PATINETES, MOBILIDADE E A FORÇA DO LOBBY

As ruas das nossas cidades bem poderiam servir como espelho da história dos lobbys econômicos regulatórios, que nem sempre seguiu à risca o que é prioritário para as pessoas.

Primeiramente, antes que um leitor apressados entenda que esse é um artigo comparativo entre patinetes elétricos e carro, queria avisar que não, pois a comparação entre os dois é absurda, mas é fundamental entender que na regulação da micromobilidade das nossas cidades nossos legisladores precisam entender a complementariedade dos diversos meios de mobilidade e a necessidade da convivência harmônica e democrática entre eles, e para tanto é preciso reduzir os privilégios seculares dos nossos automóveis sobre os outros meios de locomoção.

Ainda que as cenas dos diversos patinete e bikes jogados nas calçadas no período anterior a pandemia ainda esteja fresca na memória e sirva de exemplo de como a falta de regulação e planejamento urbano podem dar errado, não podemos falar nada diferente quando diariamente nos deparamos com os inúmeros congestionamentos em nossas cidades, onde as ruas e muitas vezes calçadas são tomadas por automóveis e motoristas impacientes e desrespeitosos.

As invenções na maioria das vezes servem para trazer comodidade e conforto as pessoas e esse é o caso específico dos automóveis, úteis, necessários e quase sempre uma solução para inúmeros problemas de locomoção, porém quando o número deles em circulação ultrapassa a condição física das nossas ruas, o que era uma solução ganha novos ares de problema.

E hoje as pequenas, médias e grandes cidades vivem esse conflito de vias que não dão vazão aos automóveis que compramos e logo mais do que nunca o transporte público e o uso conjugado de soluções de micromobilidade surgem, e esse é o caso de bikes e patinetes.

Porém a história da economia é e sempre será a dos meios e grupos dominantes, logo sem o interesse público preponderante sobre a lógica corporativa, nossas cidades se transformam em verdadeiras selvas de pedra, onde os carros ganham o espaço das pessoas, e onde a qualidade de vida vira um discurso que não ganha espaço. Perdendo a corrida pela lógica da indústria automobilística e seu forte lobby.

Durante a pandemia eles desapareceram nas maiores cidades, logo eles que haviam virado febre em 2019, e eram presença comum nas calçadas das maiores cidades brasileiras.

Na época, era quase impossível encontrar um deles disponível nas regiões das avenidas Faria Lima e Paulista, nos horários de pico, e sem falar após 18hs onde eles dominavam as calcadas com as pessoas retornando para suas casas ou indo para aula pilotando os intrépidos patinetes elétricos.

Com a chegada da pandemia em março de 2020 e as consequentes restrições de circulação, bem como a crise financeira do maior operador de patinetes e bikes compartilhados do país esses pequenos veículos, verdadeiros ícones da micromobilidade, desapareceram das nossas ruas.

Passada a pandemia, e com a importância desse modal logístico para micromobilidade mais do que comprovada, muitos se perguntam quando os patinetes elétricos irão voltar? E claro, como será à sua volta diante dos seus conhecidos problemas?

As primeiras empresas que estão surgindo nessa retomada querem, pois precisam, redesenhar o negócio. E o novo modelo de proposto consiste no licenciamento, em que os parceiros locam os veículos elétricos ou podem optar pela compra dos produtos. As empresas entregam os patinetes e bicicletas com tecnologia de compartilhamento e aplicativo com sistema de gestão, prontos para uso.

Assim, o sistema de gerenciamento vai, informar ao licenciado os detalhes da locação, como localização do veículo, nível de bateria e reporte de problemas. Já os usuários dos patinetes devem baixar o aplicativo e seguir as regras do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), relacionadas ao uso em ruas, calçadas e ciclovias, velocidade permitida e equipamentos de segurança – o locatário, por meio do app, deve concordar com as regras de segurança, termos de seguro e utilização do patinete.”

É bom lembrar que antigamente, os patinetes eram alvos de depredação e roubo, além de ficarem espalhados por uma área muito grande, o que encarecia demais a operação. Com a nova tecnologia os usuários só podem devolver ou alugar os patinetes em áreas predeterminadas, isso vai acabar com aqueles milhares de patinetes jogadas indevidamente nas calçadas.

