que vai da linguagem comunicacional, quando repetem bordões de novelas e agora de séries até o jeito do cabelo ou de se vestir .A história da humanidade é repleta desses exemplos que onde afinal o homem procura ao longo da vida estabelecer relações sociais com os inúmeros grupos, seja na escola, no trabalho, no clube ou na sua rua, ele é sempre movido pelo sentimento de pertencimento.
Lutamos para fazer parte de grupos e nos sujeitamos as regras desses grupos, a vida em sociedade é um exemplo disso por isso precisamos de normas jurídicas, para regrar essas inúmeras relações, afinal como os valores culturais e interpretativos são dotados de um conjunto ideológico experimental significativo, precisamos o tempo todo de ajustes, que caminham com o evoluir das relações econômicas e sociais, e logo o Direito vive em constante e nem sempre atual movimento.
As redes sociais estabelecem uma relação de consumo, onde os aplicativos nos fornecem ferramental para divulgarmos nosso conteúdo e interagirmos e recebermos conteúdo de outros, em troca recebem nossos dados e o nosso tempo.
É o nosso tempo a moeda com dados e ao mesmo tempo nosso vício, que nos transforma em escravos nessa relação que em muitos caso beira a enfermidade.
Com nossos dados calibram sua publicidade para melhorar o resultado dos seus anunciantes, e quanto maior o tempo mais bombardeados por seus anúncios, assim remuneram seus serviços, onde o produto somos nós.
Por sua vez o algoritmo ao perceber os conteúdos não curtidos por você, não comentados e não compartilhados, vai tirando os mesmos da sua linha de tempo, afinal a radicalização do discurso e dos perfis gera um distanciamento virtual que em muitas das vezes muda do plano virtual para o físico e assim a intolerância vai sendo alimentada.
Onde as discussões não se aprofundam e onde procuramos as notícias, e o algoritmo encontra, que reforçam a nossa forma de ver o mundo, pois assim funciona cada dia mais as redes sociais, onde sempre encontramos quem dá vazão e ressonância para as nossas ideias.
Se não encontramos essas pessoas, mudamos de rede social, vamos para aquelas onde raramente ocorre uma discussão como o Instagran onde a preponderância de fotos lindas e maravilhosas dão muito mais curtidas, alimentando o nosso sentimento de pertencimento.
Nunca tivemos tanta informação e nunca a ignorância desfilou tão solta e reluzente aos olhos de incultos, maldosos e em uma parcela de inocentes. E é evidente também que nesse instante de transformação social, onde muitos não encontram mais espaço nesse novo mercado de trabalho que se desenha, levando os mesmo a serem massas de manobra das mais despudoradas teorias da conspiração, onde loucura pouca é bobagem.
“A mídia mudou, o ambiente mudou, e isso tem potencialmente um grande impacto no nosso comportamento natural”, afirmou William Brady, psicólogo social da Universidade Yale. “Quando você posta, fica bastante atento à resposta que recebe, ao feedback social em termos de likes e compartilhamentos”, afirmou Brady. Então, quando a desinformação dialoga com mais impulsos sociais do que a verdade, ela obtém mais atenção na internet, o que significa que as pessoas se sentem recompensadas e encorajadas a disseminar mentiras nesse ambiente.
Logo passamos a ser viciados em mentiras que nos projetam em nosso grupo, na bolha que vivemos, o filtro deixa de estar preocupado com a construção da verdade e vira prisioneiro da narrativa que fortalece os extremos em um hábito viciante.
No início da mais famosa das redes sociais, o Facebook, Steve Jobs, com sua acidez peculiar deu um maldoso apelido ao Face, quase que predestinando o conflito atual entre Mark Zuckerberg e Tim Cook, no debate que envolve o cuidado com a privacidade na internet. O fundador da Apple, já tratava com desdém seus concorrentes no Vale do Silício, chamando em 2011, a rede social de Zuckerberg, então com menos de 900 milhões de usuários (ante os 2,5 bilhões de hoje) de “Fezesbook” (no inglês, Fecebook). A palavra foi encontrada em um e-mail que está sendo utilizado na batalha legal entre a Apple e a Epic Games, conforme revelado pelo canal americano CNBC. A crítica de Jobs aconteceu pelo fato de o Facebook não haver lançado um aplicativo dedicado para o ipad até então, na época a rede social não comentou o assunto. Curiosamente esses e-mails vieram à tona enquanto a Apple era julgada nos EUA por suposto abuso de poder.
