GURUS TAMBÉM ERRAM

Fim de ano famílias reunidas e sempre nas conversas etilicamente embaladas, acabam tratando sobre a vida alheia, infelizmente em boa parte delas para exaltar fracassos de terceiros ausentes ou para reduzir o sucesso do outro, quase sempre sem escutar a outra parte, fazendo do nosso julgamento aqui na terra o verdadeiro inferno do empreendedor.

Nessas horas, eu reflito sobre a quantidade de fracassos que empreendedores e estudiosos colecionam antes de chegar ao produto ou serviço que atenda de forma satisfatória quem deles precisa.

De um chef de cozinha ao mais brilhante cientista a coleção de tentativas fracassadas no desenvolvimento poderia parar na lista de fracassos, não fosse a resiliência e a vontade de fazer e entregar algo melhor e útil, mesmo no enfrentamento da maré contra do julgo dos pobres de espírito e ricos em críticas ácidas.

Não faltam bons exemplos de investimentos que resultaram em nada, em que pese a credibilidade e eficiência dos envolvidos.

Gigantes como a Apple também fracassam, mesmo com muitos gurus pra auxiliar, como bem destaca Eli Pariser, no livro “O Filtro Invisível”: “o Newton, da Apple, não foi mais feliz: a companhia investiu mais de 100 milhões de dólares para desenvolver o produto, mas as vendas foram fracas em seus primeiros seis meses de existência. Quem interagia com os agentes inteligentes em meados dos anos 1990 logo percebia o problema: os sistemas não eram assim tão inteligentes. Hoje, mais de uma década depois, não vemos agentes inteligentes em parte alguma. É como se a revolução prevista por Negroponte tivesse fracassado. Quando acordamos pela manhã, não encontramos um mordomo eletrônico que nos mostra nossos planos e desejos para aquele dia. Mas isso não quer dizer que eles não existam. Apenas estão escondidos. Sob a superfície de todos os sites que visitamos, existem agentes inteligentes pessoais. Eles se tornam mais inteligentes e potentes a cada dia que passa, acumulando informações sobre quem somos”

Algumas tecnologias chegam antes do tempo, ou chegam com uma abordagem equivocada ou sendo apenas para um nicho, ou mesmo com o equivocado peso e expectativa de ser algo revolucionário, como no caso da Segway.

Em um episódio do podcast Tecnocracia, que fala sobre o sucesso do Pix, Guilherme Felitti, recorda a expectativa com o lançamento do Segway: “Em 8 de dezembro de 2000, uma das maiores salas de reunião do hotel Hyatt Regency, perto do Aeroporto Internacional de São Francisco, estava reservada para uma reunião que exigiria bastante espaço. Lá, três das principais figuras do Vale do Silício seriam apresentadas à invenção que prometia ser o grande avanço tecnológico da década. John Doerr, sócio da Kleiner Perkins, um dos fundos de investimento em tecnologia mais influentes da história, já tinha chegado. Jeff Bezos, fundador da Amazon, chegou logo depois. Faltava um, que estava sempre atrasado: Steve Jobs só apareceu minutos depois das 8h30, quando a reunião deveria começar. A sala precisava ser grande porque o sujeito que convocou a reunião precisava fazer demonstrações fora do computador. Assim que chegou à sala com grandes pacotes embalados em caixas de papelão, Dean Kamen montou dois protótipos e deu para que Bezos e Doerr brincassem. Enquanto ambos testavam os protótipos, Jobs chegou. A tecnologia que todos estavam ali para dar seus pitacos prometia revolucionar a mobilidade urbana da mesma maneira como o PC ou o celular revolucionaram a computação pessoal.

Passo para trás para entender que eram o sujeito capaz de reunir Jobs, Bezos e Doerr numa mesma sala. Kamen tinha acumulado bilhões de dólares após inventar a tecnologia por trás da bomba de perfusão, aquela geringonça que controla a dosagem de remédios na sua corrente sanguínea quando você está internado(a). Sem se preocupar em pagar as contas, Kamen mergulhou na vida de inventor. Após anos de pesquisa, criou o protótipo de uma cadeira de rodas autônoma capaz de responder aos movimentos do corpo de quem a usasse. O segredo da cadeira era um giroscópio. Com o protótipo pronto, Kamen entendeu que o mercado para cadeira de rodas era pequeno para um lançamento em escala. O giroscópio, porém, poderia alimentar outro hardware de locomoção, não apenas para pessoas com dificuldades de mobilidade.

