JOBS, GATES E A SUCESSÃO NAS EMPRESAS

Empresas são casamentos perfeitos até o dia que deixam de funcionar, seja por não se atualizarem, ou por deixarem de escutar seus consumidores e colaboradores, e as coincidências não param por aí.

Na dinâmica do capitalismo, a competição e a transformação são a regra, veja qualquer gráfico que represente anualmente as maiores empresas do mundo nos últimos 50 anos e identifique as mudanças de valores na modificação da economia, que vai dos gigantes do aço aos gigantes de tecnologia, a mudança valorativa sempre vai encontrar um meio termo entre o caixa gerado e o fluxo de caixa projetado para exercícios futuros.

Esse também é o caso dos gigantes da tecnologia do mundo que não ficam de fora dessa regra, mesmo empresas de tecnologia, que já estiveram entre as mais valorizadas do mundo podem desaparecer ou ficarem ressignificadas, com valores de mercado que nem de longe podem refletir seu apogeu, como é o caso da Aol, HP ou Kodak, mesmo elas jamais podem ignorar a rapidez com que o capitalismo pode dobrar os gigantes.

O domínio das empresas de tecnologia dos EUA na liderança do ranking das 10 maiores do mundo em valor de mercado deve se manter por alguns anos, sendo que as posições que forem perdidas o serão para outras empresas de tecnologia, notadamente chinesas.

Os inúmeros analistas que acompanham as big techs (Alphabet, Amazon e Microsoft. Apple e Facebook), vivem demonstrando o descolamento do valor dessas empresas do reto da economia no mundo.

Sendo plataformas de Internet, conceito distinto das primeiras grandes empresas de tecnologia, elas capturam clientes e reforçam seu controle sobre a economia em uma velocidade, sem precedentes “na história do capitalismo”.

Se pesquisarmos os dados de 1970, ficará evidenciado que as empresas que terminaram uma década no top 10 tiveram lucros médios de cerca de 330% ao longo dessa década, e suas ações superaram a média de mercado em mais de 230%. Algo semelhante aconteceu com as 10 maiores empresas da década de 2010: os lucros subiram 350% e suas ações superaram o mercado em 330%.

No final da década de 2010, os 10 primeiros representavam 16% do valor de mercado mundial, semelhante à participação dos 10 melhores no final dos anos 70 e 90.

Lembro que há uma década Amazon e Facebook não estavam entre as 100 maiores empresas do mundo por valor de mercado, contudo a sua ascensão meteórica também não é tão extraordinária. Em média, as empresas que chegam ao top 10 sobem cerca de 75 posições em uma década para chegar lá, e depois desaparecem.

Desde 1970, as empresas que terminaram uma década no top 10 global tiveram menos de uma chance em cinco de terminar a década seguinte nessas posições. As companhias petrolíferas dominaram a lista na década de 70, seguidas pelos bancos japoneses na década de 80. Nomes de técnicos chegaram ao topo nos anos 90, mas o elenco continua mudando.

Segundo reportagem do Financial Times, apenas duas empresas de tecnologia europeias, Deutsche Telekom e Nokia, entraram no top 10, tornando-se parte desse clube durante a década de 1990 antes de entrar em ação. Apenas uma empresa, a Microsoft, se reinventou o suficiente para permanecer no top 10 do clube por três décadas.

No geral, grandes empresas se tornam difíceis de gerenciar, e por isso, acabam perdendo identidade com o público, e por decorrência perdem a preferência, e assim dão terreno a rivais mais ágeis, isso sem falar nas empresas que não se preparam para a sucessão do seu acionista criador.

Empresas de tecnologia, quando tem sua imagem vinculada ao seus sócio fundador sempre correm esses risco, esse sempre foi o medo da Apple quando da descoberta da doença de Steve Jobs (1955/2011), que nesse dia em que completou dez anos desde a sua morte, uma década em que, apesar de não ter trazido ao mercado dispositivos revolucionários da estatura do iPhone ou do iPad, a empresa se estabeleceu como a mais valiosa do mundo.

Na direção do CEO, nomeado por Jobs, Tim Cook, que havia assumido o comando alguns meses antes de sua morte em 5 de outubro de 2011, a empresa de Cupertino (Califórnia, EUA) continuou a ganhar valor no mercado de ações até se tornar em 2018 a primeira empresa americana a atingir um trilhão de dólares. No ano passado, esse número dobrou e ultrapassou dois trilhões, marco que a empresa manteve até hoje.

