PEDÁGIO URBANO E A LEGALIDADE NO USO DE DADOS

Cidades inteligentes exigem um uso ordenado justo e sustentável das nossas vias públicas. A cobrança do Pedágio Urbano é um caminho sem volta para as Prefeituras, uma arrecadação necessária para o investimento no transporte público de qualidade

Com a drástica redução da capacidade de investimento de Estados e Municípios, e a crescente desatualização da nossa malha viária, ganha a cada dia mais força a alternativa de cobrança de pedágios urbanos, com o propósito de desestimular o uso de carros e motocicletas no centro das médias e grandes cidades do Brasil, e ao mesmo tempo estimular o uso do transporte público.

Evidentemente que quando se propõe estabelecer uma cobrança adicional para os usuários desses veículos, a gritaria é geral, seja pela cobrança ou pela “limitação ao direito de circulação”, como se o direito de circulação não fosse para todos de forma equilibrada.

Aqui nesse artigo embrionário, visto que a riqueza do tema nos permite discutir ele sobre inúmeros ângulos, vamos nos dedicar ao controle digital e o uso de dados dos veículos e seus usuários para o exercício desse controle, mas antes vamos expor sobre a inevitável cobrança, uma decorrência das velhas cidades que priorizaram o transporte individual em detrimento ao público.

Nesse momento, em Londres, o pedágio urbano é cobrado de quem circula em áreas centrais, uma estratégia de mobilidade para lidar com os congestionamentos, diminuir a circulação de veículos e aumentar a arrecadação de tributos.

Logo são esses os principais fatores que têm feito com que a solução tenha sido adotada por grandes cidades ao redor do mundo e sirva como ferramenta, também, na preservação do meio ambiente e do bem-estar coletivo.

De forma sintética, o pedágio urbano é a cobrança de uma taxa sobre a entrada de veículos em algumas áreas centrais das cidades, algo que já adiantamos que tal qual a zona azul, deve sempre começar por uma área menor e ganhando novas dimensões, seja por melhor uso do espaço público ou pelo resultado da arrecadação.

De maneira geral, os especialistas em transportes, indicam a adoção do pedágio urbano, entre as estratégias para equalização e melhoria do trânsito nas médias e grandes cidades, produzindo como resultado imediato o desestimulo ao trânsito de veículos particulares em regiões mais congestionadas.

De cara a cobrança mantém seu foco não na limitação ao Constitucional Direito de circular, mas a redução das externalidades negativas provocada por nossos carros e seu uso desenfreado, basta olhar para os inúmeros veículos que circulam diariamente com apenas um solitário condutor. Seu uso de forma desenfreada além dos congestionamentos que dominam o espaço público, tornou-se o principal causador da poluição atmosférica e sonora, além é claro dos acidentes e as mortes no trânsito. A cobrança do pedágio pode ser concentrada em um fundo para ajudar no pagamento desses custos, de reparo das vias e principalmente de melhoria incondicionada do transporte público ou adesão ao “tarifa zero”, do transporte público para dentro das áreas urbanas como ponto de partida.

Nesse ano, em Nova York, já se avançou para a cobrança da “taxa de congestionamento”, como é conhecida, sendo ela a primeira desse tipo cobrada nos EUA. Os primeiros estudos da sua dosemetria, indicam que a cobrança pode ser de até US$ 23, cerca de R$ 115, para veículos que entrarem na Ilha de Manhattan, segundo o planejamento da Autoridade de Transportes Metropolitanos (MTA), a receita gerada pela cobrança da taxa poderá ser revertida em políticas que melhorem o transporte público nova-iorquino.

O controle e a cobrança pode muito bem ser feito por tags digitais colocadas nos carros no momento do emplacamento, e claro a circulação de veículo em áreas pedagiadas sem a tag implica em multa ao proprietário do veículo, algo simples que já é utilizado por empresas como sem parar, ou conectcar entre outras tantas, permitindo assim o uso dos dados para o exercício do poder de polícia de Estados e Municípios, algo já previsto na Lei Geral de Proteção dos Dados.

Mas afinal quantos automóveis retiramos das nossas ruas quando aumentamos a ocupação do transporte público fora dos horários de pico? O que fazemos quando transformamos os locais de estacionamento nas ruas em ciclovias e faixas exclusivas de ônibus? É preciso ressignificar o transporte público com dignidade, e esse é o papel da tecnologia quando por informação integra os modais logísticos.

Lembro que a transformação digital, com a incorporação do home office foi um senhor estímulo para esse repensar, não apenas a logística das cidades mas o desenhos dos bairros a disponibilização e a oferta de todos os serviços de forma distribuída, evitando deslocamentos desnecessários. Nesse item é preciso dotar todo cidadão de informações online sobre a logística pública para ele decidir pelo melhor modal, de forma integrada. Para isso devem servir o uso dos dados, tanto para o exercício do poder de polícia como para oferta de melhores itinerários e meios de transporte público que facilitem a vida das pessoas, tudo é claro com a proteção desses dados sensíveis pelas autoridades públicas e o seu poder constituído.