O Direito a mobilidade, é antes de mais nada um Direito à saúde, e é óbvio que o trânsito nas médias e grandes cidades, além de piorar as condições do ar contribui para milhares de horas que todos nós ficamos presos dentro de carros nas cidades do mundo. É um tempo jogado fora que nunca recuperamos. Por isso se viu com bons olhos quando em março de 2020 a cidade de Londres tentou melhorar a mobilidade dos seus trabalhadores em seu sistema nacional de saúde, fazendo uma proposta muito interessante para eles: emprestar-lhes bicicletas elétricas. Se considerarmos a dificuldade de se andar de carro em Londres, pode-se ter a dimensão da iniciativa, afinal andar de bicicleta elétrica em muitas cidades britânicas e mundo afora é significativamente mais rápido do que fazê-lo de carro, e que, além disso, quanto mais pessoas optarem por essa opção, mais mobilidade como um todo melhora, ou seja uma ação na micro mobilidade produz resultados fantásticos.

Os inúmeros aplicativos de compartilhamento de bikes e patinetes, apesar das derrapagens com inúmeros equívocos em seus projetos iniciais devem voltar com toda força durante essa nova etapa da pandemia. Alguns desses programas, já incluídos em aplicativos de mobilidade como Google Maps ou CityMapper, fizeram com que o uso de bikes e patinetes nas grandes cidades venha crescendo em média, como meio de transporte em cerca de 20% ao ano, empurradas pelo crescimento também da infraestrutura necessária de ciclovias.

Nossas cidades foram construídas colocando o carro na preferência dos espaços, e logo as obras de infraestrutura quase sempre são pensadas em onde e como colocarmos mais carros, como resultados as cidades a cada dia, sistematicamente envenenam seus habitantes com mais e mais poluição, e com mais e mais perda de qualidade de vida nas milhares de horas que passamos trancados em veículos em um tempo pouco ou quase nada produtivo.

As recentes experiências de bikes e patinetes compartilhados precisam ser repensadas, eles não podem simplesmente serem jogados nas nossas calçadas, é preciso estabelecer pontos de estacionamento, e a responsabilização dos seus condutores, ou seja termos regras mínimas de segurança e para evitar novas vítimas, o que já se percebe na correção de rota desses novos operadores.

A livre iniciativa sem o mínimo de controle é selvageria, e com controle em demasia é a morte do negócio. É preciso encontrar um meio termo que produza como resultado um desenvolvimento saudável para as pessoas e para o negócio.

Quantos anos da sua vida o trânsito poder furtar? Quanto anos ao longo da sua vida você vai perder em congestionamentos infindáveis, que já não são mais privilégio apenas de grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre.

Qualquer cidade com mais de 100 mil habitantes passa hoje por congestionamentos infernais, apenas abreviados nesses tempos de pandemia, que em muitos caso produz efeitos curiosos, afinal ao mesmo tempo que o home-office retira milhões de carros de nossas ruas a suspensão e o medo de contaminação nos veículos de transporte público faz com que muitos retirem seus carros da garagem, diminuindo e muito a queda projetada no trânsito, por isso em plena pandemia muitas cidades ofertam horas e horas de trânsito intenso.

Logo, as soluções logísticas de longo prazo como o transporte coletivo (ônibus, trens e metrô), acabam dando espaço para soluções de curto prazo e assim nossos deslocamentos ganham alternativas, como carros compartilhados, patinetes e bikes elétricas.

Para resolver os problemas de mobilidade, que são mundiais, é preciso fazer ajustes pontuais e diversificados na micromobilidade e na inteligência de informações disponibilizando conteúdo para todos de forma clara e acessível, assim a escolha por caminhos e meios de locomoção passa a ser mais inteligente e assertiva.

Não existe solução isolada, ela passa necessariamente pela união da sociedade civil e de todas as esferas de entes governamentais, seja pela modelagem legal no direito urbanístico ou em incentivos fiscais por meios menos poluentes. Vias e imóveis precisam ser ajustados para estimular esse modal não poluente de duas rodas.

O custo do trânsito é pago por toda sociedade através da sua saúde e do tempo perdido em milhares cidades, no Brasil ou em qualquer parte do mundo.

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