Pais corujas, que procuram em qualquer gesto e fato do seu filho um traço de genialidade não é algo absolutamente novo, afinal nosso amor por nossos adoráveis rebentos tem quase sempre por hábito, a capacidade de catalisar e ver em qualquer feito, realizado por nossos amores algo como extraordinário, se esquecendo que determinados feitos são resultado dos avanços do tempo.
Nesse momento se espalham escolas que ensinam crianças de 5 a 17 anos a programar, de olho é claro na alta demanda por profissionais de tecnologia no mercado de trabalho.
Com isso, aulas de programação para crianças e adolescentes têm se tornado a nova escolinha de natação ou de inglês no Brasil. O mercado tem propostas diversas e é disputado por empreendimentos como Madcode, Futura Code, Supergeeks e Código Kid, que focam nessas crianças e adolescentes.
De forma lúdica, muitas usam jogos já existentes, como Minecraft, para ensinar e incentivam, inclusive, a criação de conteúdo para o Youtube, normalmente quem busca esse tipo de formação infantojuvenil tem em mente a importância não só das habilidades técnicas, mas também comportamentais.
O grande desafio nessa etapa é adequar as expectativas e também as cobranças que despejamos nas costas dessas crianças.
E logo adianta, não seu filho e o meu não são gênios, por sinal um levantamento recente calcula que no Brasil entre 210 milhões de pessoas, menos de 24.000 crianças poderiam serem consideradas superdotadas, pense nesse número isso é 0,00114% ou seja uma fração muito pequena de “gênios”, logo são pequenas as possibilidades dos nossos filhos estarem dentro desse percentual.
O fato do seu filho manejar um tablet ou um celular com habilidades que você e eu estamos tão distantes, não faz desses rebentos novos gênios, eles apenas já nascem com mais acesso a esses dispositivos, eles seus irmãos, seus primos e todos os amiguinhos da escola, ou seja muitas das habilidades que ele tem você já mais vai ter, o contrário também é verdadeiro, acredite, muitas das suas habilidades ele jamais terá, por mero exercício cultural dos distintos tempos.
Imaginar que você tivesse aulas de programação de computador, quando tinha apenas 07 anos de idade em 1977, seria apenas um exercício ficcional, afinal não havia internet disponível, não havia tablets, celulares, os computadores eram restritos ao ambiente corporativo e só para grandes empresas e logo seria apenas um exercício ficcional.
Logo se nossos filhos não são gênios o que são? E o que é ser inteligente então nos dias de hoje?
Afinal as notas e avaliações escolares são suficientes pra isso? Embora as crianças aprendam de maneiras diferentes, em ritmos diferentes, priorizamos certas funções cognitivas e damos grande ênfase à obediência, à quietude e à capacidade de prestar certos tipos de atenção, o que implica em encarcerar nossos filhos em um modelo único, e logo no meio do caminho desse processo acumulamos frustrações de todos os lados.
Para muitos, e por muito tempo ser “inteligente” significava ser bom nas coisas que a maioria das escolas nos diz que são importantes: ler e escrever bem, entender matemática, terminar os testes rapidamente, e logo estar por essa régua fora desses padrões implica em frustações, o que é por certo uma crueldade.
Imagino a aflição dos pais no desfile comparativo de notas e conquistas que as redes sociais exteriorizam, aumentando ainda mais o conjunto de instrumentos de tortura, que vai da sala de aula para as páginas das fotos “instagráveis” que pais vaidosos divulgam de forma garbosa, no velho estilo “meu filho meu mundo” ou nos adesivos de carro de pais que orgulhosamente divulgam “Renata à bordo”.
É inegável que muitos de nós sofremos com uma tensão dolorosa: vejo o brilho dos meus filhos, mas também sei que sua luz não consegue brilhar dentro de um sistema educacional que mede a “inteligência” de um jeito muito diferente? E logo acreditamos também que eles podem estar sendo injustiçados, se esquecendo que o mundo não é justo e que a nossa parcela desse desafio de caminhada é e sempre será trabalhar por um mundo mais justo para todos e não apenas para os nossos filhos, pois o nome da justiça para o nosso umbigo é outro, também conhecido como “privilégios”.
Muitos autores entendem que a interrupção educacional da pandemia de coronavírus foi um lembrete de que “inteligente” passou a representar uma ideia achatada e muito desumanizada, e de que nossos filhos são muito mais que isso.