Num futuro muito próximo as regiões centrais das nossas cidades devem ser tomadas por ônibus autônomos elétricos e com carregamento nas vias, pois no Michigan, o governo do estado já autorizou a construção de trechos em estrada para carregamento sem fio para veículos elétricos, carregando os veículos quando estiverem em movimento.

Uma solução baseada no carregamento contínuo enquanto um veículo circula, que poderia ser oferecido como um serviço através de uma assinatura ou integrado ao pagamento de um pedágio para dirigir em uma determinada rota. Sob a superfície da estrada, uma cadeia de indutores passivos permite que os veículos sejam carregados enquanto dirigem (carregamento dinâmico), quando parados no tráfego (carregamento semi-dinâmico) ou quando param em locais convenientemente marcados (carregamento estacionário).

Vivemos em um espaço público que é disputado por todos. E ele é usado de uma forma muito desigual, e isso já mostra uma inversão de prioridades, com foco no transporte individual.

Enquanto não priorizarmos o transporte público de massa, especialmente os de média e alta capacidade, quem puder escolher o individual o fará, e isso não é apenas uma questão de consciência, mas de necessidade, logo cabe sim ao governo fazer com que a escolha do transporte individual seja penosa, e que o uso do transporte público seja requalificado, utilizado como alternativa e não como falta de opção.

As pessoas precisam migrar para o transporte coletivo e nele se sentirem bem, com conforto e tecnologia embarcada, o que já está disponível.

Quanto a legalidade dessa cobrança lembro que alguns doutrinadores, como Luciano Amaro e Leandro Paulsen, entendem que o pedágio irá apresentar a feição de taxa quando for um serviço público específico e divisível prestado pelo Poder Público, conforme previsão constitucional das limitações do poder de tributar, estatuída no art. 150, inciso V:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

(…)

Nesse caso, o fato gerador do pedágio não é a construção de vias ou de estradas, mas sim a sua utilização. O tributo devido pela construção de vias e de estradas, por ser uma realização de obra pública, é a contribuição de melhoria. Assim, se o responsável pela conservação e pela administração de rodovias for o Poder Público, o pedágio seguirá o regime jurídico dos tributos, devendo obedecer todas as limitações ao poder de tributar presentes na nossa Carta Magna.

Nesse caso não estamos diante de uma limitação ao direito de trafegar, pois existem alternativas.

Em suma, os principais argumentos daqueles que consideram o pedágio uma espécie tributária são: o fato de a ressalva da parte final do art. 150VCF/88, a qual permite a instituição do pedágio, está presente nas limitações ao poder de tributar; o fato de o pedágio ser a contraprestação pela utilização de um serviço específico ou divisível; e o fato de serviços públicos somente poderem ser remunerados por taxas. Já quando as vias ou estradas forem conservadas e/ou administradas pelo setor privado, seja por concessionárias ou por permissionárias de serviços públicos, o pedágio apresentará feição de tarifa. Assim, quem utilizar tais serviços, não será contribuinte, mas sim usuário. Para distinção entre os serviços que ensejam o pagamento de tarifas e aqueles que provocam o recolhimento de taxas, cabe transcrever os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (1998, p. 152):

Para o STF (Informativo 750), o pedágio terá sempre natureza jurídica de tarifa, conforme dispõe o voto do Min. Relator Teori Zavascki:

”E, a despeito dos debates na doutrina e na jurisprudência, é irrelevante também, para a definição da natureza jurídica do pedágio, a existência ou não de via alternativa gratuita para o usuário trafegar. Essa condição não está estabelecida na Constituição. É certo que a cobrança de pedágio pode importar, indiretamente, em forma de limitar o tráfego de pessoas. Todavia, essa mesma restrição, e em grau ainda mais severo, se verifica quando, por insuficiência de recursos, o Estado não constrói rodovias ou não conserva adequadamente as que existem. Consciente dessa realidade, a Constituição Federal autorizou a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança possa eventualmente acarretar. Assim, a contrapartida de oferecimento de via alternativa gratuita como condição para a cobrança de pedágio não é uma exigência constitucional. Ela, ademais, não está sequer prevista em lei ordinária. A Lei 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos, nunca impôs tal exigência. Pelo contrário, nos termos do seu art. 9º, § 1º (alterado pela Lei 9.648/98), “a tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário”. (STF, Plenário. ADI 800/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/6/2014).

A experiência mostra que o maior aliado do Pedágio Urbano é a sua própria existência. A opinião pública foi sempre revertida para uma boa aceitação após a constatação de suas muitas virtudes. O PUI não é o que cerca a área central como o Rodízio ou o Pedágio Urbano de Londres. É uma forma bem mais elaborada de restrição, por meio da detecção e identificação eletrônica do veículo e cobrança proporcional ao tempo de permanência nos trechos congestionados. A arrecadação deve ser integralmente aplicada no desenvolvimento da mobilidade sustentável local (ciclovias, calçadões, parklets etc) e do Transporte Público de qualidade. O uso desses dados é fundamental não apenas para cobrança mas para melhor planejamento das nossas cidades verdadeiramente inteligentes, sustentáveis e de uso democrático e responsável das nossas vias públicas.

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 04 de julho de 2023).

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