PAULO FREIRE E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Nesse ano comemoramos o centenário do nascimento de Paulo Freire, esse pernambucano, que é o brasileiro que mais recebeu títulos honoris causa pelo mundo. Ao todo, foi homenageado em pelo menos 35 universidades brasileiras e estrangeiras. Além disso, mais de 350 escolas ao redor do mundo levam o seu nome. Para se ter a dimensão do seu trabalho, em 2016, o especialista em estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem Elliott Green, professor da London School of Economics, realizou um levantamento por meio do Google Scholar e identificou Pedagogia do Oprimido, um dos livros de Paulo Freire, como a terceira obra mais citada em trabalhos na área das humanidades em todo o mundo. À época, ela já havia sido citada 72.359 vezes. É obvio que sua obra não é uma unanimidade e que a mesma também possui alguns críticos qualificados, além é claro dos milhares que reproduzem e compartilham críticas a ele sem nunca terem lido um artigo ou um livro dele, fato muito comum aos períodos de trevas onde destruir reputações pode dar a falsa ilusão de existência intelectual aos ignóbeis que as redes sociais deram microfone, e eles acreditam serem sábios.

No estudo da Inteligência Artificial, resolvo então fazer algumas incursões e paralelismos entre o aprendizado de máquina e Paulo Freire, e a importância dos seus conceitos, na análise do conteúdo ideológico da Inteligência Artificial como espelho da sua construção.

A Inteligência Artificial ou Inteligência Cognitiva (considerada como o próximo passo da IA) lança mão dos mesmos mecanismos que os humanos possuem para tomar decisões.

Vamos tomar como exemplo o trabalho feito pela IBM, desenvolvedora da plataforma Watson, onde são apresentados quatro passos para resolver problemas, pela Inteligência Artificial (Inteligência Humana):

  1. Observar evidência e fenômenos visíveis;
  2. Buscar em nosso repertório o que já conhecemos para poder interpretar o que estamos vendo naquele momento, e dessa maneira gerar uma hipótese sobre o que aquilo significa;
  3. Avaliar em decorrência dos dois primeiros passos, as hipóteses que foram criadas, se elas estão certas ou erradas?
  4. Sem ter 100% de certeza, tomar decisões, e assim agir de acordo com ela.

Didaticamente, um sistema cognitivo funciona de maneira semelhante, pois ele recebe dados que são inseridos pelos humanos. Em seguida, trata esses dados (relaciona, categoriza) e, por meio de perguntas e respostas que são feitas por humanos, começa a entender a melhor forma de analisar aqueles dados para responder a essas perguntas.

Quanto mais faz isso, mais tem a capacidade de responder perguntas complexas e de fornecer as possíveis respostas a essas perguntas. O último passo consiste em indicar qual seria a resposta mais adequada dentre todas as possíveis. Compondo em semelhança a nossa rede neural.

Logo, muitas questões podem servir de ponto de partida na composição dessa construção, entre elas “O que seria inteligência?”

Pois se estabelecermos a inteligência como algo ligado não ao que se sabe, mas à sabedoria para se perceber no mundo, Nietzsche dá uma gigante contribuição para nos manter em uma caixa filosófica em looping: “A sabedoria é um paradoxo. O homem que mais sabe é aquele que mais reconhece a vastidão da sua ignorância”. Então se nós nos percebemos como inteligentes, automaticamente nós nos retiramos do grupo sábios porque não reconheceríamos a nossa ignorância e nos tornaríamos ignorantes sem a sabedoria de reconhecer isso, questões muito bem formuladas na obra de Carlos Henrique Fernandes, “O Caminhar da Inteligência Artificial” que trabalho nesse artigo, fazendo a conexão da Inteligência artificial e os ensinamentos de Paulo Freire.

Logo identifiquemos a complexidade em definir a inteligência, principalmente se mergulhamos para o contexto em busca da resposta à pergunta “você é inteligente?”. Nietzsche nos apresenta mais uma que desconserta qualquer tentativa de nos colocarmos na busca para sermos sábios: “De uma vez por todas, não quero saber muitas coisas.

– A sabedoria também traz consigo os limites do conhecimento”. Sim, você que lê estas máximas filosóficas pode ficar engasgado, mas Paulo Freire pode nos libertar por entender que não há excluídos, os ditos ignorantes, tal como não haveria um sabedor de todas as coisas, afirmando que “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”, o que nos remete ao aprendizado de máquina e seus resultados probalísticos.

