HOMENS CELEBRAM A MORTE E PEDEM A CIÊNCIA PRA PROLONGAR A VIDA

Octavio Paz, o único prêmio Nobel de Literatura mexicano, falando sobre o dia 2 de novembro, em que se celebra no México o Dia dos Mortos: “Nosso culto à morte é um culto à vida”. Estas são as razões pelas quais o México tem uma relação especial com a cultura da morte que fascina o resto do mundo. Mas, ainda que muitos sintam saudades ao se lembrar de pessoas que se foram, não se trata de um dia triste. A festa dos Mortos, de origem pré-hispânica, é uma das mais importantes do país e representa apenas a ponta do iceberg de uma cultura em que a morte é algo muito mais familiar, com a qual se pode brincar e a qual se rende culto, a certeza dela pode ser uma autorização para com ela brincar.

Lá, a morte, aquele tabu, que em muitas casas no Brasil quando se fala, é seguido da frase “vamos mudar de assunto”, é motivo de celebração, uma tradição cultural, e logo uma vez por ano, as casas e as ruas do país se enchem de flores, velas, caveiras coloridas e muitos doces para homenagear os entes queridos que já faleceram. É uma celebração popular que acontece nos dias 1º e 2 de novembro e que mistura raízes indígenas com tradições cristãs da era colonial espanhola, quando, acredita-se, vivos e mortos se encontram, e curiosamente considerado o feriado mais importante e amado pelos mexicanos.

A base dessa celebração moderna surgiu com a lenda de que os Mexica, o povo indígena dominante da era pré-hispânica mexicana, viajavam depois de morrer pelas nove regiões do submundo, conhecidas como Mictlan. Origina-se nessa época a relação do mexicano com a morte.

Classificada como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2003, a celebração do Dia dos Mortos se tornou um símbolo.

No seu livro “O Labirinto da Solidão”, Octavio Paz, escreveu que “o mexicano está familiarizado com a morte, brinca com ela, a acaricia, dorme com ela, a celebra”.

O culto à Santa Morte é quase uma religião. Até o Vaticano está tentando se levantar diante da fé professada por milhares de pessoas, especialmente nos bairros mais violentos, como Tepito. A santa é representada por um esqueleto vestido com uma túnica como se fosse uma virgem, e os fiéis rezam e acendem velas para ela.

Se a cultura dos homens, celebra a morte a ciência investe em prolongar nossa expectativa de vida e atrasar a morte tanto quanto possível.

Chamado de Gilgamesh, inspirado em um poema da antiga Mesopotâmia em que o rei de mesmo nome busca o segredo da vida eterna, há quase 40 anos, na Alemanha, três cientistas, Steve Horvath (geneticista da Universidade da California), seu irmão gêmeo Markus(psiquiatra) e seu amigo Jörg Zimmerman(pesquisador de inteligência artificial) prometeram dedicar suas carreiras para prolongar a vida humana.

Steve, pois desenvolve uma técnica para medir a idade biológica das células. O relógio de Horvath, um biomarcador amplamente utilizado do envelhecimento, faz parte de uma série de descobertas para prolongar nossa expectativa de vida. Biólogos encontraram maneiras de reprogramar células antigas para rejuvenescê-las e usar essas técnicas para, por exemplo, ajudar camundongos idosos a recuperar a visão; e uma empresa busca a longevidade rejuvenescendo o sistema imunológico, uma intervenção projetada para afastar doenças que estudam os organismos mais enfraquecidos.

A busca pela eternidade, ou por uma morte opcional, ou fórmulas para atrasá-la, não é mais um objetivo marginal, como era quando os três lançaram-se no seu compromisso, mas um projeto biotecnológico no qual bilhões de dólares são investidos e que atrai os melhores cientistas, incluindo alguns laureados com o Nobel. O envelhecimento tem até seu próprio código, MG2A, na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a Bíblia da Medicina. Sua atualização, que define a idade mais velha como uma doença, reforça a ideia de que o “envelhecimento saudável” é um oximoro. Se as células humanas podem ser rejuvenescidas, por que envelhecemos?

O desejo de estender nossa data de validade não é uma questão puramente biológica; também tem profundas implicações sociais. As pessoas frequentemente discordam sobre a duração da vida humana. “Bioconservadores” argumentam que é antiético adiar a morte com a reengenharia do corpo humano. Outros argumentam que toda a saúde está voltada para esse objetivo: atrasar o momento final o maior tempo possível. Isso sem falar do problema da superpopulação.

Tente imaginar algumas questões novas como: É possível permanecer feliz casado com a mesma pessoa por 100 anos? Como reprogramar a nossa previdência social? Como regular direitos da melhor idade? Qual seria a melhor idade? Algo muito questionado hoje com o aumento da média de vida.

Os que rejeitarem a terapia de prolongamento da vida, podem ser vistos como suicidas? Um mundo de pessoas mais velhas pode inovar sem o empurrão da juventude?

Em 2013, o Google criou uma unidade de pesquisa sobre longevidade: a Calico, abreviação de California Life Company, colabora com empresas farmacêuticas e instituições como a Universidade de Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Sua estratégia, que se concentra na luta contra doenças neurodegenerativas e câncer, visa nos aproximar do limite teórico de sobrevivência humana, estimado em cerca de 140-150 anos. Esse número foi obtido extrapolando o risco de sofrer de diferentes doenças dependendo da idade e com base na taxa em que os órgãos se deterioram. A pessoa mais velha do mundo, Jeanne Calment, morreu aos 122 anos em 1997.

