IMPLANTAÇÃO DE CHIPS NO CÉREBRO E OS NOSSOS NEURODIREITOS

Qual o limite legal para ciência no registro de vontades e pensamentos?

Se tudo ocorrer como previsto, a FDA deve aprovar nos próximos meses (o que não é impossível, pois na verdade já foi obtido há muito tempo para outros tipos de dispositivos intracerebrais profundos) a possibilidade de implantes de chips no cérebro, essa é ao menos a expectativa de Elon Musk, o maior acionista da Neuralink.

A ideia é, dar início ainda no primeiro semestre de 2023, com o objetivo inicial de tratar vários tipos de distúrbios ou problemas cerebrais ou espinhais, como paralisia, parkinson, distonias, transtornos obsessivo-compulsivos, epilepsia, etc. A partir daí, poderiam ser feitos progressos para obter cada vez mais informações sobre a eventual aplicação dessa tecnologia como interface cérebro-máquina (IMC ou IMC), e seu eventual uso voluntário por qualquer pessoa. Se parece impossível ou que ninguém queira se submeter voluntariamente, pense que o procedimento de implantação não deve exigir uma intervenção cirúrgica complexa ou mesmo uma anestesia total, mas seria mais como, nas palavras de alguns dos participantes da apresentação, uma operação de miopia a laser, um procedimento depois do qual você pode ir para casa em poucas horas.

O chip será do tamanho de uma moeda e sua instalação exigirá a extração de um volume semelhante do cérebro, o que o diferencia de outros dispositivos testados por empresas neurológicas que propuseram dispositivos semelhantes sem uma intervenção tão invasiva.

Até agora, os implantes cerebrais foram desenvolvidos em apenas uma direção: do cérebro para o exterior (geralmente um computador que processa os sinais), mas o projeto da Neuralink visa ser capaz de transferir informações também na outra direção, para o cérebro.

Já em estágio avançado, a empresa em quase quatro anos de trabalho, vem implantando eletrodos ultrafinos no cérebro, chips capazes de processar muito rapidamente as informações produzidas pelos neurônios e servindo como uma interface bidirecional com eles, e até mesmo um robô capaz de inserir esses eletrodos no cérebro afetando minimamente tecidos e sem risco de danificar vasos sanguíneos ou outras estruturas críticas.

O que parece é que o que a empresa vem empregando muitos avanços da microeletrônica no campo da neurocirurgia, e que para isso, além disso, tem confiado muito solidamente em todas as pesquisas anteriores nessa área e em desenvolvimentos e avanços como aqueles que possibilitaram os chamados implantes coleares que são aplicados para certos tipos de surdez ou estimulação cerebral profunda (DBS) que se aplica em casos de Parkinson.

Esses passos levam a digitalização do nosso cérebro, os estímulos produzidos pelos neurônios e dessa forma, ser capaz de interpretá-los. Afinal de forma simplificada, uma memória, pode ser visto, como um circuito neural redundante que é inervado durante o tempo em que a memória permanece ou é evocada. O que podemos chegar se conseguirmos mapear os potenciais de ação do nosso cérebro, se fosse hipoteticamente possível capturar toda a sua atividade? Como resolver os lapsos de memória? Como melhorar a memória? Como entender como ela se perde? Qual a razão de alguns terem uma memória melhor que outros?

Logicamente, para abordar a captura da quantidade de informações necessárias para a codificação de uma determinada ação você precisa ser capaz de ler os potenciais de ação de muitos neurônios, portanto é necessário inserir um grande número de eletrodos perto desses mesmos neurônios, para poder capturar seus potenciais de ação, mapeá-los e associá-los a todos os tipos de ações, de estímulos ou pensamentos. Um mapa de atividade cerebral que hipoteticamente acabará nos permitindo não só ser capaz de ler nosso cérebro, mas até mesmo ser capaz de escrever nele gerando esses potenciais através de eletrodos, de forma bidirecional, na linha de experimentos de algum tempo atrás em que uma descarga localizada ao lado de um neurônio no córtex visual consegue induzir uma pessoa a ver um flash de luz que não existe em um determinado lugar. A partir daí, as possibilidades são praticamente ilimitadas, incluindo, logicamente, a hipotética “fusão” do homem e da máquina ou o uso de nossos próprios sentidos como uma maneira de alimentar dados que seriam algoritmicamente processados pelo aprendizado de máquina. Até onde podemos chegar? Quais os limites éticos e legais?