Logo poderíamos definir a inteligência como alguém que sabe que não sabe de tudo, ou como o próprio Sócrates disse, “Só sei que nada sei”? Apenas distinguir homens e máquinas e homens de animais, como classificação já poderia colaborar na distinção entre inteligência humana e inteligência artificial, desde que tivéssemos claro o conceito de inteligência como ponto de partida.

É bom recordar que durante os 13,8 bilhões de anos desde o nosso Big Bang é que a matéria “estúpida” e sem vida se tornou inteligente. Como destaca Max TegMark em seu “Vida 3.0”, autor que também destaca a dificuldade de estabelecer um conceito de inteligência entre os vários existentes.

Logo de forma muito simplista “a Inteligência poderia ser definida como o uso da compreensão, autoconsciência, e do aprendizado para atingir objetivos complexos”. Por certo apenas mais um conceito para classificação por meio de um corte de definição.

Visto que qualquer proposta comparativa do homem com outros animais e inclusive com a máquina, que se trata de “ter a capacidade de assimilar quando questionado, levando a respostas e ações que o momento, a condição, o evento e conveniência exigem”.

Paulo Freire, em sua obra dizia que o processo sempre nos permite “chegar às fortalezas de cada aluno.” Defendendo que o estudante aprende quando o conhecimento é vinculado à realidade dele, em linha análoga ao aprendizado de máquina.

Logo vamos a outra questão, o que seria essa inteligência artificial ou inteligência da máquina?

Podemos dizer, na linha dos autores já citados, que uma máquina inteligente é aquela que sabe a resposta para questões que demandam busca, processamento, comparação e relacionamento com outros dados, de maneira integrada e em um tempo que atenda ao questionador. Agora tem uma coisa interessante, se uma pessoa leva uma anotação e consegue responder a difíceis questionamentos após ler o papel de maneira sorrateira, muito provavelmente será vista uma pessoa bem informada e até inteligente, quando na verdade ela recorreu a um simples registro (uma cola) que seria a resposta apresentada talvez por um sistema de computador, então podemos imaginar que uma pessoa que tem a resposta rápida como uma máquina, pode ser observada como uma pessoa inteligente, certo?. A inteligência artificial está tipificada como própria da máquina, a inteligência humana é a inteligência natural, mas como há muita literatura, arte, filmes e crenças como formas de impressionar e conquistar o público, há semânticas que classificam a inteligência de máquina como podemos ver adiante em um conceito denominado como Inteligência Computacional.” Logo o processo de inteligência humana reflete o conjunto ideológico de onde essa pessoa vive e de que maneira se formou, com seus registros de vida que influenciam na sua interpretação, isso é bem fácil de exemplificar no universo jurídico quando dois Ministros do Supremo podem decidir de forma diametralmente opostas sobre um mesmo tema, em que pese o vasto conhecimento jurídico de ambos, mas seu conjunto ideológico, suas crenças fruto da sua experiência cultural e de vida distintas os fazem pensar diferente.

Em 1957 que o economista e sociólogo Herbert Simon profetizou que a Inteligência Artificial seria capaz de derrotar o homem no xadrez nos próximos 10 anos, mas os anos foram chegando, as pessoas já estavam confundindo as falas de intelectuais, as obras de cinema e a proposta acadêmica como ficção, então a visão de Simon ficou no ar e só se provou correta uns 30 anos depois.

Logo por definição a Inteligência Artificial, é um conceito que representa um conjunto de respostas diante de questões apresentadas, e essa “inteligência” nada mais é que o resultado de uma programação com base em algoritmos muitas vezes robustos, que julgam o que deveria ser “respondido” frente a situações ou questionamentos. Tudo começa com o levantamento das possibilidades de perguntas e as possíveis variações das perguntas são tratadas com respostas aproximadas, segundo o julgamento do desenvolvedor do sistema(e seus valores ético culturais), e em alguns casos, há sistemas que quando não encontram a resposta correta que um usuário pergunta, encarregam-se de perguntar ao próprio usuário caso saiba, e assim pode adotar essa resposta com uma espécie de cognição também artificial

Assim, a Inteligência Artificial se desenvolve na medida que outras áreas da computação se desenvolvem conjuntamente, pois quanto maior a dedicação sobre os dados reais, melhor as estatísticas para se julgar o que se apresenta, quanto melhor as estatísticas, mais se sabe sobre o que se devo alimentar em um sistema e o espaço a atacar para ter sucesso em uma resposta ou ação, o que implica em maior capacidade de processamento e de armazenagem desses dados.

