PEQUENOS DITADORES E O TRAVA ZAP

Qual a política de Governança Digital você aplica na sua casa?

Lendo a obra do pedagogo espanhol, Javier Urra, “O Pequeno Ditador Cresceu”, vejo a dificuldade que nós pais temos em educar nossos filhos em tempos digitais, onde quase sempre não sabemos por onde seus olhos navegam nas telas dos seus celulares.

O livro trata evidentemente de muitos casos extremos, mas que nos permitem identificar pequenos sinais, e ao mesmo tempo projetar o que nossos rebentos podem fazer conosco e aos outros.

Para o autor, fica muito fácil para as crianças maltratarem, ou serem mal educadas com pais, mães, avós, colegas ou simples namorados dos país, se a permissividade vem dos mais próximos que aceitam serem tratados como escravos, os próprios pais.

No livro ele identifica alguns sinais dessa síndrome, que muitos apontam como “síndrome de imperador” e dessa forma evitar que a criança ou adolescente recorra à violência verbal ou física para fazer valer o seu ponto de vista, vejamos os pontos:

1. Tudo gira à volta deles

Falamos de crianças com mais direitos do que deveres e que tendem a viver numa sociedade onde tudo gira à sua volta. Como resultado de um padrão de educação muito permissivo que se distancia por completo daquele de gerações anteriores, em que os pais eram tidos como figuras de autoridade. Para apontar as possíveis consequências dessa mudança, Javier Urra fala de uma sociedade democratizada onde os papéis do homem e da mulher têm vindo a alterar-se e os filhos já não são encarados enquanto posse dos pais, mas sim os pais viram posse dos filhos.

O excesso de preocupação dos pais em relação aos filhos é um problema.

Com números de uma pesquisa na Espanha, o autor destaca que cerca de 40% dos pais e mães espanhóis não sabem como agir com os filhos. Cerca de 8% são agredidos pelos filhos, os filhos não entendem a relação edipiana com as mães. A mãe ensina que o mais importante da casa é o filho e não o casal e isso é um erro. Logo ele comanda o controle remoto da televisão, quando os pais chegam ele é o dono dos celulares e assim por diante.

2.Liberdade em demasia

Para o autor, a infância está por demais reduzida, no sentido em que os mais novos, por critério dos próprios pais, já podem optar e decidir sobre determinados assuntos.

Não por acaso que, no que toca a crianças tiranas, estas conseguem que a vida familiar seja organizada em sua função. Logos passeios, restaurantes e horários de refeições, bem como o cardápio gira por escolha deles. E assim nas redes sociais os pais tratam os filhos como verdadeiros tesouros.

Uma sociedade permissiva que educa os filhos nos seus direitos e não nos seus deveres produz filhos tiranos.

Uma consequência de se ter introduzido de forma equívoca o lema ‘não pôr limites’ e ‘deixar fazer’, abortando uma correta maturação. Para ‘não traumatizar’ cedem a tudo, permitem-lhes e oferecem-lhes tudo. Existe hoje em dia uma falta total de autoridade dos pais em relação aos filhos.”

3). As birras intencionais

Tudo começa muito cedo e as birras podem servir de diagnóstico para os pequenos (grandes) ditadores, quando a birra é desproporcional a situação que retirou o pequeno ditador da sua zona de conforto, afinal ditadores de qualquer tamanho odeiam serem contrariados, desde retirar o celular da sua mão, ou pior quando o aparelho na mão deles deixa de funcionar e eles em seu ápice de ira arremessam o aparelho na parede. Para o psicólogo, o capricho não pode ser confundido com uma situação que provoca ira e cólera numa criança. Para ele o seu comportamento colérico, para lá da simples convulsão, faz temer uma adolescência conflituosa e talvez contribua para aumentar um problema social sério: a violência juvenil.

Afinal qual a razão da manha está no começo de tudo? Porque depois dela vem o pontapé que muitas vezes é menosprezado pelos pais. Sobre isto o psicólogo e pedagogo faz questão de lembrar que o que hoje é um pontapé “inofensivo” porque a criança ainda é pequena, amanhã poderá ter outras proporções e consequências. A isso seguem-se ainda os insultos, a humilhação e, em algumas circunstâncias, a violência física.

4) Dão ordens aos pais e são insensíveis

Os pequenos tiranos costumam ser filhos únicos ou, então, têm irmãos com grande diferença de idade. Mas há mais: são crianças caprichosas, que não conhecem limites e até dão ordens aos pais e chantageiam todos aqueles que se metem no seu caminho. Além de quererem ainda ser constantemente o centro das atenções, são desobedientes e apresentam uma grande insensibilidade emocional.

5) Não sabem aceitar a frustração

Não saber ouvir um não parece, ajudar a explicar que tenham dificuldades em lidar com a frustração e em desenvolver sentimento de culpa. Invariavelmente voltam da escola com narrativas de discussões com os colegas pelas diferenças de opinião, frustrados com o não que receberam do colega, como se fosse o fim do mundo.

