Seria uma Rede Terrorista de Desinformação? Um grupo de extrema direita? Um bando de negacionistas? Ou um grupo ufanista que pensa que sempre existe uma conspiração maior? Ou tudo isso junto e misturado?
Recentemente, um relatório do FBI nos EUA apontou que “muito provavelmente” ideias difundidas pelo movimento QAnon levariam grupos a cometer atos criminosos, mais do que uma mera reunião de família, a imagem era uma prova de que novos líderes com inclinações totalitárias são os escolhidos.
Segundo um levantamento do Estadão, nos últimos 12 meses, idéias do movimento foram propagadas em páginas, grupos e canais de Facebook e YouTube que, juntos, somam cerca de 1,7 milhão de seguidores ou membros. Por meio da ferramenta Crowd Tangle, a pesquisa considerou apenas as publicações em português. São contas que permanecem no ar, apesar das remoções de grupos de adeptos da QAnon anunciadas recentemente pelas plataformas.
A teoria da conspiração Qanon surgiu nos EUA em 2017, quando um usuário com pseudônimo afirmou ter acesso ao nível mais alto de acesso a informações confidenciais dos EUA, todo boato e delírio surgem com essas frases de efeito:
“Veja antes que a Globo apague”
“O Supremo está querendo caçar esse vídeo!”
“O Vídeo que os comunistas não suportam! ”
E assim vai, sempre com a ideia do “veja com exclusividade antes que os “inimigos” do Estado apareçam!”
O Q começou enviando mensagens criptografadas no fórum de mensagens 4Chan, para historiadores e especialistas em extremismo de extrema direita, o Qanon é um fenômeno muito novo e ao mesmo tempo muito antigo, pois a ideia de uma elite sugadora de sangue e sem raízes que abusa e até come crianças é uma reminiscência da propaganda medieval sobre judeus bebendo o sangue de bebês cristãos, na versão do século 21 do “libelo de sangue”.
O Facebook age, constantemente contra grupos e páginas ligadas ao movimento QAnon e que violam as políticas da empresa. Não se trata de censura, mas de controle de conteúdo impróprio fora das políticas da plataforma. Por isso em recente declaração o Face comunicou que: “Esses movimentos evoluem com rapidez, o que exige do facebook um esforço contínuo. Portanto, seguiremos o tema de perto, estudando símbolos e terminologias e avaliando os próximos passos para manter a nossa comunidade segura”, diz a nota. A plataforma afirmou que no dia 19 do último mês removeu 790 grupos e 100 páginas ligados ao movimento.
É importante que se diga que a rede conspiratória não foi banida da plataforma, apenas as páginas com conteúdo dissonante da política do Face, com isso a derrubada afetou somente contas que “celebravam condutas violentas, mostravam armas de fogo, sugeriram usá-las, pois mantinham seguidores com padrões comportamentais violentos”.
O YouTube por sua vez declarou que desde que atualizou sua política de discurso de ódio, em junho de 2019, removeu “dezenas de milhares” de vídeos relacionados ao QAnon e encerrou “centenas” de canais com conteúdo sobre o tema por violarem diretrizes de comunidade.
A intervenção segue também na ferramenta de busca pois quando os usuários vêm ao YouTube e pesquisam tópicos sujeitos a desinformação, são fornecidos textos adicionais e conteúdo complementar para apurar a veracidade dos fatos.
O Qanon (sigla para “Q Anônimo”) foi adaptado ao Brasil e a cada dia, nessa época de extremos, ganha adeptos entre radicais nacionais. A versão brasileira da teoria da conspiração criada pela extrema direita americana tem sido cultivada em fóruns e alimenta campanhas de fake news.
Com cerca de 572 mil membros ou seguidores, somente o maior grupo de adeptos da Qanon reunia mais de 22 mil integrantes. Páginas identificadas como “oficiais” e dedicadas à publicação de conteúdos agressivos ou falsos também foram encerradas. A Qanon não é banida do Facebook, a rede aceita os conteúdos conspiratórios, desde que não incentivem comportamentos violentos. Nesses fóruns havia compartilhamento de campanhas que inventavam ameaças à vida dos que usam máscaras e se submetem à aferição de temperatura contra a disseminação da covid-19.
Tudo isso só amplia a força dos negacionistas, que tem contribuído e muito pelo prolongamento da crise, com sua desinformação. Em artigo recente para o Jama, o prestigiado Journal of the American Medical Association, os igualmente prestigiados economistas David Cutler e Larry Summers apresentaram os custos do negacionismo pandêmico nos Estados Unidos, afinal lá Trump dizia que seria uma gripezinha.
