Toda grande inovação não é criada de forma isolada, sem uma série de requisitos mínimos para que ela ocorra.
Cada nova invenção tecnológica requer avanços em muitas outras áreas conexas ao novo produto ou serviço, sendo que além dos avanços tecnológicos é preciso também a compreensão cultural daquele do novo, e principalmente o apelo na compreensão da necessidade dessa inovação.
Veja o exemplo dos aplicativos de compartilhamento de veículos, como Uber ou 99, quanto precisou acontecer para que eles se tornassem um sucesso.
Primeiro os fatores externos a criação, que não são méritos do inventor, não foi ele quem criou, mas ele percebeu que diante daquela condição o seu novo serviço ou produto poderia ser um sucesso.
Assim no caso desses dois aplicativos podemos colocar algumas questões externas que contribuíram para o sucesso do compartilhamento de viajem ou melhor do automóvel:
- O elevado valor das corridas de taxi, com serviços desatualizados, ou seja no geral, mundo a fora o serviço de táxi era ruim, com motoristas em grande parte mal humorados, que faziam uma corrida como se estivessem nos fazendo um favor, quase sempre ancorados em sistemas de permissão ou concessão, e com isso pouco preocupados com a avaliação do seu serviço, logo um serviço que elevasse a qualidade do serviço prestado sairia vencedor e foi o que aconteceu.
- A sobra de mão de obra, ou seja milhões de pessoas desempregadas ou com remuneração baixa, entenderam que poderiam utilizar suas horas e seus automóveis que estavam na garagem para uma nova atividade econômica. Em países de pleno emprego convencer alguém a sair do seu trabalho para trabalhar de motorista de aplicativo seria bem difícil. O Uber nesses países (com baixos índices de desemprego e com um estado social que funcione) é composta por estrangeiros e ou estudantes e aposentados para complemento de renda.
- A transformação digital, a mesma que vem eliminando profissões é uma senhor aparceira na criação de mão de obra, com profissionais cujo trabalho não oferta grandes remunerações, por isso em grandes centros os profissionais estão vindo da indústria que com a substituição do homem pela máquina no processo de automatização, perdem seu emprego. O mesmo ocorre com profissionais de escritório que vivem da burocracia do papel, na medida em que os ERPs (sistemas de gestão) das empresas vai ganhando espaço esses funcionários da burocracia vão perdendo seu mercado de trabalho.
- Maios qualidade dos automóveis, quando uma pessoa coloca seu carro para trabalhar em um aplicativo ela considera que ao contrário de três décadas atrás os carros hoje podem rodar de 300 a 400 mil quilômetros sem ofertar risco ao motor, e logo qual o sentido de manter um ativo parado na garagem se ele pode render algum dinheiro para o seu proprietário?
Esses são alguns, e não os únicos, fatores externos econômicos e culturais que impulsionaram os aplicativos de viagens (carros) compartilhados, porém a evolução tecnológica foi fundamental.
Vejamos alguns deles:
- A evolução do uso do GPS, com o compartilhamento de rotas e tráfego o que permite calcular qual o motorista mais próximo para a “corrida” e também projetar qual o valor daquela corrida considerando o trânsito naquele instante. Ao mesmo tempo que permite com segurança o monitoramento da viagem, três recursos que já estavam disponíveis para todos os táxis, mas que nunca tiveram interesse na evolução.
- Evolução nos meios de pagamento, isso permite realizar toda transação com segurança para motoristas e passageiros, o que também já estava disponível para os táxis, que também sempre foram refratários, sendo que em algumas cidades para os motoristas de táxi aceitarem cartão de crédito para o pagamento das corridas, foi necessário uma lei municipal, como no caso de São Paulo, obrigando os taxistas que eram refratários.
- Uso da Inteligência artificial no controle de despacho de serviço, definindo qual o melhor carro para a melhor corrida, e permitindo até o cálculo de previsão para novas corridas quando o motorista ainda nem terminou a anterior, o que representa melhor resultado financeiro, ou seja os motoristas dos aplicativos fazem uma quilometragem maior por dia e raramente ficam com seus carros parados, ao contrário dos motoristas de táxis em suas costumeiras rodas de conversa nos pontos de táxi, onde boa parte deles passa o dia parado, logo viajam bem menos.
Claro que o preço que em muitos casos chega a quase metade do valor de uma corrida de táxi, é a resultante do somatório desses itens, juntos e misturados e pessoas que por sua necessidade concordam em trabalhar ganhando menos por ser essa a única alternativa.
Ao mesmo tempo o vazio regulatório, na maioria dos países para esse novo desenho da economia disruptiva, fez com que esses serviços ganhassem escala, além é claro de capital abundante ofertado pelo mercado financeiro que apostou no modelo de negócio. E é claro é sempre bom lembrar que a sociedade aplaude todos serviço ou produto ofertado de forma mais barata, sem refletir muito sobre o que torna aquele serviço ou produto mais barato.
Produtos e serviços sempre estarão disputando o mesmo bolso, que sem o crescimento do PIB é sempre menor, e logo vai ganhar essa disputa quem convencer o consumidor que é melhor comprar um celular novo do que uma nova camisa, pois a concorrência será sempre pelo dinheiro, sem se importar com quem ficou no caminho, duro, triste e realista.
Ou por acaso vocês viram algum IPO de frota de táxis no mundo nos últimos 10 anos? Claro que não pois esse é um negócio ultrapassado e não existe planilha que consiga mostrar futuro para esse negócio.
Se no início o embate social era entre taxistas e motoristas de aplicativos, nesse momento caminhamos a passos largos para um novo embate, dessa vez devem se unir taxistas e motoristas de aplicativos.
