LACAN, REDES SOCIAIS E A PAIXÃO PELA IGNORÂNCIA

Ignorantes odeiam a solidão, e em nome da liberdade de expressão desfilam nas redes sociais a sua ignorância.

O psicanalista francês Jacques Lacan dizia que o ser humano tem três paixões: amor, ódio e ignorância. Logo para Lacan seria fácil prever o sucesso do advento tecnológico das redes sociais.

Certamente a fé cega, que a ignorância gera certamente é patológica, e contamina todos os que estão em volta, seja na família, no trabalho ou nos grupos das redes sociais, afinal aos idiotas nunca lhes falta convicção.

É na lógica comercial da nossa economia de atenção das redes sociais, que mora o perigo da disseminação da ignorância, pois nesse momento o algoritmo se alimenta de praticamente tudo o que é teclado, todo dia, toda hora, todo segundo, no mundo todo, e com mais sensores ligando (microfones, câmeras) outras informações e padrões que são captados por eles.

Logo o barulho gerado pela ignorância e seu séquito de seguidores se alimenta desse exercício circular onde ignorantes replicam mais e mais ignorância, e onde por suas crenças ideológicas estarão sempre receptivos a acreditar nas mentiras e invencionices de robôs que geram desinformação nas redes sociais.

Em que pese todo avanço tecnológico, as redes sociais, na distribuição do conteúdo de forma veloz construiu verdadeiros monstros, de acordo com a vontade de quem divulga e compartilha a notícia, que muitas das vezes vem com seu conteúdo editado para dirigir o intérprete para o lado que lhe convém, e assim reproduzimos e replicamos maldades sem fim.

Desnudar mentiras nas redes sociais, é quase sempre uma tarefa árdua para os céticos, que se entregam a pesquisa e ao estudo, algo impossível aos ignorantes que se sentem bem mais confortáveis distante dos livros e dos estudos, encastelados em sua santa ignorância. Pare por alguns minutos e veja nas suas redes sociais, quanto de conteúdo original tem na publicação do atraso, que invariavelmente apenas replica pelo compartilhamento conteúdos de terceiro, invariavelmente desconhecidos do universo acadêmico.

A percepção da produção de barbárie por ouvidos e bocas da ignorância também foi destacada pela letra fina de Nelson Rodrigues “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos…”

A lógica comercial das redes sociais acaba por “empoderar” idiotas, e o desafio da ciência na construção da verdade para derrubar os “falsos mitos” é permanente, extenuante, mas ao mesmo tempo necessário e urgente no enfrentamento da boa luta.

Até lá muita paciência com os adoradores de mentiras, que replicam e que quando enfrentados com a verdade dizem “Eu não sei se é verdade, mas achei importante compartilhar” Cretinos sempre tentam ser simpáticos quando dissimulam sua ignorância.

Lembro que a liberdade de expressão está assegurada como direito constitucional, porém, sempre um porém, também existe limite para o exercício deste, sendo inadmissível a propagação de certos conteúdos considerados ofensivos ou falsos, podendo acarretar responsabilidades civis e até mesmo configurar crime. O artigo 19 do Decreto nº 592/92 que dispõe sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), anuncia:

“1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”.

O artigo 19, parágrafo 3º, prevê a flexibilização da liberdade de expressão diante de outros princípios, não sendo considerado em termos absoluto. No mesmo parágrafo, tem-se a indicação de que as restrições devem estar asseguradas por lei. Assim, o país signatário do PIDCP, o Brasil ratificou-o em 24 de janeiro de 1992, deve assegurar de forma proporcional e necessária tais restrições.

Uma vez que a ignorância, quase sempre é o terreno fértil para proliferação de calúnias e preconceitos, sejam eles religiosos ou raciais.

Algo que precisa ser refletido é que a internet não é mundo sem lei, um lugar em que pode tudo. Muitos fazem perfis fakes ou propagam notícias e informações sem veracidade e se olvidam que podem responder da mesma forma que respondem pelo mesmo crime cometido no mundo físico. Há uma falsa sensação de que a conduta ilícita cometida no âmbito virtual fica à deriva e que nada vai acontecer. Tal pensamento encoraja muitas pessoas a cometerem os mais diversos crimes virtuais.

É evidente que a ignorância cria um considerável prejuízo a sociedade, seja em pequenos ou grandes grupos, e nem sempre vamos escolher o Direito e a sua instrumentalidade para enfrentá-lo, na maioria dos casos o melhor remédio para ignorância, quando encontramos os idiotas convictos (redundância) será a boa e salutar distância, pois se a distância não mata a ignorância ao menos diminui a sua propagação e deixa o idiota sem ar, idiotas odeiam a solidão.

Nossas rotinas pandêmicas estão repletas de exemplos até certo ponto traumáticos na disseminação de inverdades, veja as primeiras notícias da Covid, que iam da conspiração Chinesa até a participação de Bill Gates.

Logo voltando a Lacan, percebemos na atual sociedade do conhecimento (que eu chamo sociedade da desatenção) como a da ignorância em “Paixão pela ignorância”.