São ainda muito paranoicas ou sensíveis a tudo o que possa parecer ou soar contra a sua pessoa ou que lhes possa causar dano. Num mesmo sentido há outras caraterísticas a registar: por norma são egoístas, narcisistas e até hedonistas.

É fundamental ensinar os filhos a aceitar as situações que nos incomodam e desgostam, a conviver com alguns fracassos, pois o êxito quase sempre é efémero.

A felicidade completa não se pode atingir, e aceitar e enfrentar frustrações forja uma personalidade mais sã, equilibrada e madura.”

As facilidades que os meios digitais geraram no processo educativo das novas gerações pode ser um fermento para não compreensão de um novo mundo.

Logo o Compliance Digital de nossas residências passa por estabelecermos regras de uso dos meios digitais, de respeito ao próximo, seja no lar ou na escola.

Essa geração iGen, como conceitua Jean M. Twenge na sua obra “iGen”, que já nasce superconectada, pode também ser uma geração de menos felizes e completamente despreparados para idade adulta.

O universo em que elas vivem de redes sociais, pode ser lúdico, mas bem pode ser apenas um cenário eterno, onde a aparência dita as regras em detrimento a profundidade relacional.

Logo tento imaginar se você e seu filho discutem sobre as regras de comportamento nas redes sociais? Se para eles é colocado os limites do que pode e do que não pode? E logo quem deixa de agir ativamente para fiscalizar e combater irregularidades é julgado quase da mesma forma que aquele que cometeu a infração, seja ele pai ou filho.

Lembro aqui do que vem ocorrendo desde o início da pandemia, com uma prática odiosa de enviar os famosos “TRAVA ZAPs) para inundar o WhatsApp de alguém que você não gosta, ou apenas para zoar com um colega, e ai começa a grande distinção entre o bullying e a brincadeira, apesar de muitas vezes a linha ser tênue, o propósito faz toda diferença.

Mas o que é um Trava Zap? Bem, com a ampla difusão de informações nas redes sociais, é difícil encontrar aqueles que não tenham escutado que alguém estava “floodando” um feed. Logo é importante analisar quais os impactos que esta prática tem na internet atualmente. Como bem destaca artigo no canal tech, “o termo flood significa inundar. O verbo foi atribuído pejorativamente às práticas utilizadas por usuários que postam sucessivamente conteúdos irrelevantes e repetitivos em fóruns da internet ou em redes sociais.

Quando uma pessoa está “floodando”, isso significa que ela está causando um alto fluxo de uma mesma informação em um curto espaço de tempo. Os assuntos são dos mais variados, geralmente, podendo ser uma corrente de ‘bom dia’ em grupos do WhatsApp, ou até ser uma pessoa que adora comentar sobre um reality show, ou um jogo de futebol constantemente.” E é isso que se faz, um envio de uma quantidade enorme de dados para o WhatsApp de alguém que trava o aplicativo ou o celular da pessoa dependendo do bug enviado.

O problema, é que esse maldoso bug, vem sendo utilizado por “nossas crianças” para calar e silenciar seus colegas de escola.

No ano passado recebi de uma mãe aflita, a narrativa de que o celular da sua filha tinha recebido em poucos dias 3 “travas Zaps”. Ela como toda mãe zelosa foi investigar para melhor entender o que se passava.

Como a filha por hábito e de forma sensível manifesta sua preocupação com os efeitos da pandemia, e a necessidade do isolamento social e dos cuidados, um grupo silencioso de descontentes que não se opunham as publicações dela no Instagram resolveram covardemente enviar para o celular dela, por três vezes trava zaps, que bloqueavam o celular dela.

A mãe então me perguntava se trava zap era crime?

Se o “trava zap” é utilizado como ferramenta de cyberbullying ele pode sim ser enquadrado como crime.

Vamos antes a literalidade da expressão, pois bem, o vocábulo inglês bully significa “valentão”, aquela figura típica do agressor que persegue as suas vítimas na escola, colocando apelidos nelas e fazendo-as passar por situações vexatórias, por meio de agressões físicas e morais, o terror da infância de milhões de pessoas, aquilo que nossos avós chamavam de prevalecido, que tira vantagem do seu tamanho ou de sua posição. Já o sufixo-ing acrescido ao termo bully é o que indica a condição da prática de bullying, ou seja, a persistência, a continuidade a incorporação daquela agressão na rotina de outrem.

Trazendo para o nosso ponto, acrescenta-se o prefixo cyber que vem da palavra cybernetic, que se refere àquilo que tem relação com a internet.

Logo, conceitualmente cyberbullying é a prática do bullying em ambientes virtuais, ficando assim caracterizado por uma violência perseguidora e constante, que pode chegar, nas suas formas mais latentes, a agressões físicas decorrentes da exposição, além de humilhação pública, exposição vexatória, criação de apelidos de mau gosto etc.

Por isso no universo cada dia mais virtual, mais distante e veloz e ao mesmo tempo cruel, o cyberbullying é a prática desses atos invasivos e violentos através dos canais de comunicação virtuais, o que por sua dimensão pode ultrapassar a sala de aula, a escola, o bairro, a cidade e até mesmo o país nesse universo digital.

