REDES SOCIAIS E O DISCURSO DO ÓDIO

O que faz brotar as manifestações biliares que desfilam nas telas dos nossos celulares, nas indistintas redes sociais? O que alimenta esse ódio que transforma em uma pessoa intransigente até o mais cordial dos amigos?

A liberdade de expressão catalisada pelo “empoderamento dado pelas redes sociais”, faz nascer pequenos fuhrer quase todos os dias, e eles jorram literalmente nas redes sociais seu veneno, delírio e versão desprezíveis de seres humanos, que desprezam a opinião, e avida do próximo, em plena crença de sua superioridade racial e ou social.

Em que pese ser a liberdade de expressão um valor fundamental da democracia, a mesma não é absoluta, como acentuava o filósofo Karl Popper, “a tolerância contém um aparente paradoxo: para que uma sociedade se mantenha tolerante, ela não pode tolerar a intolerância.” Logo não há espaço para ofensas como calúnia, injúria e difamação até o mero insulto, toda e qualquer manifestação, e em qualquer meio, que incitem a violência.

É evidente que os discursos de ódio não são uma criação das redes sociais, elas apenas catalisaram ao dar voz e imagem aos ignóbeis, e que em tempos de economia de atenção são ampliadas pelos algoritmos de atenção, fazendo urrar milhares de bestas adormecidas no silêncio, que precisava de uma mera fagulha pra despertar.

Basta algumas “curtidas”, comentários de apoio, compartilhamentos, e pronto nasce um líder de bairro, de grupo que espelha a ignorância dos demais e que nele se identificam como a voz da minoria, e que em alguns processos chegam a maioria.

Por isso o trabalho das redes sociais na limitação e controle do discurso do ódio mais parece a tarefa de enxugar gelo, pois esbarra na lógica do negócio, onde toda curtida gera melhores posicionamento no feed de notícia dos amigos e todo comentário gera ressonância digital para mais e mais bestas que estavam adormecidas.

Criando uma bolha do ódio, onde o preconceito de amor ao próximo é tamanha que defender barbaridades passa a ser o “novo” normal.

Protegidos pela propriedade intelectual, muitos algoritmos das redes sociais cristalizam esse absurdo, e logo é na falta dessa transparência que a ignorância encontra seu fermento.

Parte da genealogia desse problema em tempos redes sociais está na própria fonte dessas redes.

Afinal o que leva as pessoas a fazerem parte de uma rede social, ou até de diversas ao mesmo tempo? Afinal com o tempo a segmentação passou a ser o ingrediente maior na estratégia delas para se ajustarem aos diversos gostos, hábitos e faixas de idade. E é justamente esse movimento, que as pessoas fazem, de entrar em novas redes sociais na maioria absoluta das vezes sem ao menos ler os termos que regulam a política daquela rede, que por vezes causa muitos ruídos quando essas redes evidenciam suas compreensões de mundo, como no recente caso do Facebook. O descuido com as regras e políticas tem dado o tom do momento e não importa a idade ou grau de instrução, por hábito o que importa é entrar na rede movido pelo sentimento de pertencimento.

A ditadura da exposição das redes lembra os inúmeros modismos que em maior ou menor grau as pessoas passaram em sua adolescência, que vai da linguagem comunicacional, quando repetem bordões de novelas e agora de séries até o jeito do cabelo ou de se vestir .A história da humanidade é repleta desses exemplos que onde afinal o homem procura ao longo da vida estabelecer relações sociais com os inúmeros grupos, seja na escola, no trabalho, no clube ou na sua rua, ele é sempre movido pelo sentimento de pertencimento.

Lutamos para fazer parte de grupos e nos sujeitamos as regras desses grupos, a vida em sociedade é um exemplo disso por isso precisamos de normas jurídicas, para regrar essas inúmeras relações, afinal como os valores culturais e interpretativos são dotados de um conjunto ideológico experimental significativo, precisamos o tempo todo de ajustes, que caminham com o evoluir das relações econômicas e sociais, e logo o Direito vive em constante e nem sempre atual movimento.

As redes sociais estabelecem uma relação de consumo, onde os aplicativos nos fornecem ferramental para divulgarmos nosso conteúdo e interagirmos e recebermos conteúdo de outros, em troca recebem nossos dados e o nosso tempo.

Com nossos dados calibram sua publicidade para melhorar o resultado dos seus anunciantes, e quanto maior o tempo mais bombardeados por seus anúncios, assim remuneram seus serviços, onde o produto somos nós.

