NETFLIX, SÉRIES E A LÓGICA NA ECONOMIA DA DESATENÇÃO

Na disputa pela sua atenção, na “economia da desatenção” plataformas de streaming como a Netflix, líder desse segmento utilizam as séries para criar o hábito em suas plataformas, mas considerando o elevado número de séries que são descontinuadas, uma pergunta surge: Qual a razão da Netflix cancelar tantas séries mesmo quando elas fazem sucesso?

Me dedico hoje aos canais de streaming nesse artigo, e aqui de forma mais atenta a Netflix, pela importância que as plataformas de streaming adquiriam em nossas rotinas, de forma avassaladora, com conteúdos customizados, ao gosto de cada um, as plataformas atingiram diversos setores do entretenimento e da economia organizada na medida que como negócio tocam no mesmo lugar do consumidor, seu bolso, logo na atual sociedade, como em toda história, todos os negócios concorrem sempre pelo bolso do consumidor, e logo plataformas de streaming concorrem com outras plataformas, seja elas de música ou de filmes, mas concorrem também com a Tv aberta, tv fechada, cinema, plataformas de streaming de música, You Tube e tudo que dentro da lógica da “economia de atenção” que eu chamo de economia da desatenção disputam seu tempo e seu bolso.

Recentemente lendo um artigo do jornal espanhol Expansion, de Anna Nicolaou me deparei com a mesma reflexão, sobre a lógica da continuidade e da descontinuidade das séries nas plataformas.

As séries geram hábitos tais quais as novelas, com a vantagem que escolhemos o horário e o ritmo que queremos ver, e por isso quando termina uma temporada de uma boa série ficamos no aguardo da sua continuação, e logo vem a frustração quando essas plataformas decidem descontinuar séries que julgamos interessantes, mas qual a razão dessa decisão dentro da lógica de retenção da sua atenção?

 Nos últimos anos, a reputação da Netflix em Hollywood tem oscilado entre “uma máquina de fazer dinheiro que distribui cheques para quase qualquer coisa” e “um algoritmo implacável que cancela shows à vontade”. Houve indignação com o cancelamento repentino de séries populares como Tuca & Bertie, aparentemente sem qualquer explicação.

A vítima mais recente foi The Nanny Club, uma série inspirada em livros dos anos 90 sobre garotas pré-adolescentes que vivem fora de Connecticut. A série, que estreou na Netflix no ano passado, parecia ter todos os componentes para ser perfeito: nostalgia para os anos 90, um elenco jovem e talentoso, e histórias edificantes girando em torno da amizade feminina. Na verdade, foi uma das séries mais bem avaliadas da história da Netflix.

O criador da série, que trabalhou com a Netflix por vários anos, ficou totalmente intrigado com a decisão de cancelá-la após duas temporadas. “Eu não sei o que eles querem que eles não conseguiram. Os dados pareciam bons. “Tenho a sensação de que as prioridades internas da Netflix mudam de mês para mês. Algo que há três meses estava bom, de repente não é o que eles precisam”, lamentou. Essa lógica é sempre intrigantes, afinal a decisão é sempre pautada nos estudos internos dessas plataformas.

Ao que parece a Netflix toma decisões de renovação contrastando dados como o número de espectadores e custos, ou seja investimento versus resultado. Logo dentro dessa lógica, séries produzidas foram tem um custo maior do que as produções próprias, esse é o caso de “The Nanny Club” que foi produzida por um estúdio externo e não pela Netflix.

A tese de que a Netflix está menos interessada em renovar séries americanas, para ser global, também não se sustenta, pois em 2021, a Netflix estreou 184 temporadas nos EUA e cancelou apenas 20; também estreou 149 temporadas fora dos EUA e cancelou 21.

No passado, havia fatos claros sobre o sucesso do entretenimento. Um filme vendeu um certo número de ingressos na bilheteria. Um programa de TV foi assistido por um certo número de pessoas, de acordo com dados coletados pela Nielsen. Todos sabiam quando algo era um sucesso ou um fracasso.

Porém o streaming removeu esses critérios, e mesmo que a Netflix tenha começado a publicar alguns números de audiência, ela está limitada ao conteúdo mais popular. A Netflix não vende publicidade e não tem incentivo financeiro para publicar seus dados. Então, a única maneira de saber o que tem sido um fracasso para a plataforma é por causa do conteúdo que ela decide cancelar.

A Netflix cancela mais séries do que outros estúdios. No ano passado, cancelou 11% de suas séries de TV nos EUA, enquanto a Disney e a WarnerMedia cancelaram 9%, a NBCUniversal 8% e a ViacomCBS apenas 4%, de acordo com a Ampere.