O que o mercado parece gostar, é que a estratégia de Cook tem sido clara e bem definida desde o início, em que pese tenha perdido a criatividade e a visão que Jobs devolveu para empresa no seu retorno, assim seu sucessor, fortaleceu e aperfeiçoou os produtos e serviços herdados, como iPhones e iPads.

É obvio que as estratégias desenhadas a mais de duas décadas por Jobs, fazem com que a empresa hoje possa colher dividendos. A visão/missão em transformar seus produtos em plataformas de serviços, fez com que a empresa se mantivesse como referência no mercado, isso se traduz em números, pois os telefones continuam a representar hoje a maior fonte de renda para a empresa (54% de acordo com os resultados mais recentes, segundo a agência Efe) e de tempos em tempos são apresentadas versões melhoradas de iPads, MacBooks e iMacs.

Entre os poucos novos produtos de hardware lançados desde a passagem de Jobs que alcançaram significativa penetração no mercado, ainda que sem representar a mudança de paradigma que o iPhone e o iPad trouxeram, os smartwatches Apple Watch e fones de ouvido sem fio AirPods, lideram com folga e crescem acima da média dos demais produtos.

No caso dos smartwatches, eles sozinhos já vendem mais do que toda indústria de relógios Suíça.

A Apple é sem duvida uma referência para se pensar nos tempos atuais o planejamento sucessório das empresas, notadamente das empresas de tecnologia. Pois Jobs, além de ser a principal força criativa da Apple, foi também um visionário, que profetizou as maiores mudanças tecnológicas do início do século XXI.

A morte dele em 5 de outubro de 2011, como resultado de uma parada respiratória derivada das metástases do câncer de pâncreas que havia sido diagnosticado oito anos antes, deixou todos atordoados, especialmente as centenas de milhares de fãs e seguidores que ele já acumulou e que ainda cresceu mais com sua lenda.

Steve Jobs profetizou com seus conceitos, serviços e produtos, o que estava por vir no universo tecnológico, que hoje modificam as nossas vidas, e que na época a maioria de nós não tinha a dimensão do alcance e da velocidade, o conceito de plataforma, que virou a referência de negócio para as big techs é o seu melhor exemplo.

Em um discurso na Conferência Internacional de Design de 1983,quando mesmo computadores pessoais mal haviam penetrado na maioria das casas, Jobs já explicava que sua ideia era trabalhar para “colocar em um livro um computador incrivelmente poderoso que pode ser levado onde quer que se vá e que possa ser aprendido a usar em vinte minutos”.  

Vinte e quatro anos depois, a empresa que ele dirigia mostrou pela primeira vez um telefone iPhone em público; e três anos depois, o primeiro tablet iPad.

Uma das coisas que mais me chamou atenção do museu de arte moderna foi encontrar um iPod na entrada do museu como referência de arte moderna, e isso foi a mais de 15 anos.

Com seus recursos inovadores e design impecável, tanto o iPhone quanto o iPad foram os dispositivos que abriram caminho para dois novos mercados, smartphones e tablets.

O que aumenta a importância do líder na Apple e em outra empresas pode ser resumido na reflexão de referência, pois é bem difícil prever se essas duas revoluções teriam acontecido da mesma forma sem a iniciativa da empresa de Jobs, o líder impulsionando suas equipes.

Lembro que os smartphones, por exemplo, já eram uma realidade incipiente antes do iPhone, Palms e Blackberry já eram as referências antes de Jobs apresentar seus conceitos, e onde eles estão hoje?

O tempo impõe permanentes desafios para os líderes, mais do que visionários eles e as empresas que criam são postos a prova em novos desafios, sejam eles tecnológicos ou regulatórios.

Vejamos o caso da China onde se demonstrou como a rapidez de um ataque regulatório pode derrubar gigantes corporativos e tirar o Alibaba, um dos seus, do top 10 global. E se isso se repetir no resto do mundo aos gigantes de tecnologia e seu questionável exercício de oligopólio e de monopólio?

No universo digital, gigantes estão competindo com start-ups, algo impensável a 20 anos no universo das montadoras ou das grandes fundições e bancos, o que serve como divisor de águas entre a velha e a nova economia.

Na nova plataforma de internet, a inteligência artificial será incorporada, e é provável que líderes como Jobs, Gates ou Jeff Bezzos não tenho o mesmo espaço em universo de produção colaborativa, porém a necessidade de se planejar o futuro do seu negócio vai permanecer.

Na nova economia, mesmo em seguimentos, como metaverso, inteligência artificial e realidade aumentada, são explorados por gigantes como Facebook, existe um espaço paralelo para startups bem menores do que esses dinossauros.

