A tendência da instalação de cadeias produtivas verticalizadas, próximo a locais onde se tenha geração sustentável de energia e de insumos, é uma nova oportunidade, e a sua criação está contemplada no texto da Reforma Tributária
A tendência mundial, empurrada pela ampliação de índices de sustentabilidade na cadeia produtiva de produtos e serviços, vai ganhar na Reforma Tributária Brasileira um aliado. Essa necessidade das indústrias desenvolverem cadeias de abastecimento mais sustentáveis, deve alterar a geografia econômica de muitas cadeias produtivas, obrigando essas empresas a se instalarem em locais que permitam isso, e essa condição recebe o nome de “greenshoring”, o que só coloca luz aos dispositivos da Reforma Tributária que alteram o texto constitucional, e que devem criar uma política nacional de tributos, voltada para integração de cadeias produtivas, verticalmente ligadas e ambientalmente sustentáveis.
O Brasil vai lentamente se beneficiando dessa tendência, e tem na produção em grande escala de energia sustentável, e principalmente em dispor de uma grande oferta de energia solar, eólica e hídrica, e ainda de hidrogênio verde, que no momento engatinha mais que já ganham gigantescos investimentos.
Afinal, entre os muitos avanços que a Reforma Tributária aprovada na Câmara e em trâmite no Senado, deve propiciar é a mais do que necessária primazia dos conceitos de sustentabilidade no Sistema Tributário Nacional.
O evidente impacto humano e seus modos e modelos de consumo, tem transformado a Terra com tanta intensidade que os cientistas argumentam que entramos em nova era geológica, o Antropoceno, o que um recente artigo do Financial Times reforça.
Muitas das alterações do Texto da Magna Carta, acompanham a lógica de que só existe desenvolvimento se ele for sustentável, e o papel do Estado definidor de políticas pública e de estimulador da iniciativa privada, é celebrar dentro da Magna Carta um Pacto Social pelo desenvolvimento sustentável, refletido também no Sistema Tributário Nacional, a partir da Reforma Tributária, de forma ainda mais explícita.
Mais recentemente, dentro do conceito de economia circular, as empresas reconsiderarão como desenham laptops, móveis, tênis, telefones móveis, produtos de limpeza e até jeans. Em vez de vender e esquecer os produtos, as empresas usarão os produtos como oportunidades para a contínua criação de valor e para relacionamentos duradouros e contínuos com os clientes, e claro estarão dentro dessa cadeia, alimentadas por energia renovável.
E logo as políticas de incentivos fiscais precisam ter a sustentabilidade como norte, o desenvolvimento desde que seja sustentável, a geração de emprego desde que seja sustentável, a inovação desde que seja sustentável.
A Emenda Constitucional, aprovada inova em muitos dos seus dispositivos, como no artigo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – …….
……
§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente.” (NR)
O equilíbrio e a defesa do meio ambiente, o que abre espaço sobre uma tributação ainda maior sobre produtos poluentes.
Tente imaginar sistemas de coleta seletiva de resíduos estimulados por uma cadeia produtiva verticalizada? Tente imaginar um grande distribuidor de produtos de limpeza substituindo suas embalagens descartáveis por repositores dos líquidos nos supermercados, sem a necessidade de milhões de embalagens diariamente nos nossos lixos. Se você tem alguma dúvida sobre o potencial econômico do que se joga fora, pare a leitura desse artigo por alguns segundos e veja que a maior parte do lixo da sua casa é composta de embalagens de todo tipo de produto, e logo esqueça a reciclagem de forma isolada, pois a economia circular é bem mais do que isso.
As externalidades não sustentáveis de produtos e serviços, precisam ser enfrentadas, e como sugere em seu trabalho Chatham House, think tank do Reino Unido: a “regulação inteligente” das externalidades: Medidas fiscais, tributação e incentivos para precificar as externalidades associadas com o uso de recursos, resíduos e poluição, e encorajar os proprietários a repor em circulação materiais e ativos. Regulações de fim de vida, como as existentes na UE, no Japão e na Coreia do Sul, com o propósito de melhorar as taxas de remanufatura e reutilização. Padrões top runner, de alta eficiência, que definem paradigmas de desempenho mínimo, que se tornam cada vez mais rigorosos com o passar do tempo. Esse processo encoraja a inovação e exclui do mercado bens ineficientes ou problemáticos. Padrões de abastecimento para agências do setor público e departamentos do governo. Essa iniciativa pode criar ou expandir mercados para bens mais sustentáveis. Apoio público à inovação, definindo políticas para encorajar investimentos do setor privado. Desenvolvimento de arcabouços jurídicos para analisar as implicações legais de iniciativas colaborativas e cooperativas, inclusive defesa da concorrência e proteção de dados. “Stewardship do produto” e “reponsabilidade estendida do produtor” pretendem estimular os produtores a assumir responsabilidade por todo o ciclo de vida do produto, abrangendo produção, uso e fim de uso. Responsabilidade estendida do produtor (REP) é a imposição de que o fabricante seja responsável pelo produto desde a embalagem até a gestão do fim de uso. Stewardship do produto pode ser voluntário ou compulsório, por força de lei, e envolve o fabricante e um grupo mais amplo de stakeholders, como fornecedores, varejistas e consumidores.”. É nisso que se assenta a tendência Greenshoring quando analisa a sustentabilidade da cadeia de um produto ou serviço e a energia que o alimenta.
