O DIREITO AO SONO E OS NOSSOS CELULARES

Qual o limite de uso saudável desses aparelhos? Quem nos protege do uso descontrolado deles?

Uma das tendências da economia moderna é converter tudo ou quase tudo para as telas dos nossos celulares, e logo na palma da nossa mão desfilam todos os tipos de “utilidades”, das redes sociais aos aplicativos de bandos e de notícias, tudo minuciosamente estudado para retenção da nossa atenção.

Para esse artigo, vamos nos deter apenas no grande ladrão do nosso tempo (nossa atenção), as redes sociais. Nesse momento, quantos aplicativos de redes sociais estão instalados no seu celular? Quantas dessas redes você acessa diariamente? E se você for em seu celular no tempo de uso, quantas horas semanais do seu tempo você dedica as redes sociais? Certamente o menor levantamento de horas que você apure vai lhe deixar chocado, pelo tempo que a maioria das pessoas se dedica a elas.

Quando as primeiras redes sociais surgiram, seja por sua limitação ou pela pouca atratividade como no caso do Orkut se desenhava ali um novo modelo de economia na disputa pela sua atenção.

Uma economia que vive notadamente do seu tempo e dos seus dados, e que não poupa esforços na disputa por esse cada vez mais escasso ativo, o tempo. Logo o regramento jurídico deve evoluir para essas relações, que se alimentam corporativamente do nosso tempo para captura dos nossos dados, de onde se extrai não apenas quem somos, mas as nossas preferências, gostos e predileções, tudo com o objetivo de interferir nessas escolhas dentro da sua lógica corporativa.

Não existe pecado em vender um produto ou serviço, não existe transgressão moral ou legal nesse esforço, porém a forma de fazê-lo é que precisa ter limites, para que a transparência e a ética estejam presentes nessa relação.

A história dos homens é também a história dos seus símbolos comunicacionais, e logo muitos gestos falam mais do que muitas palavras, o que dizer do casal que em um restaurante a luz de velas, escolha o celular como diálogo e frente a frente pouco se falam, apenas registram curtidas e likes em seus celulares.

A sociedade da desatenção e nossos vícios milimetricamente estudados para o uso das nossas telas de celulares vem gerando a cada dia um distanciamento maior daqueles que estão do nosso lado. A minha crítica ao uso das redes sociais nunca é sobre o que entendemos ser relevante publicar, mas o tempo que resolvemos usar para ver, não é sobre escolhas, mas sim sobre o tempo e atenção que damos aos que estão longe e a desatenção para os que estão próximos. O que me lembra de Shakespeare “Há certas horas, em que não precisamos de um amor, não precisamos da paixão desmedida, não queremos beijo na boca e nem corpos a se encontrar na maciez de uma cama. Há certas horas, que só queremos a mão no ombro, o abraço apertado ou mesmo o estar ali, quietinho, ao lado, sem nada dizer…

É dessa proximidade que nossos celulares nos afastam, onde curtimos, e nos esquecemos de ligar e de perguntar como vai você? Segundo um trabalho publicado na Sleep Epidemiology, viciados em mídias sociais sofrem muito. Um novo estudo, feito por cientistas da USP e da Unifesp, 65,5% dos brasileiros relatam problemas relacionados ao sono.

As mulheres são as mais afetadas: respondem por um terço dos casos, um dado recorrente em outros estudos nacionais e internacionais. Sofrem também os aficionados em mídias sociais, que não conseguem deixar de lado os smartphones nem na hora de ir para a cama.

O novo trabalho, revelou ainda algo pouco comum: um aumento dos problemas de sono entre homens jovens, o que costuma ser raro.

Os chamados transtornos do sono são, basicamente, apneia, síndrome das pernas inquietas, narcolepsia e, o mais comum de todos, insônia. Mas as pessoas podem ter um sono ruim por vários outros fatores.

São vários os fatores que contribuem para isso, como estilo de vida, problemas financeiros, dificuldades de agenda, insegurança, ansiedade, depressão, obesidade, conectividade excessiva, explica.

O trabalho mostrou que os fatores mais citados como responsáveis pela qualidade ruim do sono são: o diagnóstico de insônia, o uso de mídias interativas pouco antes de dormir e a ausência do parceiro na mesma cama. Isso mesmo: os brasileiros dormem pior quando não estão acompanhados.

O sono é fundamental para a saúde física, o bem-estar, a performance cognitiva e o funcionamento diário mais básico. Pessoas que não dormem bem têm mais tendência a apresentar problemas cardiovasculares e obesidade.

O tempo esse ativo intangível, um presente de nossa existência terrena, que precisa ser ressignificado. O tempo é igualmente dividido de forma cartesiana para você ou para o seu vizinho, o valor dele sempre será na escolha das suas atenções, ou das suas desatenções.

Por isso nasce a importância do controle do tempo que dedicamos as redes sociais e outros usos que fazemos de celulares, tablets e outros dispositivos, que são consumidores vorazes das nossas preciosas horas, minutos e segundos, de onde trocamos o olhar de amados, de paisagens e memórias afetivas para saber o que o distante amigo digital resolveu almoçar no dia de domingo, em qual praia foi ou qual vinho escolheu para beber. A vida é o caminhar das escolhas e da valoração dessa comoditie chamada tempo.

Segundo uma pesquisa realizada em janeiro de 2021 pela agência We are Social e pela plataforma Hootsuite, no ranking de tempo de uso da internet em dispositivos diversos, o Brasil está em segundo lugar,. Com 10h08 de uso diário, em média, só perdemos para as Filipinas neste levantamento feito com pessoas de 16 a 54 anos, sendo que a média global são 6h54 diárias. Já na pesquisa da Kantar Ibope Media, divulgada em março, 69% das pessoas que acessaram a internet por dispositivos móveis afirmaram não viver sem ela no celular.

O tempo dispendido, em muitos casos gera dependência e dependentes patológicos manifestam sintomas de ansiedade, angústia e nervosismo, como suor e tremores, quando percebem que estão impossibilitados de usar a tecnologia e necessitam de tratamento com medicamentos e terapias. Logo quanto mais tempo nesse universo digital, mais distante nos colocamos no plano físico, a assepsia das relações digitais ergue um muro no mundo real com relações cada vez mais distantes e mais vazias, onde curtidas são confundidas com aceitação e comentários com concordância, alimentando sua bolha.

A educação digital, como instrumento de saúde pública deveria ser estendido para controle dos aparelhos e limitações de tempos de uso para muitos aplicativos, como jogos por exemplo, pois crianças hoje consomem horas do seu dia em jogos sem qualquer controle.

A saúde e o bem estar são valores da nossa Magna Carta, e as novas tecnologias exigem um aperfeiçoamento dos nossos diplomas normativos, em nome da vida desgrudada das telas que sugam nosso tempo e a nossa saúde.

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 08 de Novembro de 2022).

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