Talvez a melhor maneira de aprender sobre a estratégia da Netflix seja encontrada em uma carta a um comitê da Câmara dos Lordes no Reino Unido. Na carta, a empresa explicou que se concentrou em pessoas assistindo uma série inteira nos primeiros 28 dias após sua estreia, o que provavelmente colocaria séries mais lentas em desvantagem. Ou simplesmente colocar: Netflix recompensa séries que são vistas de uma só vez, por isso é cada vez maior o número de séries com 4 a 8 capítulos.

Enquanto Hulu e HBO Max têm lançado episódios progressivamente ao longo do tempo, a Netflix tem priorizado sua estratégia de assistir a série de uma só vez. A maioria das séries da Netflix duram duas ou três temporadas, e a prioridade para a empresa é adicionar e reter assinantes, não vender publicidade. Uma nova série é provavelmente uma maneira melhor de encontrar novos assinantes do que uma que já esteve no mercado.

Tudo isso dá à plataforma uma natureza efêmera. Uma série da Netflix pode ser popular por alguns dias ou uma semana, pois é rapidamente substituída pela próxima estreia. Esses detalhes podem parecer triviais em um nível individual, mas com centenas de séries por ano, a Netflix tornou-se a maior agente de comissão de TV do mundo.

Sendo a maior ela é sempre objeto de estudos, e logo todos sempre ficam atentos para entender sua estratégia.

Não é de hoje que o uso de dados serve de alicerce para o planejamento e ação da Netflix e o tempo provou como essa estratégia lhe deu uma clara vantagem sobre estúdios tradicionais que tomaram decisões baseadas no “feeling” de um gerente. Os números da plataforma e seu resultado comercial nos dão evidências tangíveis sobre o resultado dessa estratégia:

Alguns personagens da indústria cinematográfica tradicional certamente não ficarão muito felizes com o enorme sucesso da empresa, já se tornando um líder da indústria indubitável. Uma liderança baseada na implementação de uma estratégia completamente diferente da de outros concorrentes, que alguns já estão tentando imitar abertamente e que se baseia em duas questões fundamentais: a análise de dados já comentada, ou big data e apostas de longo prazo.

O uso dessa estratégia começou desde quando já enviava seus DVDs por correio, mas dos quais estava totalmente ciente quando começou a usar o streaming como meio de envio. Um canal que oferece não apenas uma capilaridade muito superior aos outros, mas um feedback quase que instantâneo, e acima de tudo, diferencialmente superior ao que um estudo tradicional é capaz de obter. Os dados de bilheteria podem ser interessantes, mas por mais que sejam esmiuçados, eles não são capazes de nos oferecer o nível de detalhe que temos na rede, com usuários que votam em tempo real com os cliques de seu mouse ou controle remoto. Tente imaginar que além de saber sobre as suas preferências, eles sabem também sobre seus hábitos, sua audiência instantânea, permite saber por exemplo em que momento você para a exibição e quanto tempo depois volta, qual a sua rotina? Quais são as séries mais exibidas e seus horários preferenciais, e dessa maneira organizar seu cardápio de forma distinta de acordo com a hora? Melhorando assim a sua experiência de consumidor”? A ideia da Netflix, por mais que Steven Spielberg pretendesse considerá-los parte de uma “liga menor” por essencialmente usar televisão em frente à tela grande, não é dominar o conteúdo televisivo, mas dominar o conteúdo, o que ganhou uma força extra em tempos de pandemia, que deve apenas consolidar o canal na liderança da nova forma distribuição.

É óbvio que big data, em qualquer caso, não tem poderes mágicos, pois segundo os próprios gestores da Netflix, os dados obtidos desempenham, na tomada de decisões sobre a produção, um papel sempre condicionado ao da direção artística e é quando as oportunidades de assinaturas, contratos ou desenvolvimento e ideias relacionadas à produção de um filme ou série foram decididas a partir desse ponto de vista com um peso de cerca de 70%, quando a análise de dados entra em jogo, 30% da decisão geralmente relacionada ao volume de recursos que serão colocados no topo da tabela.

É evidente que como muitos destacam, a escolha do conteúdo e o trabalho com a comunidade criativa é uma função muito humana, os dados não ajudam nesse processo, eles ajudam você a avaliar o seu investimento.

O avançar de recursos tecnológicos só deve reforçar a competitividade dos canais de streaming, sensores ligados aos aparelhos vão alimentar ainda mais esse big data, e é claro em um confronto direto com a proteção dos seus dados e da sua privacidade.

De qualquer forma em que pese a neutralidade da rede, por nós sempre defendida, uma estrutura de distribuição imbatível, e acesso a conteúdo de todo mundo, dá a eles uma vantagem competitiva significativa diante das velhas mídias, que ficam com um indigesto dever de casa, como se reinventar diante desse mundo novo?

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