A LGPD, e todos os diplomas equivalentes surgem para lembra que somos pessoas antes de sermos dados manipuláveis aos interesses corporativos ou de governos conforme a matiz ideológica vigente.
Onde o Direito pode nesse universo de magoados e ofendidos nos proteger dessa interferência malévola de algoritmos que despreza estados de espíritos e mergulha a visão turva de magoados num mar de lama em busca de plateia, na lógica comercial da atenção?
Os algoritmos operam para detecção do perfil psíquico, social, econômico, político, enfim, a detecção da forma mentis do usuário, com publicidades que cada dia mais ficam personalizadas para o nosso gosto e necessidade, tudo com o propósito de fazer o match point do marketing digital, a chamada “conversão”.
Para isso vasculham nosso histórico de buscas e curtidas, parametrizam o nosso tempo em cada conteúdo, tudo milimetricamente estudado pelos senhores de nossas escolhas, “os algoritmos”.
Os celulares são de fato a nova nicotina, na fila do banco, na espera do consultório, somos por designs cada dia mais responsivos, embriagados de novas doses viciantes, que nos transformam em prisioneiros de suas telas.
Nossa perspectiva de vida mudou, de grandes telas e páginas de livros e revistas, para as minúsculas telas de nossos celulares, onde tudo é registrado para te oferecer novas e maiores doses.
Em seu novo livro, o professor da USP, Eugênio Bucci, reflete sobre as recentes faces do capitalismo dos algoritmos, entendendo que “Enquanto navegamos pelas redes sociais, estamos trabalhando, para os outros. E de graça, permitindo que nossas informações sejam reunidas, catalogadas e transformadas em bases de dados. Não há mais um imaginário com o qual as companhias dialogam para vender um produto. O capital passou a criar o próprio imaginário em que estamos mergulhados.”
Para o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. “Nunca os seres humanos foram tão abusivamente explorados como agora”, “A exploração econômica que esses conglomerados realizam é mais absurda ainda. Pensemos nas plataformas sociais. O modelo de exploração chega às raias da desumanidade. Quem são os digitadores, os fotógrafos, os editores, os locutores, os atores e os modelos de tudo o que aparece nas plataformas? Ora, os “usuários”, como aprendemos a chamá-los. Um Facebook da vida não precisa contratar ninguém para “postar conteúdos”, no linguajar deles, pois os tais “usuários” fazem isso de graça. E como se estivessem se divertindo, aproveitando as vantagens de um entretenimento que lhes é dado de graça. Sejamos diretos: quem entra de graça aí não são as funcionalidades das plataformas, mas o trabalho do tal “usuário”. Além do seu trabalho e do seu olhar, que vale dinheiro, e muito, o pobre e inocente “usuário” entrega todos os seus dados, sua biografia, seus sonhos mais pueris para o algoritmo. Depois, no fim da linha, quem vai ser vendido é o próprio usuário, com seus dados, seu olhar e o circuito secreto de seu desejo inconsciente. Nunca os seres humanos foram tão abusivamente explorados como agora.”
Nosso tempo é o produto, e a ignorância dos que se sentem empoderados o maior aliado desses novos tempos.
Logo, dentro desse padrão estético relacional, acabamos por compartilhar o que não lemos e assim aceitamos a sedução do conteúdo e da imagem como verdade, nessa “sociedade da desatenção”.
A prisão estética comportamental, com os padrões ideologicamente dominantes pode ser gélida, e likes nem sempre representam carinho nesse novo padrão digital, eles podem ser mero protocolo de convivência na adequação entre expectativa e realidade.