Tempo e dados essa é a moeda do negócio, claro que para ter mais dados eles precisam de mais tempo seu, assim registram algoritmos que procuram ampliar seu tempo na rede por isso em sua linha do tempo, dão preferência aos vídeos, e as publicações de amigos que costumeiramente você curte, logo quanto mais curtidas mais informações sobre o que você gosta e o que tem em comum com a sua rede de amigos.

Ocorre que o que serve a você serve também aos robôs que atrás de perfis falsos, divulgam conteúdo quase sempre, igualmente falso, buscando na construção de mentiras o seu compartilhamento e a sua opinião para dar credibilidade aquela publicação.

Assim ao compartilhar uma notícia falsa, você oferta a sua credibilidade a ela que por sua vez também é compartilhada por seus amigos. Como a quantidade de conteúdo é grande poucos conseguem checar a veracidade daquela notícia ou artigo. Logo ele é compartilhado em outras mídias sociais (WhatsApp, Instagran etc) ganhando força e relevância nos mais diversos grupos.

Por sua vez o algoritmo ao perceber os conteúdos não curtidos por você, não comentados e não compartilhados, vai tirando os mesmos da sua linha de tempo, afinal a radicalização do discurso e dos perfis gera um distanciamento virtual que em muitas das vezes muda do plano virtual para o físico e assim a intolerância vai sendo alimentada.

Onde as discussões não se aprofundam e onde procuramos as notícias, e o algoritmo encontra, que reforçam a nossa forma de ver o mundo, pois assim funciona cada dia mais as redes sociais, onde sempre encontramos quem dá vazão e ressonância para as nossas ideias.

Se não encontramos essas pessoas, mudamos de rede social, vamos para aquelas onde raramente ocorre uma discussão como o Instagran onde a preponderância de fotos lindas e maravilhosas dão muito mais curtidas, alimentando o nosso sentimento de pertencimento.

E assim de mão dadas pertencimento e intransigência digital são o fermento para relações líquidas, explosivas e em boa parte das vezes rasas.

Aliado a isso vem a desinformação endêmica, muito bem relatada em recente artigo publicado no Estadão “Estamos em uma era de desinformação endêmica – e de mentiras francas. Muitos atores mal-intencionados estão ajudando a espalhá-las. No entanto, os verdadeiros agentes, acreditam alguns especialistas, são forças sociais e psicológicas que tornam as pessoas propensas a compartilhar e acreditar, primeiramente, em notícias falsas.”

Afinal é necessária a reflexão, de por qual motivo as percepções distorcidas a respeito de assuntos controvertidos na política e na ciência parecem tão persistentes e difíceis de ser corrigidas? E as redes sociais ofertam um cardápio pleno delas desde remédios milagrosos para COVID e sem nenhuma prova científica até depoimentos falsos de cientistas que nunca se manifestaram sobre o tema.

Nunca tivemos tanta informação e nunca a ignorância desfilou tão solta e reluzente aos olhos de incultos, maldosos e em uma parcela de inocentes.

Tudo leva a crer que as pessoas ficam mais suscetíveis a assimilar a desinformação quando esses três fatores entram em ação. Primeiramente, e talvez de maneira mais importante, isso acontece quando as condições na sociedade fazem as pessoas sentirem uma necessidade maior do que os cientistas sociais chamam de “endoagrupamento”, uma crença de que sua identidade social é uma fonte de força e superioridade – e que outros grupos podem ser culpados pelos seus problemas, a famosa “voz da minoria”.

E é evidente também que nesse instante de transformação social, e de muitos não encontram mais espaço nesse novo mercado de trabalho que se desenha, leva o mesmo a serem massas de manobra das mais despudoradas teorias da conspiração, onde loucura pouca é bobagem.

Nesse momento de absoluta carência, em meio a abrupta transformação as pessoas buscam segurança em grupos, por se identificam em redes sociais. Logo a sede por informações, verdadeiras ou não, que nos permitem ver o mundo como um conflito que opõe nosso virtuoso endogrupo com um nefasto exogrupo, e logo está armado o conflito.

Tanto no Brasil como nos EUA, a hostilidade e a polaridade alimentam essa crescente desconfinaça na sociedade, e logo oes extremos se assemelham na narrativa construída com o único propósitos de destruir o discurso contrário, sem muito se preocupara com a verdade dos fatos, mas exclusivamente com o reforço da versão extrema. E como dito na matéria acima “o nosso cérebro passa para o modo conflito entre identidades”, ficamos desesperadamente famintos por informações que afirmem esse senso de nós contra eles e muito menos preocupados com fatores como verdade ou autenticidade.

