O LUCRO É SÓ UM DETALHE NA ECONOMIA DIGITAL?

A avaliação de um negócio na bolsa leva sempre em consideração a projeção futura desse negócio, logo as tendências e riscos desse negócio sempre são considerados, pois isso deve impactar a distribuição de resultados dessa empresa para os seus acionistas (investidores), mas qual o limite e como se pode fazer essa conta?

Até que ponto as agências de risco consideram os riscos tecnológicos de um negócio para determinar o seu valor?

Qual parâmetro para fazerem negócios digitais derreterem?

Lembro que no Brasil, o mercado ainda não absorveu essa nova economia e muitas empresas têm optado por listar suas ações nos Estados Unidos, onde os investidores estão mais preparados para avaliar empresas de tecnologia. Das 95 empresas mais negociadas na B3 (Formato atual da Bolsa de São Paulo), apenas 4 são do setor de tecnologia. Ou seja em plena transformação digital o índice das ações da nossa bolsa de valores sofre muito pouca influência da nova economia, considerando as empresas que lá estão.

Qual o nível de credibilidade para investidores de longo prazo para aquisição de empresas da economia digital, considerando o seu valor na bolsa atual?

Trago um bom exemplo para o dimensionamento desse problema, pois recentemente a Verizon fez o descruzamento dos restos mortais da internet dos anos 90, a AOL e Yahoo!, que foi adquirida na época já a um preço distante do que já foi, e também do que poderia gerar de novas receitas quando da sua aquisição, mesmo que fosse potencializada com a ideia de se tornar um conglomerado de mídia dedicado à exploração da publicidade.

Depois de vender essas participações por menos da metade do que pagou por elas (US$ 4.4 bi para a AOL em 2015 e US$ 4.5bi pelo Yahoo! em 2017), a Verizon está anunciando que se concentrará no que as empresas de telecomunicações devem fazer, com foco na construção de sua rede 5G.

Os cinco bilhões que a Verizon receberá da Apollo Global Management pelo que resta dessas empresas acabarão com a pretensão de construir uma empresa de mídia que competiria com o Google ou o Facebook por publicidade. Agora, seus novos proprietários tentarão valorizar as duas marcas, sob o guarda-chuva Yahoo! e com cabeçalhos como Engadget ou TechCrunch, que ainda geram alguma tração publicitária.

Já anteriormente, a Verizon havia se afastado de empresas como a Tumblr, que vendeu a Automattic e o HuffPost, que vendeu ao BuzzFeed.

Bem em seu melhor período a AOL era avaliada pelo mercado em US$ 200 bi, que se for corrigido para os tempos atuais poderia dar a dimensão do derretimento desse que já foi o maior negócio da internet, o mesmo pode se dizer do Yahoo! Que também em seu melhor momento chegou a valer US$ 125 bi. Logo tente imaginar empresas que juntas foram vendidas por menos da centésima parte do que já valeram. O que nos leva a uma questão fundamental?

Como o mercado pode avaliar as empresas da economia digital?

Como o valor das propriedades na rede pode cair dessa forma?  Quem errou? Nada do que essas empresas falavam deixou de acontecer, afinal elas eram avaliadas pela dimensão que a internet ia tomar, e ela tomou e mesmo assim o valor dessas empresas derreteu?

Para refrescar a sua memória, nos anos 90, a Aol era sinônimo de internet para milhões de americanos. Seus discos de instalação gratuitos estavam por toda parte. Do Yahoo!, poucas coisas novas podem ser ditas: foi a página inicial de milhões de pessoas ao redor do mundo por muito tempo, a personificação da filosofia do portal, da página que tentou cobrir todas as necessidades do usuário, de notícias a e-mail, através de jogos, contatos, tempo, etc., e todos temperados com os anúncios correspondentes.

Nenhuma dessas duas empresas, símbolos de uma era inteira, tentou se livrar dessa filosofia: o conteúdo era um simples suporte à publicidade, uma maneira de fazer com que os usuários passassem mais tempo lá e vissem mais anúncios.

Quais serão então os próximos moribundos nesse desafiante e alucinado universo digital?

A transformação digital, alterando o desenho de negócios digitais é irreversível, e mesmo que a produção de bens ainda cumpra um papel importante na vida econômica, sua participação no PIB é a cada dia menor. Só para registro a participação da indústria na economia brasileira, atualmente, é de 11% do PIB. Esse número já foi próximo a 30% na década de 80.