Aqui temos a lei 13.185 de 2015 que instituiu o programa de combate à intimidação sistemática (Bullying). Para a lei considera-se Bullying, a intimidação sistemática de ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Fica caracterizado a intimidação sistemática quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, com o emprego de ataques físicos, insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas, isolamento social consciente e premeditado e pilhérias.

O Cyberbullying ocorre quando há intimidação sistemática na rede mundial de computadores, quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

O que virtualmente pode ser depreciando, enviando mensagens intrusivas da intimidade, enviando ou adulterando fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. E no caso do trava zap, pelo instrumento retirando a vítima do convívio social.

Quando tipificamos a lei, ficamos horrorizados com a quantidade desses crimes que são praticados diariamente, muitas vezes com a complacência dos pais.

Seja por cyberbullying (intimidação sistemática praticada via internet) e de cyberstalking (perseguição praticada pela rede), os instrumentos já existem, e o crime pode estar ocorrendo exatamente nesse instante, ao olhos dos seus filhos.

Já o cyberstalking, que tratamos acima, é o crime de ameaça que também encontra-se definido no Código Penal, lembrando que o cyberstalking também pode ser visto como uma contravenção penal de perturbação da tranquilidade, conforme a Lei das Contravenções Penais. Porém, destacamos que se esses crimes forem praticados por menores de 18 anos, estaria caracterizada como ato infracional, punível com medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA – Lei 8.069/90).

Lembro ainda que ao travar o celular de terceiro, a “criança” comete o crime previsto também no nosso código penal Art. 163  Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

“….IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa.

As crianças “do bem” que enviam o trava zap podem ainda serem excluídas do WhatsApp”, nos termos da política do aplicativo.

Que assim faz previsão: “Nossos Serviços têm que ser utilizados de acordo com os nossos termos e políticas publicados. Se desativarmos a sua conta em decorrência de violação dos nossos Termos, você não criará outra conta sem a nossa permissão.

Uso lícito e aceitável. Os nossos Serviços têm que ser acessados e utilizados somente para fins lícitos, autorizados e aceitáveis. Você não usará (ou ajudará outras pessoas a usar) nossos Serviços: (a) de forma a violar, apropriar-se indevidamente ou infringir direitos do WhatsApp, dos nossos usuários ou de terceiros, inclusive direitos de privacidade, de publicidade, de propriedade intelectual ou outros direitos de propriedade; (b) de forma ilícita, obscena, difamatória, ameaçadora, intimidadora, assediante, odiosa, ofensiva em termos raciais ou étnicos, ou instigue ou encoraje condutas que sejam ilícitas ou inadequadas, inclusive a incitação a crimes violentos; (c) envolvendo declarações falsas, incorretas ou enganosas; (d) para se passar por outrem; (e) para enviar comunicações ilícitas ou não permitidas, mensagens em massa, mensagens automáticas, ligações automáticas e afins; ….

E continua:

“Prejuízo ao WhatsApp ou aos nossos usuários. Você não acessará, usará, copiará, adaptará, modificará, elaborará trabalhos derivados, distribuirá, licenciará, sublicenciará, transferirá, executará ou de qualquer forma explorará, (ou ajudará terceiros a fazê-lo), nossos Serviços de maneira não permitida ou autorizada, ou de forma a prejudicar ou onerar a nós, nossos Serviços, sistemas, usuários ou terceiros, inclusive, seja diretamente ou mediante automação: (a) fazer engenharia reversa, alterar, modificar, criar trabalhos derivados, descompilar ou extrair códigos dos nossos Serviços; (b) enviar, armazenar ou transmitir vírus ou outros códigos nocivos usando nossos Serviços; (c) obter ou tentar obter acesso não autorizado aos nossos Serviços ou sistemas; (d) interferir ou interromper a integridade ou o desempenho de nossos Serviços; (e) criar contas por nossos Serviços usando meios não autorizados ou automatizados; (f) coletar informações de ou sobre os nossos usuários de maneira não permitida ou autorizada; (g) vender, revender, alugar ou cobrar por nossos Serviços; ou (h) distribuir ou disponibilizar os nossos Serviços em rede para ser usado por vários dispositivos ao mesmo tempo.”

As redes sociais deram eco a essas atitudes odiosas e é preciso estabelecer um freio nessa indiferença entre pessoas, que sentem prazer em torturar outras por meio de maldades virtuais.

Confesso, que na época escutei o relato emocionado, pensando afinal que mundo é esse? Onde “projetinhos de ditadores” não sabem viver em sociedade respeitando a opinião dos colegas? Que filhos são esses que querem ditar a opinião e as escolhas dos outros? Que filhos estamos criando que pensam ser dono das vidas alheias, agindo para prejudicar os demais?

Pequenos ditadores, com o tempo tornam-se grandes em tamanho e em desprezo, e eu penso que já temos ditadores demais nesse nosso mundinho.

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