Podemos assim afirmar que para ensinar uma pessoa, precisamos conhecer o seu estado e muitas vezes não temos nenhuma informação, mas o diálogo vai fazendo com que nos aproximemos daquilo que é significativo para o educando, assim podemos chamar, construindo a partir do que ele traz consigo, pois ninguém é vazio de tudo. Saber o estado da pessoa é pedagógico e a dialogia que se constrói é imprescindível. Isso sem deixarmos de lado o que a pessoa já traz com ela.

Com uma máquina é preciso conhecer o público que terá as respostas, precisamos saber o que se espera de uma máquina para que ela seja adequada ao local que atuará, os dados que estão disponíveis para que se tome uma decisão ou se explore por estatística mais assertiva etc. Freire dizia que “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, e isso nos faz imediatamente contextualizar para a inteligência de máquina também, pois não estamos aqui falando na pura ingestão de dados para que sejam armazenados e organizados em um servidor de dados, para posteriormente serem pesquisados por alguém que terá tempo e habilidade para formar informações que apoiem uma tomada de decisão, mas estamos falando em um modelo de inteligência que seja capaz de trazer a história contada nos dados, informar, apoiar e algumas vezes decidir para alavancar outras máquinas. E é claro, Freire tinha também razão quando defendia que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, porque há uma dinâmica na vida, as coisas mudam em função do tempo, e se até as máquinas que não têm inteligência sofrem por demanda do homem, imaginemos se não mudariam as que fazem coisas que antes eram feitas por pessoas. Então o processo “educativo” de uma máquina sofre evolução e pode também considerar o desprezo de algum conhecimento, como acontece com o homem diante de uma nova regra de se calcular impostos, a máquina sofre alterações e atualizações, deixa de fazer o que antes era praxe. Assim começam a surgir as inevitáveis comparações, e o convívio com a máquina já é uma realidade, elas estão tomando o nosso espaço na nossa voluntariedade, as máquinas ocupam aquele espaço”, como já destacamos pelos autores citados.

Logo o conjunto computacional, na construção de uma inteligência artificial, precisa sim de regulações jurídicas, onde seja limitado o preconceito, reflexo do conjunto ideológico, que pode ser bem exemplificado nos programas de reconhecimento fácil, que por muito podem reproduzir o chamado “modelo Lombrosiano”.

Nesse momento existem duas categorias de algoritmos, que podem ser definidos por Machine Learning (ML), que dependem de profissionais trabalhando os dados para que as máquinas possam aprender, mas há também os algoritmos do tipo Deep Learning (DL), algoritmos mais sofisticados de machine learning, mais avançados e uma forte tendência do momento, pois são capazes de aprender com erros e se estabelecem com inúmeras camadas, por isso o nome RNP (rede neural profunda). A rede ou as camadas que apresentam vetores que começam da “reflexão” e chegam a um resultado, são denominadas “redes neurais artificiais”.”

“Ao explorar outras citações de Paulo Freire, podemos perceber que também se aplicam ao aprendizado de máquina. Vejamos: “ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos”. Desta declaração, podemos contextualizar no aprendizado de máquina e entender que uma máquina é mais capaz (ou pelo menos deve ser preparada para isso) quando tem mais interações, acumula mais dados principalmente quando tem maiores sensores atrelados a ela. Freire nos inspira também quando diz que “a educação qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática”. Isso nos faz refletir também para a máquina, pois a alimentação de dados que uma máquina tem faz parte do conhecimento sobre algum assunto a partir de uma entrada que, mesmo não previsto como item, na programação estava prevista para ser inserida.

São pontos fundamentais naquilo que deve ser pensado no momento em que a inteligência artificial toma lugar em diversos campos da sociedade, no Direito, na saúde, nas finanças em todos esses campos programas vão decidir ou auxiliar na decisão, e neles estará sempre presente o conteúdo ideológico do programador ou do intérprete.

A ética e o afeto precisam estar presente nesse aprendizado, por mais desafiador que seja.

1 comentário em “PAULO FREIRE E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL”

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