As mudanças tecnológicas ocorrem, e o mercado é quem define se elas são úteis ou não, assim foi com a substituição do vinil por CD e agora do CD pelo MP3. Da mesma forma as locadoras de vídeo, que iniciaram com a locação de fitas, depois de CD e hoje enfrentam uma luta inglória com o NETFLIX (mesmo ela que começou sendo locadora) entre outros provedores de conteúdo on demand.

Em todas essas novas tecnologias empregos foram ceifados, mas por mais duro que isso seja ocorre a lógica do melhor e mais barato que acaba por prevalecer, por isso que em momento algum assistimos a passeata dos defensores analógicos, das viúvas do vinil ou das pensionistas das videolocadoras, porque o ser humano é pelo seu DNA um evolucionista.

Quando falamos de Economia Disruptiva, termo que vem ganhando as ruas e salas de aula em novos debates, é fundamental uma recuperação histórica do enunciado por Christensen e Bower no artigo “Disruptive Technologies: Catching the Wave”, publicado na edição Janeiro-Fevereiro de 1995 da revista Harvard Business Review, onde ficou evidenciado que a dinâmica disruptiva interrompe o processo evolutivo de um produto ou serviço. Ela se opõe à inovação sustentadora, que é mais comum, oferece maior qualidade ou funcionalidade adicional e pode ser incremental ou revolucionária. A inovação disruptiva pode até não atender às necessidades do público atual tão bem, mas é, em geral, mais simples, mais conveniente e mais barata, sendo por isso capaz de entrar rapidamente na vida de expressivo número de indivíduos e, portanto, de ampliar o público atendido.

No universo dos negócios, gerar resultado é fundamental, seja ele digital ou não, mas é evidente que a paciência de analistas e investidores nitidamente é maior quando o negócio é digital.

Vejamos o caso do WhatsApp, com cerca de 2 bilhões de usuário, e que vem se tornando o sistema de comunicação preferido, por pessoas e empresas, e em que pese todos esses números não consegue trabalhar com resultados positivos.

Da mesma forma, ocorre no Twitter, onde Jack Dorsey, seu fundador, foi removido de sua posição executiva entre 2008 e 2015, quando os benefícios esperados não se curvaram e Dorsey dividiu seu tempo entre várias atividades alternativas à rede social. Agora, ele acaba de deixar a empresa que, com uma capitalização de mercado de US$37,6, tendo perdido cerca de 10% de seu valor desde o início do ano, após acumular três trimestres de perdas no total de 403 milhões de dólares.

Agora tudo o que resta é que tais avanços encontrem um modelo de negócio que os torne rentáveis. O que não parece simples. Quando há seis anos o WhatsApp decidiu exigir o pagamento de 89 centavos por ano pelo uso do aplicativo, algo que quase ninguém cumpriu, muitos cancelaram a inscrição e mudaram para outros aplicativos, como a Linha Japonesa então ou o Messenger. A coleta de dados, de nossos dados, é o que explica por que esses serviços ainda estão abertos; mas mesmo assim eles não alcançaram rentabilidade. Agora o Facebook tem várias opções para tornar seu aplicativo rentável, além do WhatsApp Business, como publicidade ou prestação de serviços pagos. Mas enquanto houver alternativas no mercado cobrar do usuário parece complicado. Claro, vamos esperar que eles encontrem o modelo porque seria uma perda não poder contar com aplicações tão úteis.

Na economia digital, muitas são as empresas que tal qual um foguete, desenham a sua trajetória, outras fazem da sua caminhada uma verdadeira montanha russa, com fortes emoções, mas não pense que muito dinheiro nesse segmento representa sucesso absoluto, que o dia a Grow de bikes e patinetes compartilhados que no final de julho entrou com seu pedido de recuperação judicial. Segundo trabalho publicado pela Fundação Dom Cabral, 75% das Startups deixam de existir em até 13 anos, uma média não muito diferente das empresas da nossa velha economia.

No caso da Grow, uma resultante da fusão entre a Yellow e a Grin, a empresa que recebeu investimentos que somados beiram R$1 bi pode ser o claro exemplo de que apenas dinheiro e uma ótima perspectiva não são suficientes, ou alguém desconfia do potencial do mercado de compartilhamento de bikes e patinetes?