Lá há um objetivo ainda mais ambicioso no horizonte: o prolongamento radical da vida por séculos, em vez de décadas. Essa é supostamente a missão da Altos Labs, uma startup do Vale do Silício que reuniu uma equipe de cientistas renomados, incluindo Horvath, para enfrentar a morte. Altos tem o apoio do fundador da Amazon Jeff Bezos e Yuri Milner, um investidor bilionário de origem russa, amigo de Mark Zuckerberg.

Outras organizações que buscam aumentar a expectativa de vida incluem a Hevolution Foundation, um fundo de investimento sem fins lucrativos dedicado à pesquisa de “prolongamento da vida saudável”, criada por decreto real na Arábia Saudita e liderada por Mehmood Khan, ex-diretor científico da PepsiCo; e a Longevity Science Foundation na Suíça, que pretende investir US$ 1 bilhão e compartilha os mesmos objetivos. Para os mais ricos, que podem comprar tudo, menos o tempo, o envelhecimento é apenas mais um obstáculo tecnológico que deve ser resolvido, o corpo humano é uma máquina na qual você pode intervir e a ciência está prestes a oferecer uma solução.

Outros pensam totalmente diferente. Em seu livro: “The Case Against Death”, o filósofo Ingemar Patrick Linden aponta que a biologia evolutiva explica por que envelhecemos e morremos, mas não que devemos envelhecer e morrer. “Se nossa vida e nosso futuro são valiosos, morrer é uma das piores coisas que poderia acontecer conosco… se pudéssemos viver em boa saúde até os 120 ou 200 ou 1.000 ou indefinidamente, isso seria bom? Na minha opinião, a resposta é clara. Minhas experiências me dizem que a menos que haja uma boa vida após a morte, é uma coisa terrível e nada é mais importante do que impedir que pessoas boas morram. Sou abolicionista da morte”, diz ele.

Embora parte da elite tecnológica, seus cientistas e o filósofo excêntrico desejam erradicar a morte, nem todos pensam como eles: de acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew em 2013, apenas 4% dos americanos gostariam de viver além dos 120 anos, e apenas 1% gostaria de viver para sempre. Isso pode ser devido à imagem que temos da velhice, que Ives descreve “não como uma extensão da vida, mas da morte”. De acordo com o think-tank King’s Fund, mulheres no Reino Unido morrem, em média, aos 83 anos, após quase duas décadas de doenças, matéria recentemente publicada na Times.

Mas também sabemos que em algum canto da nossa genética esconde o botão de reset da juventude. É a razão pela qual as crianças não nascem com células idosas. No momento da fertilização, o material genético herdado de cada pai biológico é de alguma forma purificado de mudanças relacionadas à idade. Bebês nascem com um relógio celular que começa do zero.

Lembro que em 2006, Shinya Yamanaka da Universidade de Kyoto encontrou quatro proteínas que pareciam voltar atrás no relógio. Essas proteínas são conhecidas como “fatores yamanaka”, ou células-tronco pluripotentes. A percepção de que as células podem se regenerar, como no caso de Benjamin Button, levou Yamanaka a ganhar o Prêmio Nobel.

Entre os cientistas que estudam a juventude eterna está Gregory Fahy, biólogo com sede na Califórnia e co-fundador da empresa californiana Intervene Immune. Fahy experimentou pacientes de meia-idade a quem injetou um coquetel de drogas destinadas ao timo, um órgão em forma de glândula do sistema imunológico composto por linfócitos T, que são as células responsáveis pela imunidade celular.

Fahy, que já havia experimentado consigo mesmo, descobriu algo notável: após um ano de medicação, conseguiu reduzir a idade biológica do timo em 2,5 anos. As células renais e da próstata também rejuvenesceram, de acordo com as medidas do relógio de Horvath. Os resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que apenas nove pessoas participaram de seus estudos. No entanto, Fahy está expandindo o julgamento na esperança de voltar o relógio ainda mais. “Não sei até onde podemos ir com isso, mas certamente estamos longe de chegar ao limite”, diz ele.

Se um ano de medicação for capaz de rejuvenescer as células por dois anos, quanto mais tempo durar o tratamento, mais “jovem” um paciente pode se tornar, pelo menos de acordo com as medidas do relógio molecular.

Métodos para evitar o envelhecimento vão além da reprogramação celular. Restringir a ingestão calórica também parece prolongar a vida; na verdade, uma pílula que imita os efeitos do jejum controlado está sendo estudada. A biologia sintética pode nos permitir criar novos órgãos no futuro, claro que precisamos atravessar um mar de regulamentações.

Independentemente dos avanços científicos, surge a questão sobre se prolongar a expectativa de vida é um objetivo ético, e esse talvez seja o maior dilema, pois nem todo mundo que quer uma extensão da expectativa de vida pode obtê-lo, o que levanta questões de justiça social, mas ninguém é a favor da proibição de transplantes de órgãos, mesmo que a demanda se destaque.

Para os que são contrários, as terapias voltadas para a promoção da longevidade mudarão a atitude humana para a morte, pois não se morrerá pela velhice, mas por acidente ou doenças e assassinatos incuráveis.

Nesse dia de finados, onde milhões de pessoas visitam os cemitérios, ou em suas casas pensam em seus entes queridos que já partiram, teremos sempre uma certeza, que os bons sempre partem cedo de mais.

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