Inicialmente, pensar na ideia de encher nosso cérebro com eletrodos, não importa o quanto eles nos assegurem que é feito por um robô que não comete erros e que eles não vão causar danos, certamente não é nada atraente. Porém no estado atual da tecnologia, a única possibilidade de capturar esses potenciais de ação de neurônios com fidelidade suficiente e poder induzi-los está associada à proximidade física, o que faz dessa tecnologia, no momento, a única com possibilidades de conseguir chegar a esse fim.

Nesse momento um grupo da Universidade Columbia (EUA) impulsiona proposta para a criação dos neurodireitos e proteção contra discriminação, baseado em um estudo feito na Universidade de Tubingen, na Alemanha, publicado no início deste ano, mostrou, pela primeira vez, que um homem de 36 anos em estágio avançado de esclerose lateral amiotrófica (ELA) conseguiu comunicar-se por meio do pensamento. Ele não é capaz de mover nenhum músculo do corpo, mas foi capaz de manifestar intenções com a ajuda de um implante cerebral. Sim, ainda que de forma rudimentar, a tecnologia já permite ler pensamentos. Logo surge a pergunta qual o limite para máquina ler pensamentos? O que precisa e deve ser protegido? Qual o protocolo?

Associada à inteligência artificial, a evolução da neurotecnologia vem ocorrendo de forma muito rápida, o que levanta importantes questões éticas e de direitos humanos. Por exemplo, nós temos direitos aos nossos pensamentos? O que acontece se alguém manipular nossos pensamentos? Máquinas podem implantar pensamentos em nosso cérebro?

Essas questões certamente abrem o debate do que está por vir, não uma regulação que limite o desenvolvimento da pesquisa e do avanço tecnológico, mas o estabelecimento dos limites éticos e humanos para o uso dessas novas tecnologias, evidenciando a importância desse debate ético-jurídico e para a criação dos neurodireitos.

Um grupo da Universidade Columbia (EUA) tem impulsionado a proposta para a criação dos neurodireitos: direito à privacidade mental, direito à identidade pessoal, direito ao livre-arbítrio, igualdade de acesso à tecnologia, proteção contra discriminação. Lembro que o Chile foi o primeiro país do mundo a consagrar a proteção dos neurodireitos em sua Constituição, com esses cinco princípios básicos, e aqui no Brasil a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) já tem um Laboratório de Neurodireitos.

Quais os limites dessa intervenção no cérebro?

Essa discussão certamente não é nova, mas as novas tecnologias dão novos contornos, para podermos aprofundar, lembro que no fim da década de 1940, possivelmente influenciado pela máquina de Turing, o matemático John von Neumann percebe que os seres vivos estavam entre os tipos de máquina que poderiam ser emulados pela máquina universal. Em sua obra The general and logical theory of automata, von Neumann fez uma analogia entre os órgãos humanos e as partes de um computador, especialmente o sistema nervoso central (BARONE, 2003). Ele cria também a teoria do autômato autorreplicante (publicada em 1966 no livro Theory of Self-Reproducing Automata), contra-argumentando a afirmação de que o que separa seres humanos de máquinas seria o fato de elas não serem capazes de se reproduzir. Apesar de ser um trabalho conceitual na época, ele foi validado posteriormente quando foram construídos autômatos que se reproduzem.”, imagine o que escreveriam com os avanços da neurociência e a intervenção das máquinas em nossos sentidos?

A ideia da proteção à privacidade mental ganha novos contornos, visto que implica em converter sinapses do cérebro em dados, embora haja inúmeros graus de ceticismo sobre isso, tudo parece ser apenas uma questão de tempo nesse avançar permanente.

Logo tente imaginar dispositivos que registram essas vontades conectados a máquinas de controle social no estilo memority report?

Hoje já temos uma tecnologia de ressonância magnética que permite ver o cérebro funcionando. Até pouco tempo atrás, o cérebro era uma caixa-preta, que só podia ser visto depois da morte do sujeito. Ainda estamos longe desse nível de tecnologia capaz de ler pensamento, mas se as tecnologias começarem a se desenvolver mais, temos de pensar em formas de garantir que a privacidade mental não seja devassada por um Estado autoritário, como no exemplo dado acima.

Dispositivos que possam ler vontades também podem implantar vontades se forem invadidos certo?

Considerando o universo de delírios que circula na internet, e no que a mente humana dos pobres de espírito é capaz de acreditar, em breve veremos bem mais do que a implantação de um chip humano, mas quem sabe a implantação de um cérebro em um corpo humano? Santa Ignorância.

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 12 de Dezembro de 2022).

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