Até onde algoritmos que regram a lógica comercial das redes sociais podem de forma legal regrar nossas relações pessoais?
Onde o Direito nos protege dessa interferência malévola que despreza o despertar de um sentimento entre diferentes, em nome da lógica da economia de atenção?
Até onde podem algoritmos que nos aprisionam em bolhas definir ou influenciar nossas escolhas? Aplicativos de namoro podem definir um relacionamento?
Não é a primeira vez que uma questão formulada me levava a escrever sobre tempos digitais e relações sentimentais. Entendo que o que essas plataformas de encontro fazem, é filtrar necessidades e buscas, ou seja são o google dos relacionamentos, e logo lá tem anúncios de todos os tipos, nesse classificados cada pessoa procura dar destaque ao que entende ser o que o seu target group pode dar preferência.
O tema me remete a um artigo publicado no “The Guardian” no último dia 28, de Rachel Connolly, que trata da sobre as mudanças de hábitos provocadas por esses sites de relacionamento. No artigo ela narra uma série de encontros e desencontros, onde na maioria das vezes o ponto em comum é a distância e frieza resultado de “avatares” construídos com o propósito de agradar um número maior de pretendentes.
O fato é que esses “aplicativos criaram uma paisagem de encontros que é em grande parte divorciada do nosso ecossistema social normal de amigos e conhecidos, pessoas cujas opiniões nos importam, que podem nos julgar por fantasmas ou tratar mal as datas. Raramente há consequências sociais mais amplas para qualquer coisa que fazemos quando namoramos estranhos que conhecemos online, e por isso somos livres para chegar a todos os tipos.
Um novo livro, As Novas Leis do Amor: Namoro Online e a Privatização da Intimidade, de Marie Bergström, socióloga e pesquisadora que trabalha no Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França, explora essa premissa. Ela argumenta convincentemente que a crescente popularidade do namoro online tem cada vez mais removido da esfera pública, transformando-o em uma prática totalmente “doméstica e individual”. Ela diz que isso é “privatização da intimidade”.
O livro tem uma refrescante falta de histeria sobre o impacto que a internet teve em nossas vidas sexuais, e nenhuma declaração grandiosa sobre o estado de amor hoje. As entrevistas de Bergström com jovens, que conduzem quase toda a sua vida amorosa online, iluminam uma cultura onde o namoro é muitas vezes tão desapegado de sua rede social mais ampla que a ideia de misturar os dois evoca pânico. Curiosamente, muitas das mulheres que ela entrevista dizem que preferem usar aplicativos para sexo casual e relacionamentos para evitar julgamentos de seu grupo de colegas. Como Bergström aponta com razão, isso demonstra uma adesão moderna a, em vez de uma rejeição, expectativas de modéstia feminina. Como ela diz, “é a discrição e não a afirmação sexual” que torna esses aplicativos populares.
Enquanto isso, os homens que ela entrevista frequentemente se revelam com visões surpreendentemente conservadoras sobre a sexualidade feminina.
As consequências da aparente “revolução sexual” causada pelo desenvolvimento de aplicativos de namoro que eliminam grande parte do atrito na busca por um parceiro, acabam dando origem a fortes mudanças nos hábitos sociais relacionados a essa atividade.
De fato, a promessa de aplicativos como o Tinder e outros que reduziram a tarefa de encontrar um parceiro para um simples deslize à direita ou à esquerda que gerou a possibilidade de abrir canais de comunicação pode inicialmente parecer atraente e, de fato, foi normalizada em boa parte da população, mas não está isenta como todas as redes sociais, não fica isenta de regras, e muito menos das suas consequências e seus efeitos colaterais que os usuários, na maioria das vezes não contavam.
Ainda sobre o artigo do The Guardian, uma das consequências fundamentais desse tipo de rede tem sido, sem dúvida, um dismorfismo muito forte em seu funcionamento derivado do gênero do usuário: enquanto perfis femininos tendem a receber um fluxo de atenção geralmente constante, o masculino, em muitos casos, praticamente “implora” por cliques, em um ecossistema completamente tendencioso com proporções marcadamente diferentes. Obviamente, poderíamos argumentar que o ecossistema anterior também tinha vieses, mas o mais comum no novo é estimar que esses vieses se intensificaram muito, e em algumas plataformas específicas, para limites difíceis de descrever para não usuários.
A essas mudanças devemos somar aquelas derivadas da natureza online da relação: em um ambiente em que tudo está a um clique de distância, é comum encontrar uma transferência da atividade para outras plataformas, para buscas por informações ou contato através de outras redes sociais, e em alguns casos, comportamentos muito próximos ao assédio. O que parecia uma banalização dos relacionamentos, ou uma maneira mais simples de colocar relacionamentos baseados na conveniência e sem consequências, torna-se, em muitos casos, problemas derivados de comportamentos online difíceis de escapar.
Claro, outros comportamentos baseados em fraudes, na tentativa de comercializar golpes de pirâmide ou esquemas de venda de criptomoedas, ou em modelos de prostituição mais ou menos sofisticados também abundam. Na prática, o que parecia uma forma de simplificar as relações tornou-se, em muitos casos, um novo ambiente com regras muito mais complicadas, com livros dedicados a “como ter um perfil atraente nessa ou naquela rede”, e com comportamentos que beiram do golpe ao assédio, além de fortes padrões de discriminação.
Comportamentos que variam muito dependendo de variáveis como idade ou gênero, mas que experimentam uma evolução progressiva para a normalização que parece estar muito longe das promessas iniciais desse tipo de plataforma.
De que maneira isso deve afetar no futuro? Claro que é sempre bom lembrar os inúmeros riscos no vazamento de dados que cerca esses aplicativos, e a sua pouca responsabilidade jurídica diante da quebra de privacidade, pois muitos deles se escondem por traz de um cipoal societário difícil de ser desvendado.
Mitos sobre o processamento de nossos dados pessoais na internet incluem a ideia de “vender dados”, um eufemismo absurdo que faz muitas pessoas acreditarem que as empresas realmente “vendem” seus dados pessoais vinculados ao seu nome em um banco de dados que pode ser comprado e vendido: isso não é apenas falso, mas seria comercialmente muito absurdo, porque uma vez adquirido, nada impediria o suposto comprador de usar esse banco de dados por um longo tempo sem ter que pagar nada mais do que o suposto “vendedor”, o que seria um negócio claramente ruinoso.
Não, os dados não são vendidos como tal: são comercializados no direito de acesso, e não às pessoas, mas a segmentos sociodemográficos definidos de forma relativamente sofisticada. Eu posso ir ao Google ou Facebook e dizer “este é o meu anúncio, eu quero colocá-lo na frente dos olhos de pessoas que vivem em tal site, que ganham mais do que tanto, e que demonstraram interesse em carros”, e essas empresas vão pegar sua mensagem publicitária e expô-la a essas pessoas, mas eles nunca lhe darão uma lista com seus nomes, endereços ou números de telefone. Pelo menos, não legalmente, sobretudo, porque seria, além de ilegal, absurdo.
Logo o cuidado com os seus dados, vale para todo e qualquer aplicativo, para toda e qualquer conversa, pois internet é um ambiente nada seguro.
Aplicativos de encontros, são sim a extensão de nas formas de relação, distantes, assépticas e na maioria das vezes sem graça, mas que serve a vontade de muitos, apenas no Brasil o número de usuários passa de 10 milhões de pessoas.
Talvez por medo de amar?
O que me lembra a composição do Fernando Brant e do Beto Guedes: “O medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier. Livre para sempre estar onde o justo estiver”….Seja Feliz.