Recentemente, a chinesa Baidu, isso mesmo uma empresa da China, onde desinformados e amantes das fake news acreditam ser um lugar de mão de obra barata, está autorizada a começar a cobrar dos seus usuários pelo serviço de táxi robô autônomo, com um motorista de segurança em Pequim. Destaco que esse serviço foi prestado de forma completamente gratuita com sessenta e sete veículos desde outubro de 2020,período em que mais de vinte mil usuários faziam cerca de dez viagens por mês, onde nos carros havia um motorista apenas por segurança, sem a necessidade dele intervir.
Após esses 14 meses de teste a Baidu poderá cobrar pelas corridas, lembro que há algum tempo foi possível encontrar serviços autônomos de robotaxis com um motorista de segurança em várias cidades chinesas, mas até agora, todos eles estavam livres da cobrança, pois eram exclusivamente para testes.
Nesse momento, na Rússia, nos Estados Unidos e em Israel, a Yandex também já oferece viagens com carros autônomos, apenas com motorista de segurança.
Nos Estados Unidos, a Waymo é a única que oferece um serviço já com custo para o passageiro e sem um motorista de segurança, um salto no período de testes.
O caso da Waymo é interessante: começou a oferecer serviços gratuitos com um motorista de segurança em Phoenix, já em abril de 2017, e recebeu a licença para retirar o motorista de segurança já em outubro de 2018, iniciando sua cobrança naquele mesmo mês.
Atualmente, o custo de uma viagem na Waymo é aproximadamente 10% mais caro do que a mesma viagem em um Uber ou Lyft, ou seja se cobra pela inovação e pela experiência, mas é evidente que em menos de dois anos suas viagens conseguirão ser com um valor bem mais baixo.
No caso da Baidu, a decisão de lançar o serviço ao público é realizada com um preço claramente premium, equivalente ao que é cobrado por um veículo da categoria superior em um serviço de transporte com um motorista como Didi, que tendem a ser em torno do dobro de uma viagem na categoria padrão. Considerando que na China, por enquanto, a obrigação de transportar um motorista de segurança ainda é mantida, e que a qualificação média desse motorista é geralmente considerada maior do que a de um taxista convencional, o preço parece ser um prêmio simplesmente para capitalizar a curiosidade gerada pelo serviço de condução autônoma.
Em um serviço de transporte tradicional, geralmente é calculado que cerca de 60% do custo corresponde ao motorista. Visto dessa forma, seria razoável que a transição para robôtaxis autônomo suponha uma clara redução no preço dos serviços de transporte. No entanto, a evidência para o momento é que as empresas que as oferecem tendem a elevar o preço em relação à mesma jornada em um veículo com um motorista convencional, algo que, por outro lado, ainda afeta desde o enorme custo em pesquisa e desenvolvimento necessários para criar o serviço, até a necessidade, por exemplo, de manter as pessoas, seja como motoristas de segurança, ou em modo remoto monitorando viagens e ajudando ou resolvendo as dúvidas dos passageiros em caso de necessidade.
Por outro lado, o transporte em um veículo autônomo, por enquanto, não é sem suas desvantagens: por exemplo, enquanto com um motorista humano você poderia razoavelmente negociar um ponto para terminar a viagem, no modo “deixe-me lá no canto”, com um veículo autônomo, sua viagem termina onde o aplicativo considera que ele pode deixá-lo, sem a possibilidade de qualquer negociação. Se adicionarmos detalhes como ajudar uma pessoa idosa a subir, carregar malas, etc., por enquanto, com todas as precauções envolvidas na avaliação de um serviço em um estágio tão inicial de seu desenvolvimento, o serviço completamente autônomo implica algumas limitações, mas é oferecido a um preço mais alto. Nesse primeiro momento, as empresas que oferecem esse tipo de serviços mantêm o preço artificialmente alto para evitar uma avalanche de usuários atraídos por um preço mais baixo, em uma oferta que, em geral, ainda tem caráter experimental e é oferecida com frotas geralmente muito limitadas.
O que se pode esperar no futuro, quando aspectos técnicos forem considerados razoavelmente excedidos e as necessidades de monitoramento diminuem? Experimentos com grupos selecionados de usuários durante o teste beta indicam que o efeito inovador de viajar uma viagem no modo autônomo desaparece rapidamente, e que esses usuários vêm vê-lo normalmente em um tempo surpreendentemente curto. O que acontecerá então? Podemos esperar que um preço mais alto seja mantido do que os veículos tradicionais de motorista, mesmo que o custo de operação do serviço seja consideravelmente menor? Tal posicionamento certamente precisaria ser sustentável, ou simplesmente explicável, para ser oferecido como uma maior garantia de segurança, como algo mais seguro do que um motorista humano, algo que, embora possa ser verdade, tem uma venda pelo menos complexa, especialmente nas fases iniciais de implantação em massa.
No médio prazo, é razoável pensar que o preço deve convergir para baixo de acordo com o menor custo de operação do serviço, mas isso, por outro lado, pode não ocorrer se não houver concorrência com serviços comparáveis oferecidos por outros concorrentes. Nesse cenário, os serviços tradicionais manteriam uma demanda baseada, por um lado, no medo de alguns usuários de não ver ninguém sentado ao volante, e de outro, em seu preço mais baixo, até que a transição ocorresse dependendo de outros fatores, e, sem dúvida, muito mais lentamente do que se os serviços autônomos capitalizassem suas possibilidades de elevar um preço significativamente menor.
Existem gargalos tecnológicos e jurídicos, mas esse é um caminho sem volta, restando perguntar, onde irão trabalhar os motoristas de táxis e de aplicativos desempregados?