O que leva uma startup que já foi avaliada em cerca de R$3,7bi. a entrar em recuperação judicial 18 meses após ser apontada como um novo unicórnio?

Se o ano de 2019, antes da fusão com a mexicana Grin, e quando ainda se chamava Yellow iniciou com a expansão da operação para as praças do Chile, Uruguai, Argentina, Colômbia e México, as tempestades que viriam pela frente não apareciam no radar de muitos profissionais experientes.

A expansão fez parte da estratégia logo após a empresa receber uma rodada de investimentos avaliada em US$ 63 milhões, totalizando somente na época US$ 75 milhões desde quando foi criada. Com sócios experientes na sua fundação como fundadores da 99, primeiro unicórnio brasileiro, Ariel Lambrecht e Renato Freitas e com o ex-presidente da Caloi Eduardo Musa, ou seja sócios experientes que entendiam de mobilidade e de startups.

Logo em seguida saiu a fusão com a Grin, que também já era originária de outra fusão, entre startups de patinetes elétricos Ride (brasileira) e Grin (mexicana). Essa fusão já era resultado de um aporte de US$ 45 milhões recebidos pela Grin em uma rodada série A, cujo objetivo principal era expansão em regiões estratégicas, como a América Latina. Já a Ride surgiu como uma aposta de três sócios brasileiros que acompanharam o crescimento das startups de mobilidade em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Com a fusão em janeiro de 2019 entre a Grin e Yellow a empresa, começou a se chamar Grow. As duas combinadas tinham cerca de 135 mil veículos e mais de 1,1 mil funcionários em seis países e como resultado da fusão a sociedade passou a ser comandada por Sergio Romo, cofundador da Grin.

Em número, para concretizar o negócio, as duas empresas levantaram US$ 150 milhões em investimentos com os fundos, isso porque ao todo já tinham recebido aportes nas companhias juntas de US$ 145 milhões de seus investidores.

A fusão tinha como propósito ter maior musculatura para concorrer com a possível chegada de rivais americanas ao mercado brasileiro de mobilidade (Uber’Lime). O controle da operação ficou na mão da, Grin, que teve na época, pelo controle acionário direito a duas cadeiras no conselho. Na época da fusão, Eduardo Musa, ex-presidente da Caloi deixou a operação.

Enquanto as operações no Brasil caminhavam bem, lá fora, operações similares noticiavam seus primeiros prejuízos. A gigante dos patinetes Lime, caminhava para um registro de prejuízo de cerca de US$ 300 milhões no ano, isso para quem tinha uma receita de US$ 420 milhões, dando mostras do pouco zelo com o dinheiro do investidor. O ano de 2020 começou e iniciaram os cortes na Grow, reduzindo a oferta do seu serviço em cerca de 14 cidades além de interromper o serviço de bicicletas. Junto com essa redução iniciaram as demissões, como já se esperava

O aporte esperado pelo SoftBank não veio, e a empresa iniciava agora o seu calvário. Caso ocorre-se o aporte, a empresa estaria valendo cerca de US$ 700 milhões.

Outro fator foi o elevado custo de manutenção, visto que todos os itens eram importados. As bikes sofreram com o mesmo problema, com o agravante de que sua margem de lucro era bem mais baixa, logo é muito provável que o serviço de locação de bike não volte. Por último a falta de um marco regulatório para todo Brasil, e não um para cada cidade, e por conta disso muitas cidades proibiram a operação.

Tudo, parecia ser a crônica de uma morte anunciada. E logo nada é tão ruim que não possa piorar, e assim veio a Pandemia que colocou uma pá de cal no negócio. Com a queda metade de todos os colaboradores foram demitidos.

Outras tentativas de sobrevivência vinham sendo feitas, como o aluguel mensal de patinetes considerando a grande sobra do número deles no seu estoque, entre as inúmeras reduções de pessoas e de área locada

A última cartada foi dada no final do mês de julho, quando entraram com pedido de recuperação na 1.ª Vara de Falências da Justiça de São Paulo. As dívidas apresentadas somam cerca de R$ 40 milhões.

Dívidas e investimentos de quase R$1 bilhão em investimentos, que estão virando pó, e que só reforçam a necessidade de maior rigor na condução das startups, e que investidores no Brasil não aceitam prejuízo por muito tempo.

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