METAVERSO E OS PERIGOS DE UMA TERRA SEM LEI

Toda nova tecnologia exige um repensar regulatório, e isso não tem e não deve ter o propósito de criar dificuldade para o desenvolvimento dela, mas evitar prejuízos irreparáveis as pessoas, por falta de uma regulamentação clara e precisa, por mais difícil que seja em alguns casos, para isso surgem os sanbox regulatórios, para antever futuros conflitos, e é sempre bom lembrar que uma norma é uma previsão hipotética escrita pelo legislador.

Em que pese todo recente e crescente interesse pelo metaverso, lembro que eles já existem há pelo menos 19 anos desde o SecondLife, com níveis de profundidade diferentes e tipos de interação bem variados. Gosto da definição de que metaversos são mundos virtuais persistentes que continuam a existir mesmo quando você não está dentro deles, combinando aspectos dos mundos digital e físico.

Como se destaca, estar ou não em um mundo virtual depende de cada um de nós escolher como vamos nos apresentar por lá. Em recente artigo, publicado na revista Exame, Yasodara Córdova e Thiago Córdova, “os MMOs, (Massive Multiplayer Online) já apresentam aspectos de metaverso para os usuários há pelo menos 20 anos. O que mudou? Em primeiro lugar, mais tecnologia de processamento de imagens, melhor conectividade (5G chegando), novos dispositivos para conexão (realidade aumentada), e, especialmente, as gerações que já nascem interagindo online, borrando a fronteira entre o virtual e o físico.

Antigamente os avatares eram a melhor definição de presença virtual, antes dos metaversos representarem a oportunidade para interagirmos com nossas identidades do mundo real. Quando você está em um jogo, não necessariamente precisa apresentar seu nome social ou seu número de identificação dado pelo governo.”

Mas o que mudou então, além do avanço das tecnologias já citadas e da junção dessas tecnologias nesse universo digital, grandes players como a Microsoft, a Meta (Facebook) voltaram seus olhos e orçamentos para essa área e logo a relevância dela e com isso seus perigos de uma “nova” tecnologia de uso amplo, aumentam.

Como toda nova tecnologia, assim como com a própria internet, esse novo ecossistema virtual se desenvolveu sem um marco regulatório, embora seja evidente pensar que isso será necessário.

O legislador deve adaptar os regulamentos à nova realidade. Definindo os tipos de atos proibidos e a responsabilidade de todos os envolvidos, desde o infrator até os operadores ou prestadores intermediários por meio de cujos serviços as infrações são realizadas ou comercializadas. Ou seja, a mesma coisa que vem acontecendo nos últimos 20 anos deve continuar de forma específica e ajustada ao metaverso.”

É preciso estar preparado para reagir aos avanços que ocorrem na criação e consolidação desse lugar. Uma das primeiras questões a serem resolvidas é se neste espaço virtual as regras existentes e atuais sobre questões como a propriedade e a propriedade de ativos intangíveis, direito de concorrência, privacidade, proteção de dados, segurança e um longo etecetera poderiam ser aplicadas, ou se, pelo contrário, teriam que ser adaptadas ou criadas novas para regular essa nova realidade digital.

O metaverso, como a Internet fazia na época, tem o potencial de transformar tudo; nossa economia, trabalho ou relações sociais. Portanto, não há dúvida de que todos os ramos do nosso sistema jurídico, em maior ou menor grau, poderão ser afetados e precisar de mudanças e adaptações.

De fato, algumas dessas mudanças podem ser de longo alcance e necessárias para abordar e regular a nova realidade, bem como negócios ou conflitos inéditos que surgirão à medida que o metaverso se torna um espaço comum para todo o público.

Ainda há muitas dúvidas sobre como o metaverso será consolidado e que muitas perguntas a serem respondidas. Como as criações dos participantes serão reguladas? O ecossistema será livre e de código aberto? Quem será o responsável por proteger esse espaço comum? São questões de um ponto de partida para reflexão e tomada de direção nesse novo universo.

Uma das primeiras questões que é preciso esclarecer, é como um metaverso comum de código aberto no qual outros metaversos podem se interconectar deve ser protegido e aprimorado? Em um cenário em que a tecnologia que tornou esse espaço possível estava disponível para todos, implicaria maior acesso e, portanto, apoio ao seu desenvolvimento. O desafio, neste caso, seria encontrar um equilíbrio entre o direito dos desenvolvedores de recuperar seu investimento e o benefício que tal abertura traria para a sociedade.

É inquestionável que, se o controle ou a propriedade do metaverso caísse para uma única empresa, o Facebook por exemplo, ou mesmo um pequeno número de empresas, isso não favoreceria a concorrência, mas poderia dificultar a participação de pequenos desenvolvedores ou organizações nesse universo virtual.

