O AMOR EM TEMPOS DIGITAIS

A transformação digital mudou a forma de amarmos? Quantas curtidas você precisa da pessoa amada? Qual o comentário que ele deixou de fazer no seu último post? Quem pode curtir às publicações da sua pessoa amada? Toda curtida nas publicações dela representam uma ameaça à sua relação? Qual a intervenção digital pode representar maior risco ao seu relacionamento?

As redes sociais sempre são um objeto da minha curiosidade, como estudioso da transformação digital, e é isso que procuro nos artigos do site www.futuropresente.net , entender o que mudou, o que muda e o que ainda pode mudar.

O que se percebe é que com o tempo, mudaram as nossas fotos, a forma de contar a nossa história e a forma de vermos o tempo. Ainda que a métrica do tempo continua sendo a mesma, afinal após 60 segundos chegamos a um minuto, mas a angústia da era digital faz com que a nossa relação com ele seja de absurda escravidão, logo cobramos tudo bem mais rápido e ficamos impacientes uns com os outros.

E logo uma curtida de um ou de outro, parece fuzilar a relação construída em milhares de minutos de entregas e cumplicidade de corpo e alma.

Tudo nesse novo universo parece diminuir a entrega física, em prol da comunicação digital, e logo as caminhadas compartilhadas, cafés compartilhados e todos os minutos da entrega de amantes parece se desmanchar nas suspeitas de uma publicação, de uma curtida ou de uma não curtida.

As questões acima refletem a pobreza do mundo atual que tenta desenhar sua vida e seu valores através da profundidade das redes sociais, como se você fosse apenas o que publica, curte ou compartilha.

Sabemos que são muitos os motivos que nos levam a entrar em redes sociais, solidão, reconhecimento, divulgação do trabalho profissional, não importa os motivos, mas sim o uso que você faz dela.

Afinal qual o significado de cada publicação? O que cada publicação pode dizer de você? Se está disponível? Se está feliz e fazendo a vida seguir após o término? Se está magoado e não consegue ultrapassar a mágoa? Se comprou uma nova roupa e expô-la em rede social lhe faz bem? Não importa as razões e as não razões, o universo interpretativo dos nossos gestos em redes sociais é certamente mais amplo do que possa imaginar o mais criativo dos escritores.

Tudo pode ir muito além do realismo fantástico de Gabriel García Márquez, onde a profusão se signos, significados e significação não encontram limites.

Fazemos parte das redes sociais, quase sempre por puro prazer, ainda que para alguns seja uma tortura, e quem disse que não há prazer na dor?

Por vezes ficamos distante delas, outras vezes entramos para registro e ficamos lá em silêncio, observando o filme que passa na nossa timeline, afinal o silêncio, nem sempre é consentimento, pode ser apenas proteção de tanto ruído.

Alimentados pelo escrutínio das redes sociais, esquecemos dos valores compartilhados, da forma de ver o mundo e de tudo que nos torna cúmplices.

Em maior ou menor grau, as novas gerações são amplamente tocadas por novos padrões relacionais, e logo o edifício da insegurança dá espaço a edificação da liquidez, onde muitos dos declarados maiores amores de nossas vidas, são incapazes de compreender as fragilidades do outro, ou de se deixar dominar por um padrão estético feito para os aplicativos de atenção. Como se a simples curtida fosse efemeramente um sinal de afeto ou concordância?

Logo, dentro desse padrão estético relacional, acabamos por compartilhar o que não lemos e assim aceitamos a sedução do conteúdo e da imagem como verdade, pois ela nos conforta no momento de angústia, nos iludindo com o que eu chamo de curtidas protocolares, o que antigamente poderia ser resumido na frase: “rir pra não perder o amigo”.

Nesse mundo cada dia mais digital, ver e encontrar quem amamos será sempre uma necessidade e não importa o que as curtidas ou comentários das esdrúxulas redes sociais digam, é preciso querer mais do que um post ou uma fotografia.

Pode o tempo passar, podem as formas de se ver e se encontrar mudarem, mas o carinho sempre encontra um jeito especial, franco e próprio de ser, seja dando liberdade que encontre no respeito mútuo o seu desenho. A diferença sempre será um diálogo, seja ele analógico ou digital, onde a opressão não tem lugar, apenas o carinho e o respeito.

No fundo entre idas e vindas, entre tantas postagens e redes sociais procuramos nelas um espaço de paz, nessa que é a nossa maior carência, a paz de espírito, pois celulares não podem ser a prisões, e os outros não se resumem ao que postam, publicam ou compartilham.

O tatear da tela de um celular ou tablet, jamais vai substituir o ímpeto em percorrer a geografia humana com os dedos e mentes dos apaixonados, que buscam em cada trajeto escolhido, a entrega sublime, e que vá além desse universo digital ditado pela fria escolha de algoritmos.

Gosto dessa fotografia, pois no fundo o amor é como um céu, não existe limite nele, e mesmo que nuvens possam estar refletidas na foto ou na fachada do edifício, elas sempre são passageiras, e com calma, discretamente, encontramos em meio a paisagem movente, o amor que queremos, assim como céu, longe até onde nossa vista possa alcançar.

Em tempos digitais, o amor não muda, apenas permitimos que a tecnologia, seus benefícios e malefícios nos toquem em maior ou menor grau, pois o que vale é o que carregamos no escaninho da alma e na tensa e quente memória da pele, onde não existe limite pra recordar, o toque, o cheiro e o sorriso impossíveis de serem captados nas frias páginas das redes sociais.

Onde eu errei? Onde erramos? Poderia ter evitado? Tudo isso me leva a uma única conclusão: Não existe uma fórmula perfeita para as relações darem certo, mas com certeza a pressa, o atropelar de etapas o aprisionamento estético e conceitual, ditado pelos padrões das redes sociais é o melhor caminho para o fracasso.

Não importa o tempo ou a forma, não importa se longe ou perto, se estamos juntos ou distantes um do outro, o que importa é que indiferente de ser digital ou analógico você, lembrar que não existe trauma na vida que não nos faça mudar, basta querermos. Digitais ou analógicos, sempre distantes da fogueira das redes sociais.

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