Logo nesse mar de ignorância, o “Dr. Google” tem uma parcela considerável de colaboração, nessa lógica dos seus algoritmos de busca, na compreensão de que a sequência das respostas é mais importante do que a consulta aos especialistas que se dedicam e aprofundam os temas, gerando essa falsa sensação de superioridade e “empoderamento.”

Na sociedade da desatenção, qual seria a necessidade de memorizar um dado se podemos consultar o Google quando precisamos, mesmo que seja cortando uma conversa? Quantos de nós não encontramos na nossa família ou no grupo de amigos aqueles chatos que na duvida pegam o celular e consultam o Dr. Google atrás da certeza fácil da pesquisa por seus algoritmos?

Por que se preocupar com o treinamento que nossos filhos estão recebendo na escola se vamos inscrevê-los para aulas particulares em qualquer coisa, a fim de mantê-los entretidos o maior tempo possível enquanto trabalhamos? Por que chamar um profissional quando temos que trocar um radiador (por causa do frio) se no YouTube existem milhares de vídeos onde eles nos ensinam como fazê-lo?

A Eslovena, Renata Salecl trabalha esse tema no seu livro “Paixão pela ignorância” denunciando nele que nosso modo de vida louco e autossuficiente está nos tornando mais ignorantes. “Uma ideologia do tipo”faça você mesmo”penetrou em todos os cantos da vida das pessoas. Espera-se que os indivíduos aprendam a dominar um grande número de aspectos de nossas vidas: desde organizar férias e montar móveis na praticidade de uma loja Ikea, ou em modos brasileiros como quem adquire um móvel na Tok & Stok. Os novos hábitos que a ignorância alimenta, se resolvem com o instalar de novos aplicativos em nossos telefones ou diagnosticar nossas próprias doenças e encontrar o melhor tratamento para elas, explica a filósofa eslovena em um livro, onde em um dos capítulos ela define o que é a ikeaização da sociedade.”A disponibilidade de informação online (em motores de busca como o Google) deu origem à impressão de que cabe totalmente a nós encontrar respostas para perguntas, ser especialistas em tudo”, diz Salecl, que acredita que a grande desvantagem desta situação não é que pesquisamos no Google e passamos um fim de semana pintando a casa. É que, ao fazê-lo, nos criamos pintores (e não exatamente com um pincel gordo).

Essa superioridade é o que nos torna ainda mais ignorantes, porque nos coloca na superficialidade de muitas questões.” Basta dar uma olhada nas mídias sociais para ver como as pessoas estão confiantes em seus comentários, sejam elas especialistas no tópico que está sendo discutido ou não “, diz Salecl, pesquisador sênior do Instituto de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Liubliana e professor do Birkbeck College, Universidade de Londres. Isso está causando uma mudança em nossa relação com a autoridade.”Talvez a reação adversa contra especialistas característica dos últimos anos não seja tão surpreendente em um mundo onde todos são especialistas amadores e onde o ceticismo e a desconfiança em relação aos especialistas profissionais estão crescendo.”Tampouco escapam às críticas de Salecl.”As pessoas que adquirem muitas informações sobre um determinado tópico podem não se lembrar de tudo isso ou podem não saber como usá-lo.

O perigo para Salecl é que sentir-se como especialistas, ainda mais do que os próprios especialistas, nos torna pessoas ainda mais ignorantes do que aqueles que não estudaram ou leram nada sobre um assunto. Por que eu continuaria aprendendo sobre algo que eu já sei ou acho que sei? Por que continuar a me informar sobre um tópico específico se com o que sei já posso emitir uma opinião? Essa ignorância a que Salecl se refere é uma grande vantagem quando nos leva a continuar aprofundando nossos conhecimentos, mas é uma grande desvantagem (e algo muito perigoso do ponto de vista social) se nos impede de continuar treinando e nos dá a falsa ideia de que já sabemos tudo. Tanto a ignorância quanto a ignorância colocam problemas e, às vezes, também têm sua utilidade e vantagens. Por exemplo, a ignorância representa um perigo quando é tratada como uma virtude em si mesma, ou quando é considerada um estado vergonhoso do qual devemos tentar escapar consumindo na “economia do conhecimento” pós-moderna. E, inversamente, a ignorância fornece um amortecedor natural quando tentamos entender quem somos e qual pode ser o nosso lugar no mundo. A ignorância é útil para apontar aquele ponto além do qual o conhecimento especializado de um profissional não pode chegar; em um nível mais profundo, estabelece um limite para o que podemos razoavelmente esperar das pessoas, seja como indivíduos ou como um coletivo. Não a toa os mais velhos costumam lembra “ a ignorância é uma benção”.

Tome cuidado, em tempos de redes sociais, os ignorantes odeiam a solidão, e a plateia é como ar para eles, por isso compartilham tantas besteiras nas redes sociais. Quem irá nos salvar?

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 20 de Fevereiro de 2023).

1 comentário em “LACAN, REDES SOCIAIS E A PAIXÃO PELA IGNORÂNCIA”

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