Outro aspecto que levanta dúvidas é se seria apropriado para cada desenvolvedor cuidar da segurança do seu desenvolvimento ou se, como parece mais provável, é conveniente estabelecer uma defesa comum, como é o caso da Corporação da Internet para Nomes e Números Atribuídos (Icann, para sua sigla em inglês), uma entidade dedicada a tornar a Internet segura,  estável e interoperável em termos do sistema de nome de domínio.

Talvez uma das questões que teriam que ser resolvidas antes neste complexo universo é como ele vai lidar com a privacidade e segurança dos usuários, somente com uma estrutura adequada ele desfrutará das garantias adequadas e poderá se desenvolver como esse segundo mundo que busca alcançar. Deve-se notar que um dos problemas existentes é que o monitoramento seria muito mais simples do que no ambiente físico, uma vez que, como as informações estão hospedadas em servidores, o provedor poderia acompanhar tudo o que o usuário faz, bem como os dados gerados e compartilhados.

Lembro que boa parte dos dados gerados, através de um dispositivo móvel podem ser sensíveis, aqueles coletados com um capacete de realidade virtual (VR), sensores e todos os elementos que farão parte do acesso ao metaverso serão ainda mais, tanto pela quantidade de dados que coletam, quanto pela proteção especial deles, sendo uma fonte constante de dados biométricos.

Considerando todas essas implicações, será necessário delimitar qual papel cada membro do metaverso desempenhará em termos de proteção de dados pessoais, tentando aplicar as regras vigentes. e definir qual legislação territorial se aplicará ao metaverso, levando em conta a ausência de limites claros, afinal interações virtuais podem ocorrer com pessoas de qualquer parte do mundo.

Quanto à segurança digital, seria essencial criar uma rede segura em relação à identidade, propriedade, transações econômicas e qualquer outra atividade que ocorra dentro dela, o que começa pelas normas de assinatura digital e identidade. Em resumo, como ponto de partida, ele deve atender aos mesmos requisitos que se aplicam a plataformas como marketplaces ou sites e aplicativos que processam dados confidenciais e que envolvem riscos para os usuários.

Não resta dúvida de que a criação e implementação do metaverso pode representar um risco agravado para a segurança e privacidade dos usuários em comparação com os enfrentados na Internet hoje. De acordo com a doutrina sobre criminalidade em espaços virtuais, a particularidade de desenvolver-se em um mundo digital não pode excluir um comportamento do campo do Direito, uma vez que não estamos diante de uma ficção, mas de uma nova forma de realidade. Uma situação diferente será que o fato de se desenvolver em um mundo virtual dificulta a comprovação ou o processo de crimes, como acontece na internet e, principalmente, durante seus primórdios, quando nem a legislação nem as autoridades entenderam seu funcionamento, e as regras não contemplaram corretamente os conflitos que surgiram naquele espaço. Por óbvio o Direito é sempre mais lento que o avançar de novas tecnologias, mas isso não pode servir de pretexto para não se regulamentar, e assim causarmos prejuízos as pessoas e empresas.

Nesses universos digitais, os usuários poderão comercializar produtos e serviços globalmente em troca de criptoativos, o que sugere a necessidade de regular e resolver inúmeras questões de natureza fiscal, criminal ou de lavagem de dinheiro, entre outros, para usufruir de maior segurança jurídica da dívida e ter recursos legais diante de novos cenários desconhecidos. Afinal quanto mais dinheiro passa pelos canais bancários, mais provável é que os governos exerçam controle e evitem fraudes e lavagem de dinheiro na esfera virtual. Nesse sentido, e a partir da premissa de ter um espaço aberto, a manutenção de um sistema com essas características inevitavelmente criará mais oportunidades para o crime que terá que ser monitorado.

Como já destacamos em outros artigos muitos serão os embates legais relacionados as marcas, pois existem marcas como Nike, Louis Vuitton, Hyundai ou Zara que estão tentando incluir seus produtos nas vendas que são feitas neste espaço virtual.

No início do ano tivemos a notícia de que a Hermès teria entrado para o metaverso com sua tradicional bolsa Birkin, imediatamente o assunto viralizou. Afinal quando uma tradicional marca do mundo da mota resolve entrar para o metaverso, imediatamente leva as demais marcas à se pronunciarem sobre os seus planos.

No entanto, de fato existia uma MetaBirkin, porém ela não foi desenvolvida pela grife, mas pela dupla de artistas Mason Rothschild e Eric Ramirez.

Incomodada com a situação, a centenária Hermès, ao ver sua exclusivíssima e cobiçada Birkin comercializada dentro dos NFT’s (sigla em inglês para ‘token não fungível’), imediatamente moveu seu departamento jurídico.

Só para referência, o faturamento das versões online do acessório de luxo já ultrapassou cerca de US$1 milhão.

Detalhes desse processo escrevemos em um outro artigo, mas os números e a peculiaridade podem dar uma dimensão do que vem por ai nesse imenso mundo digital, onde avatares podem criar e ter prejuízos.

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