A dinâmica do capitalismo, obriga a reinvenção permanente, onde “tudo que é solido se desmancha no ar” e novas formas de negócio, produtos e serviços nascem permanentemente.

As redes sociais deram novo peso as reputações de serviços, produtos e aos seus líderes, e isso é um novo desafio no plano sucessório das empresas.

No último dia 03 de outubro, uma matéria de Guilherme Guerra Romani, refletia sobre o papel de novos líderes como Jobs: “sua personalidade costumava machucar pessoas ao seu redor. Ele era obcecado pelos detalhes de suas criações, mas chegava a mentir, a blefar ou a ser abusivo com funcionários, amigos e parentes para conseguir as coisas como queria……Temperamental, ele costumava se justificar da seguinte maneira: “Eu sou assim”. Mas não era só a língua afiada que poderia tornar Jobs um alvo dos “tribunais da internet”. Ele rejeitou publicamente a filha, afastou a Apple de questões políticas e sociais, minimizou condições trabalhistas na China e fez ameaças e acusações a rivais como Microsoft e Google.

Por ser direto e gostar do embate, é possível que o chefão da Apple não recuasse diante das críticas, um efeito comum do cancelamento das redes.

“Steve Jobs seria cancelado em 2021. E acho que ele adoraria isso”, afirma Fábio Gandour, que liderou por quase dez anos o laboratório de pesquisas da IBM no Brasil. “Ser cancelado significaria um respeito ao tempo dele, que seria usado para outras coisas”, diz o pesquisador, que costuma lembrar de um encontro acidental que teve, no começo dos anos 2000, com Jobs no banheiro da Apple, na Califórnia (“foi impossível um aperto de mãos”, lembra).

Ignorar a opinião alheia talvez fosse um dos pontos fortes do executivo, que, ao contrário de muitos colegas em empresas rivais, orgulhava-se de não aplicar pesquisas de mercado para entender o que queriam os clientes. Uma de suas frases mais famosas é: “Os consumidores não sabem o que querem até que mostremos a eles”.

Ser ignorante à opinião alheia poderia não fazer tanta diferença para Jobs em termos pessoais. Mas seus comportamentos poderiam reverberar na Apple, criada em 1976.  

Nos tempos atuais, esse fenômeno tem consequências diferentes. Imaginar Steve Jobs em 2021 significa que a sua vida pessoal seria um fator de peso para que consumidores optassem por um iPhone. Poderia ser desenterrada a história, nos anos 1970, de que Jobs escondeu do amigo Steve Wozniak um bônus financeiro conjunto da Atari, onde trabalharam até fundarem a Apple – Jobs pegou a grana toda para si.

O pior dos casos, porém, talvez tenha sido a demora em reconhecer a paternidade de sua primeira filha, Lisa, nascida em 1978, quando ele tinha 23 anos.

Dado o peso das redes sociais na imagem da Apple, Borges imagina que o executivo buscaria algum tipo de adaptação. “Steve Jobs era o espírito do tempo e sabia se adaptar muito facilmente. Hoje, ele estaria nas apresentações da Apple falando sobre diversidade, por exemplo”, diz. Uma pista disso é observar a guinada da Apple sob Tim Cook, sucessor de Jobs no posto de comando da empresa.

Nesses 10 anos, além de lançar um relógio inteligente e fones de ouvido sem fio, a Apple tornou-se porta-voz das minorias, defendendo em público o movimento Vidas Negras Importam, promovendo a igualdade de gênero e se manifestando contra projetos de lei que minem a diversidade sexual. Na gestão anterior, esses assuntos não tomavam tempo das apresentações de Jobs.

Animal extinto. A postura controversa, combativa e temperamental parece ter sido extinta com a morte de Steve Jobs, pelo menos entre os líderes das principais companhias de tecnologia do mundo. Hoje, elas se blindam para evitar críticas.

Até 2021, por exemplo, o contemporâneo (e rival na Microsoft) Bill Gates, era o estereótipo do “bom velhinho”, que circulava pelo mundo financiando estudos para desenvolver vacinas contra a covid e promovendo a agenda climática.

Tudo isso veio abaixo com o divórcio de Melissa Gates após 27 anos, anunciado em maio passado. Veio a público uma série de histórias, dando conta de casos extraconjugais e investidas sexuais contra trabalhadoras. A história reverberou tanto, que a própria Microsoft buscou distância do seu fundador.”

Esses são alguns dos novos desafios de uma economia líquida, onde mais do que balanços as reputações estão permanentemente sobre o julgo da fogueira nada santa das redes sociais.

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