OS MITOS E VERDADES DO ENSINO À DISTÂNCIA.

No momento em que vivemos a encruzilhada entre reabrir escolas, identificamos muitos problemas e colocamos em dúvida a eficiência ou não dos nossos modelos de ensino, onde pais e professores temem riscos de aulas presenciais e onde especialistas defendem plano para priorizar o setor e evitar evasão na rede pública. Nesse momento nenhum país do mundo está há tanto tempo com as escolas fechadas como o Brasil, pois já se passaram cerca de seis meses, em que quase 50 milhões de crianças e adolescentes continuam em casa.

Se é justificada a preocupação com o elevado risco de contaminação e a ampliação da fragilização por proximidade aos diversos grupos de risco, por outro lado qual será o resultado para essas gerações, de cerca de 25% da população do país, de frequentar os locais de ensino? É evidente o papel da União na condução dessa política, vamos apenas traçar um comparativo com a Alemanha, pois naquele país, mesmo com a autonomia de cada Estado, o governo federal assumiu a coordenação da retomada escolar pelo entendimento de que isso afetaria a visão de país. Em diversos países europeus, no dia seguinte à paralisação das aulas já havia um comitê para iniciar o processo de retorno, enquanto em muitas das nossas universidades foram necessários 4 meses para primeira reunião.

Com tantos jovens em casa, fora dos bancos escolares, qual o tamanho da vulnerabilidade social desses milhões de brasileiros, pois imagina-se que eles estariam mais protegidos da violência se estivessem na escola? E qual a eficiência do ensino a distância como necessidade do momento?

Em recente pesquisa, divulgada em 12 de agosto pelo Instituto DataSenado, foi demonstrada que a diferença entre a educação na rede pública e na privada também se revela no acesso dos alunos ao ambiente digital. Dos lares brasileiros cujos estudantes estão tendo aulas remotas na rede pública, 26% não possuem internet, quando a pesquisa olha para os colégios particulares, o total de alunos sem conexão online cai para 4%.

O desafio é trazer os estudantes, respeitando todos os protocolos de saúde para que tenham segurança e educação, o que pode ajudar a reduzir essa situação de toxicidade, lembrando que a mesma pesquisa evidenciou que cerca de 30% desses estudantes não tem acesso a nada.

A realidade de volta para escolas particulares é bem distinta, onde a maioria das instituições privadas está preparada para cumprir os protocolos de segurança e, ao mesmo tempo, estruturadas para manter o atendimento remoto para os alunos cujas famílias decidirem pelo não retorno.

Fica a cada dia mais evidente a exaustão de nossas crianças com as aulas exclusivamente online, por isso se nota o crescente apoio ao retorno das aulas, ainda que em regimes híbridos, onde parte dos alunos teria acesso ao conteúdo de forma presencial e a outra, por intermédio das telas.

Logo, diante da exaustão, discutir a eficiência desse modelo, seus mitos e verdades é fundamental, desmistificar a velha imagem de que o ensino online consiste em apenas vídeos gravados com conteúdos organizados em apostilas.

Confesso que por muitos anos tive esse mesmo preconceito, e duvidava do modelo, nos últimos anos lecionando online em diversas plataformas, bem como também de forma presencial, passei a ter mais elementos que me permitem um comparativo, de forma mais justa e assertiva, logo, quando o ensino online passa de alternativa opcional para obrigação, o debate precisa ser aprofundado.

Alguns mitos viraram verdades comuns para muitos, e sendo assim uma parte significativa da sociedade pensa que o ensino online:

  1. É um substituto pobre para o cara-a-cara, que é justificado apenas por causas de força maior;
  2. Que ele tem que ser necessariamente mais barato;
  3. Que ele é baseado em autoaprendizagem, vídeos gravados e páginas da Web com tutoriais e exemplos;
  4. Que é monótono e com taxas significativas de abandono por parte dos alunos;
  5. Que ele impede o desenvolvimento de relações sociais entre estudantes;
  6. Que é uma fórmula de bolo que não atende as particularidades dos alunos, não permitindo customizações.

O que dizer dessas assertivas acima?

Primeiramente eu diria que o ensino online não tem nenhuma relação com cursos massivos e abertos, essa classificação é lugar comum de quem não conhece a fundo e logo, que eles seriam propostos para aproximar conceitos de muitas pessoas, que dependem necessariamente de forte padronização e automação, e em que 95% dos alunos que os iniciam, não os terminam. Ou seja, isso é folclore e as avaliações do MEC estão ai publicadas para confirmarem que é puro preconceito.

Nesses cursos é possível que a idéia de “vídeos gravados e páginas web com tutoriais e exemplos” possa ser aplicável, mas isso não implica que o ensino online tenha que ser assim.