Nesse momento a precocupação reside no fato da venda de insumos reciclados passar a ser tributada integralmente pelos novos tributos (IBS e CBS), a uma alíquota que vem sendo estimada (ainda não oficial) de aproximadamente 25%.
Para um setor já bastante fragilizado, com pequena margem de lucro, com poucos investimentos e incentivos públicos e que, sobretudo, não terá crédito dos novos tributos em suas aquisições (em razão de os materiais recicláveis serem adquiridos substancialmente de pessoas físicas), a imposição de tamanha carga tributária trará impactos extremamente negativos ao setor, mas isso não encontra lógica dentro dos princípios que foram alterados no texto, por isso entendo ser ainda muito cedo, o que não retira a necessidade da atenção na regulamentação dos dispositivos.
A reforma, na expectativa de uma economia circular, precisa reforçar o ato cooperado, e dessa maneira estimular esse segmento fundamental no processo de reciclagem, e reuso. Em que pese o texto fazer menção à necessidade de norma específica prevendo o adequado tratamento tributário às cooperativas, não há qualquer indício se tal tratamento será efetivamente implementado pelo legislador e, muito menos, de que forma, gerando ainda mais insegurança.
Só para efeito exemplificativo, um smartphone usa cerca de 40 metais diferentes, além de vários tipos de plásticos. Recursos: técnicos Elementos de terras raras (REE), incluindo neodímio, tântalo e lantânio, são materiais essenciais para produtos como smartphones. O lantânio em LCDs destaca as cores brilhantes, e os ímãs de neodímio acentuam o desempenho dos autofalantes e das unidades de vibração. Os smartphones usaram 42% da produção global de tântalo em 2010. A reciclagem desses elementos é extremamente difícil. Os telefones móveis contêm elementos de terras raras, além de outros materiais valiosos, como ouro e prata. Em 2012, a Ellen MacArthur Foundation estimou que os 160 milhões de telefones móveis descartados e não recolhidos representam perdas materiais de US$ 500 milhões, com pouca reutilização ou remanufatura de componentes.319 Os mercados secundários (para dispositivos usados) estão crescendo, mas, por volta de 2012, correspondiam a apenas 6% do mercado primário. Um estudo da Yokohama Metal Co, do Japão, destacou o rendimento em ouro gerado por uma tonelada de telefones móveis descartados, equivalente a 150 gramas, em comparação com apenas 5 gramas produzidas por uma tonelada de minério de uma mina de ouro média.320 A mesma tonelada de telefones móveis descartados também contém outros metais, inclusive cerca de 100 quilogramas de cobre e 3 quilogramas de prata, dados destacados no livro “Economia Circular: conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa” de Catherine Weetman, Afonso Celso Cunha da Serra.
É com esse olhar de defesa dos recursos naturais finitos e da sua extração controlada, que as novas políticas precisam olhar, de forma que possamos recuperar esses minerais e consumir o mínimo possível dos recursos naturais nessa cadeia de negócio.
Os recursos naturais são finitos, e o crescimento populacional previsto para os próximos anos, com novas pessoas entrando em faixas sociais de consumo intensivo, em países como a China, Índia entre outros grandes contingentes faz dessa combinação um inevitável caminho para o redesenho da economia mundial.
Apenas a existência da lei, em si, não significa sua aplicação eficaz, a gestão pode ser insuficiente ou inadequada, e talvez os sistemas não sejam bastante eficientes, mas é no mínimo um ponto de partida.
Em que pese o desenvolvimento produzido pela Revolução Industrial promovendo um ciclo de prosperidade gigantesco, nela não foi considerado o passivo ambiental gerado, uma conta que as novas gerações estão sendo chamadas a pagar.
Artigo publicado originalmente no site www.jusbrasil.com.br, em 15 de setembro de 2023.