Nyhan afirmou que pode ser metodologicamente difícil marcar a relação precisa entre a polarização geral na sociedade e a disseminação da desinformação, mas há provas abundantes de que indivíduos com visões mais polarizadas ficam mais suscetíveis a acreditar em mentiras.

O segundo elemento que motiva a desinformação é a emergência de figuras no alto escalão da política que encorajam seus seguidores a se entregar a um desejo por desinformação que afirme uma identidade. Afinal, uma atmosfera de conflito político franco com frequência beneficia esses líderes, pelo menos no curto prazo, por lhes arrebanhar o apoio dessas pessoas.

E então há um terceiro fator: a migração para as redes sociais, que são poderosas plataformas para autores de mentiras, vetores de difusão de desinformação em sua essência e multiplicadoras de outros fatores de risco.

“A mídia mudou, o ambiente mudou, e isso tem potencialmente um grande impacto no nosso comportamento natural”, afirmou William Brady, psicólogo social da Universidade Yale. “Quando você posta, fica bastante atento à resposta que recebe, ao feedback social em termos de likes e compartilhamentos”, afirmou Brady. Então, quando a desinformação dialoga com mais impulsos sociais do que a verdade, ela obtém mais atenção na internet, o que significa que as pessoas se sentem recompensadas e encorajadas a disseminar mentiras nesse ambiente.

Logo passamos a ser viciados em mentiras que nos projetam em nosso grupo, na bolha que vivemos, o filtro deixa de estar preocupado com a construção da verdade e vira prisioneiro da narrativa que fortalece os extremos em um hábito viciante.

Em 2016, as pesquisadoras de mídia Jieun Shin e Kjerstin Thorson analisaram uma base de dados com 300 milhões de tuítes a respeito da eleição de 2012. Elas descobriram que os usuários do Twitter “compartilham seletivamente mensagens de checagem de informações que favorecem seu próprio candidato e difamam o candidato do partido opositor”. E quando esses usuários encontravam uma checagem de informações revelando que seu próprio candidato fez algo errado, sua resposta não era se enfurecer com o político por ter mentido. Foi atacar quem checou as informações. Quando a notícia é ruim matamos o carteiro, algo que se repete na história de ocasos.

No início da mais famosa das redes sociais, o Facebook, Steve Jobs, com sua acidez peculiar deu um maldoso apelido ao Face, quase que predestinando o conflito atual entre Mark Zuckerberg e Tim Cook, no debate que envolve o cuidado com a privacidade na internet. O fundador da Apple, já tratava com desdém seus concorrentes no Vale do Silício, chamando em 2011, a rede social de Zuckerberg, então com menos de 900 milhões de usuários (ante os 2,5 bilhões de hoje) de “Fezesbook” (no inglês, Fecebook). A palavra foi encontrada em um e-mail que está sendo utilizado na batalha legal entre a Apple e a Epic Games, conforme revelado pelo canal americano CNBC. A crítica de Jobs aconteceu pelo fato de o Facebook não haver lançado um aplicativo dedicado para o ipad até então, ná época a rede social não comentou o assunto.

Curiosamente esses e-mails vêm à tona enquanto a Apple é julgada nos EUA por suposto abuso de poder. Desde segunda, a empresa enfrenta o estúdio Epic Games na Justiça americana para defender seu caso diante das autoridades. A Epic exige que a Apple abandone a cobrança de 30% sobre o que desenvolvedores ganham dentro de apps.

O fato é que a lógica comercial na economia de atenção é o maior fermento para o discurso do ódio, pois dele vive, e é fundamental a aplicação da LGPD, e no caso europeu do RGPD na defesa de uma internet neutra, onde nossas vontades desejos e relações tenham livre arbítrio.

É preciso entender que a internet tem seu papel no desenvolvimento humano e na inclusão das pessoas, e não na sua massificação, servindo apenas como massa de manobra para o extremismo político, que escraviza e perpetua as desigualdades em uma lógica de somos números e não pessoas.

A LGPD, e todos os diplomas equivalentes surgem para lembra que somos pessoas antes de sermos dados manipuláveis aos interesses corporativos ou de governos conforme a matiz ideológica vigente.

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