Não, ensinar online não é sinônimo de “eu não posso ir para a aula porque eu vivo em uma área rural mal comunicada”, nem “Eu não tenho dinheiro para pagar a educação presencial e então eu faço isso online”.

Não, de fato o ensino online não precisa ser mais barato se os recursos que você tem que investir nele para fazer bem são maiores e mais caros do que aqueles que precisam ser investidos em uma aula presencial. Uma aula presencial está preparada, uma aula online é produzida e “produzir” é mais complexo, envolve mais esforço e oferece mais oportunidades de maior qualidade do que apenas preparar. Se você não tirar vantagem deles, é porque você não sabe ou por que você não quer..

Não, ensinar online não é chato, na verdade, metodologicamente oferece mais variações do que é ensinado em uma sala de aula, onde, infelizmente, as coisas tendem a ser feitas muito como nossos avós ou bisavós fizeram. Em uma aula online bem produzida você pode (e deve) ter mais bidirecionalidade, mais (e melhor) pesquisas e perguntas para os alunos, mais (e melhores) convidados, e muito mais materiais do que você pode usar em uma aula, bem como métodos alternativos com inúmeros possibilidades de enriquecimento por outros links de pesquisa, tudo online e atualizado permanentemente.

Não, ensinar online não é “eu preparo a aula, coloquei em uma página e de lá eu não faço nada”. Isso é autoaprendizagem, e ninguém diz, e não deve fingir, que todo o ensino online seria assim.

Não, o ensino online não impede ou dificulta as relações sociais. Alunos e professores podem (e devem) manter mais proximidade e relacionamento em um ambiente online do que em um online ambiente presencial e, acima de tudo, muito mais rico. Posso garantir que conheço muitos dos meus alunos que editei online melhor do que outros que simplesmente sentaram na minha sala de aula e participaram pouco.

Embora o presencial esteja geralmente limitado ao tempo de aula e à tutoria, a on-line pode envolver mensagens instantâneas, fóruns e até mesmo conferências de vídeo um-a-um em certos casos. Obviamente, isso não significa que, como professor, você tem que ser 24×7, estando de plantão o tempo todo, mas você pode oferecer mais disponibilidade e proximidade quando você pode fornecê-lo sem sair de casa, na dinâmica que não precisa se deslocar, bem como o aluno também.

Bem, quanto aos alunos, lembro que quando a aula termina, eles permanecem conectados em mensagens e mídias sociais, e falam e se envolvem sem parar. Sim, ver-se fisicamente é algo que não deve ser perdido, obviamente, mas isso depende do contexto e circunstâncias, e no meio de uma pandemia, pode ser uma boa ideia restringi-lo.

Dessa maneira a interação online permite mais profundidade, disponibilidade de melhores materiais, explicações mais completas e melhor qualidade. A razão é óbvia: pessoalmente, tanto o professor quanto o aluno têm os recursos que têm na cabeça ou em um livro, e eles são expressos pela voz, que é um canal restrito ao tempo: um aluno não pode pedir mais de um minuto ou dois, e um professor tem que responder com o que tem atualmente em sua cabeça.

No online, o aluno pode fazer sua pergunta em um fórum escrito, estender, pensar sobre isso, documentá-lo com links ou vídeos se quiser, e o professor tem muito mais opções e possibilidades quando se trata de responder do que quando está em uma sala de aula. O meio online é mais rico e não há discussão sobre isso. A partir dessa evidência, vamos passar para o seguinte: o ensino online pode ser, dado os meios e condições certos, melhor do que o ensino presencial.

A partir disso emerge a única limitação que considero relevante nesta área: um ensino online requer, além de abordagens adequadas, equipamentos mínimos e certa largura de banda, focar as ações na obtenção dos meios que o tornem possível. Não é simples e não é barato, mas pode ser feito.

Logo, o desafio é permanente, ensino online vale sim, desde que todos tenham a mesma condição de acesso e falo aqui em ensino médio e superior. Uma das melhores maneiras de transformar uma ameaça como uma pandemia em uma oportunidade para todos é desenvolver bem o ensino online. Esqueça seus mitos e lugares comuns, considere-o como o que realmente é e desenvolva-o como merece, como algo que certamente podemos continuar a usar mesmo quando a pandemia está sob controle, quando temos uma gripe ou fazemos uma torção e precisamos descansar. Enquanto isso, continuaremos não só seriamente errados, mas também absurdamente jogando o próximo crescimento da doença.

É tempo de refletir e ver o que desse período de pandemia pode ser incorporado para melhoria do ensino.

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