Logo, partindo de evidências apresentadas em vários artigos científicos recentes sobre a covid-19, além de cálculos do Congressional Budget Office para a queda estimada do PIB associada à pandemia na próxima década, e de estudos atuariais e demográficos, os autores concluíram que a conta pode chegar a US$ 16 trilhões até outubro de 2021.
As teorias circulam por todo mundo, pois sempre encontram pobres de espírito e ouvidos afiados para escutar e retransmitir todo e qualquer tipo de delírio.
No início da pandemia, quando milhares de soldados americanos começaram as manobras da Otan na Alemanha, Attila Hildmann fez uma pesquisa no Youtube para ver do que se tratava, rapidamente encontrou vídeos postados por seguidores alemães do Qanon.
Na narrativa do Qanon, este não foi um exercício da Otan, foi uma operação secreta do presidente Donald Trump para libertar a Alemanha do governo da chanceler Angela Merkel – algo que eles aplaudiram. “O movimento Qanon disse que essas são as tropas que vão libertar o povo alemão de Merkel”, disse Hildmann, uma celebridade de culinária vegana que não tinha ouvido falar do Qanon. “Espero muito que o Qanon seja real”.
Nos EUA, o Qanon já evoluiu de uma subcultura marginal da internet para um movimento de massa popular, mas a pandemia está alimentando as teorias da conspiração para além das costas americanas, e o Qanon está se espalhando como metástase também na Europa. Afinal, se a pandemia acelera a crise não vai parar de existir gente que precisa colocar nome e sobrenome nos causadores, não importando se é certo, justo ou real.
Para o serviço federal de inteligência doméstica alemão: “tais teorias de conspiração podem se transformar em um perigo quando a violência antissemita ou violência contra funcionários políticos é legitimada com uma ameaça do Estado Profundo”.
Ao que parece o Qanon está atraindo uma combinação ideologicamente incoerente de oponentes da vacina, teóricos marginais e cidadãos comuns que dizem que a ameaça da pandemia é exagerada e as restrições do governo injustificadas.
O ano é eleitoral e estamos diante de nossa primeira pandemia em uma economia globalizada, um campo perfeito para todo e qualquer tipo de teoria da conspiração.
Existe neste momento muita cautela em recuperar a credibilidade pelo conteúdo distribuído por parte das plataformas digitais, por isso o Facebook e o Twitter impuseram restrições aos links para uma reportagem do tabloide americano New York Post, que trata de um suposto caso de corrupção do candidato democrata Joe Biden e seu filho, Hunter Biden, na Ucrânia. As plataformas digitais alegaram que havia dúvidas sobre a veracidade do material. O Twitter explicou que limitou a divulgação do texto em razão de dúvidas sobre a “origem do material” incluído na reportagem. O New York Post garante que o material foi tirado de um computador que foi deixado por Hunter Biden em uma assistência técnica no Estado de Delaware, em abril do ano passado.
Tudo isso requer muito cuidado, pois pode ser tênue a linha entre o cuidado com a veracidade do texto publicado e a censura propriamente dita.
Nesse momento o QAnon tem ganhado corpo na política dos EUA e esse crescimento no território americano acendeu um alerta. Relatório do FBI que veio a público em agosto de 2019 apontou que ideias como as do QAnon “muito provavelmente” cresceriam e levariam grupos e indivíduos extremistas a cometer atos criminosos ou violentos”. A agência classificou o movimento como potencial ameaça interna de terrorismo.
Entre as páginas que reproduzem conteúdo QAnon estão algumas que se apresentam como “Aliança com o Brasil”, “Brasil Acima de Tudo” e “Bolsonaro direitista”. Em vídeos com “explicações” sobre a teoria é comum a defesa da “hidroxibolsonaro” no combate à covid-19. As páginas costumam ser mantidas por perfis falsos ou apócrifos, segundo reportagem do Jornal estadão.
É sem dúvida um momento delicado, pois basta uma fagulha para que ela logo vire fogo, daí nasce mais um “escândalo” e a pressão midiática para provocar a onda do populismo punitivo, mesmo que não se tenha apurado a verdade.
As redes sociais estão em busca de serem porta vozes da verdade, uma tarefa difícil que mais parece o enxugamento do gelo.
Até conseguirmos, muitos delírios serão compartilhados nas redes sociais.