O protótipo daquela reunião no hotel era isso: uma espécie de patinete de duas rodas que você controlava usando o peso do próprio corpo. Até a reunião em São Francisco, o projeto se chamava Ginger. Quando estava pronto para o mercado, Kamen o renomeou como Segway. Em 2001, o hype ao redor do Segway era inacreditável, ainda que ninguém soubesse exatamente que diabo era aquilo — nem o nome era público. Em janeiro de 2001, um mês após a reunião, vazou uma proposta secreta de livro que Kamen tinha vendido à Harvard Business School Press por US$ 250 mil. Além de relatar o investimento de Doerr, o documento tinha aspas dos presentes na reunião: Jobs dizia que a invenção “era significativa como o computador pessoal” e Bezos a classificava de “revolucionária”. O problema é que Kamen não explicava o que era aquilo e nem dizia seu nome — na proposta de livro, usava-se apenas o termo IT.

Com o estouro da bolha passando o trator no mercado de internet mundo afora, o mercado ficou alvoroçado. Kamen já tinha provado ser um inventor de sucesso e os endossos de Bezos, Jobs e Doerr davam à iniciativa um elã de inovação séria. Não era uma piada quando gente deste calibre elogiava. Durante o ano de 2001, formou-se a certeza de que, assim que o IT desse as caras, viveríamos todos em uma nova realidade.

Kamen finalmente mostrou o Segway ao mundo em dezembro de 2001, com uma apresentação ao vivo no Good Morning America, um dos programas de maior audiência da TV norte-americana. A reação da âncora, Diane Sawyer, resumiu o que seria a história adiante do Segway: “é só isso?”. Era. O hype construído meticulosamente pela equipe de Kamen, alavancado por nomes gigantes do Vale do Silício, não durou um mês depois que o produto foi finalmente revelado. Justiça seja feita, o próprio Jobs já tinha alertado Kamen das dificuldades adiante: “Se uma criança imbecil em Stanford se machucar usando o Ginger e anunciar online que a máquina é uma merda, a companhia afundaria, já que não existe forma de controlar isso ou responder se as pessoas não conseguem usar uma por si mesmas”. A história da reunião do Kamen com Jobs, Bezos e Doerr está bem documentada em um livro chamado Code Name Ginger, escrito por um sujeito chamado Steve Kemper, que presenciou por dentro a ascensão e queda do Segway. O site da Harvard Business School publicou o trecho do livro sobre a reunião.

Jobs foi profético. Primeiro que o Segway era proibitivamente caro: seu modelo mais simples custava US$ 5 mil. Segundo que o Segway exigia uma curva de aprendizado não óbvia e com consequências nada agradáveis: quem não se equilibra no Segway se esborracha no chão. Era uma questão de tempo até que uma crise de imagem aparecesse desencadeada pela inabilidade de algum usuário. Ela veio, mas por alguém um pouco pior que um jovem em Stanford…..

O Segway é um caso emblemático de como o mercado de tecnologia, em alguns momentos, decide qual vai ser a próxima onda. De onde eles tiram isso? Você sabe. Nestes casos, a realidade se impõe e dá um tapa na cara de todo mundo que caiu na historinha. É uma história constante, a gente já falou de outras aqui no Tecnocracia, como o Second Life ou as compras pela TV. Se você estiver com dificuldades de pensar em outra tecnologia dentro dessa mesma dinâmica, não se preocupe: ela está passando na sua frente agora. É bem provável que você não só tenha ouvido falar nela, mas já a use com uma certa frequência.”

Logo nem sempre os melhores cérebros podem acertar, mesmo estando juntos, e logo a adequação de uma invenção, seja ela produto ou serviço sempre estará sobre o julgamento do seu destinatário, o consumidor.

Os IPOs são um bom exemplo, onde grandes livros de oferta, por mais que estejam detalhados precisam contar com a dinâmica do mercado, com a qualidade de execução do projeto, e principalmente com a atualidade permanente dele.

O caso da Segway, é mais um onde por vezes nos deparamos em que inventores e criadores querem provar suas verdades sem levar em considerar alguns fatores fundamentais:

  1. O valor do investimento e a sua relação custo benefício, afinal como pagar por algo um valor tão elevado se ele é mais lento, e mais caro que uma bicicleta?
  2. Como esperar o sucesso de algo que exige uma certa coordenação motora, equilíbrio e prática?
  3. Como apontar a sua invenção como solução pra micromobilidade onde já existem alternativas culturalmente aceitas, testadas aprovadas e com um custo bem menor?

Como imaginar que um cérebro privilegiado com mais de 400 patentes registradas pudesse falhar?

Como imaginar que aconselhado por cérebros brilhantes como Bezos e Jobs pudesse dar errado?

Mas deu e isso é a principal lição que retiramos mesmo as mentes mais privilegiadas podem falar, logo não sejamos tão rigorosos com amigos, parentes e vizinhos.

Onde estamos vendo irresponsabilidade e ousadia, eles estão tentando construir sonhos, e podem falhar pois nem todos os sonhos se realizam.

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