De fato as, escolas são organizadas de maneiras que podem funcionar bem para alguns e não tão bem para outros. Muitas esperam que as crianças trabalhem em um ritmo e em uma ordem definida pelos adultos, mesmo que isso não funcione para o desenvolvimento delas.
Várias pessoas se lembram da escola como um lugar que nos diziam todas as maneiras pelas quais ficamos aquém das expectativas, em vez de ser um lugar onde nos concentramos em nossos pontos fortes e construímos a partir deles.
Nossos pequenos “gênios” precisam sim de uma habilidade social, que vai além dos avatares digitais em que eles acreditam ser em seus games, mas em um compartilhamento missionário onde um sol brilhe para todos.
A realidade social, que eles vão encontrar é dura, bem mais que um pito ou um castigo, pois os números nem sempre serão um gesto de carinho, mas um desafio transformador. Nesse momento com 12 milhões de pessoas em busca de ganha-pão, muitas crianças sentem o reflexo, seja na violência e insegurança que cresce nos lares ou na redução de perspectiva de avanço, onde a meritocracia de discurso, nunca sai dos livros e vem bater na porta ofertando um novo emprego, ou uma vaga em uma escola que lhe de condições de competir em um universo injusto.
Lembro, que a maior parte das condições do mercado de trabalho continuou muito ruim para dezenas de milhões de pessoas, segundo o IBGE, a taxa de subutilização permaneceu muito alta: 23,9% da força de trabalho. Esse contingente, formado por 27,8 milhões de indivíduos, inclui desempregados, desalentados, subocupados por insuficiência de horas de trabalho e aqueles capazes de trabalhar, mas ainda fora do mercado. Os números são menores que os de um ano antes, mas ainda compõem um desastre econômico e social.
A projeção mais otimista, a do Ministério da Economia, indica para 2022 um crescimento econômico de 1,5%. Outros entes federais são mais contidos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,1%. O Banco Central (BC) estima um avanço de 1%. Isso é o dobro da mediana das projeções do mercado, de acordo com a pesquisa Focus.
Sem essa melhoria social, nem gênio consegue vencer na vida, e logo as bolhas das redes sociais não serão suficiente para proteger as crianças de hoje futuros adultos de amanha.
Sim é preciso ressignificar a inteligência, e o conceito dessa inteligência, que passa por demonstrar o nível de ignorância dos nossos jovens atualmente, a incerteza do saber precisa ser o combustível na busca do conhecimento.
Para Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens, lembra algo importante nesse novo momento: “Não fale da história como se ela pertencesse ao passado. Comece pelos problemas que enfrentamos hoje. E prefira soltar perguntas a fazer grandes explicações”, Harari, está lançando uma série juvenil Unstoppable Us, sobre como os humanos dominaram a Terra, que terá quatro volumes e no Brasil vai se chamar Implacáveis.
Este é um livro que conta a história dos humanos desde os tempos em que éramos apenas macacos vivendo na savana e segue até o tempo em que nos tornamos quase deuses por voarmos em aviões e espaçonaves.
Harari destaca que “Somos prisioneiros da história inventada pelos mortos do passado que ainda dominam nossa vida”. Para ele, a questão de aprender história não tem a ver com lembrar o passado, mas sim nos libertarmos dele. Não podemos mudar o passado. Mas podemos nos libertar dele para podermos criar um futuro melhor.”
Ainda sobre a questão política, Harari diz que uma pequena elite domina tudo e usa seu poder para dissolver a confiança entre as pessoas. “Quando as pessoas não confiam umas nas outras, elas não conseguem se organizar e não se unem contra nada nem ninguém, incluindo os ditadores.”
A História é, em sua opinião, chata quando focada no passado. “O jeito de transformá-la em algo interessante é começar pelos problemas que enfrentamos hoje. Podemos começar por uma conversa sobre bullying para chegar aos ditadores, ou colocar a pergunta ‘por que temos que ir para escola?’ para voltarmos à Idade Média.”
Num mundo onde torturadores são homenageados por presidentes de plantão, como educar nossos filhos e explicar direitos humanos a esses nossos pequenos “gênios”?
A curiosidade do saber, o não aceite das respostas fáceis do google é um grande passo para ressignificar a inteligência, pois se não criarmos gênios ao menos nos dediquemos ao propósito que criamos novos cidadãos que saibam respeitar as diferenças e que carreguem consigo os valores do humanismo.