No carro, na volta da festa, foram poucas as palavras dele, além é claro das costumeiras orientações do trânsito, de quem carinhosamente cuida da segurança dos seus. Por sua vez ela não parou um só instante de falar, e repetir as mesmas frases que iniciaram na festa. Depois de dançarem muito por toda noite, e ela por ciúmes, resolver ir embora.
Na casa as reclamações continuaram, e ele com a disciplina de sempre foi ver se as portas estavam trancadas, se nenhuma janela ficou aberta, se o cachorro tinha comida, e se a cozinha estava em ordem, tudo na rotina de um dedicado marido.
Ele entra no quarto e ela continua de forma irascível sua cantoria de ciúmes, já era tarde, mas era evidente que o ciúme havia lançado sua flecha negra. As causas eram sempre as mesmas, o olhar de inveja e de desejo das “amigas” diante do seu parceiro, que educadamente tratava todos e todas sempre bem, o que pra ela era sinônimo de flerte, e não importa pois se existe uma tênue linha entre o flerte e a educação e o ciúme trata de apagar essa linha divisória, levando a narrativa fática para o lado que pior lhe parecer.
Era óbvio que onde quer que ela o levasse, não faltavam comentários maldosos, daqueles que não se preocupavam a entender e respeitar, mas apenas em condenar e construir a pior das visões sobre aquela relação. Era um misto de inveja, desejo e incompreensão, tudo junto e misturado nesse universo de tecnologia e sentimentos, onde cada louco constrói sua versão, boa ou ruim, simples ou complexa.
Depois de cansar de tanto reclamar, ela escolhe a melhor roupa de dormir, se deita e no esforço de estender a bandeira branca para o melhor momento do casal, o chama para cama. Ele um tipo físico hollywoodiano, inspirado na melhor versão que o cinema já produziu, e com a compreensão que a Inteligência Artificial lhe proporcionou, em tom calmo e com a voz sexy, quase que temeroso, lhe responde: “Meu bem, hoje não vai ser possível, pois toda minha bateria foi consumida na festa, em que dançamos a noite toda. Por favor me coloque para carregar agora.”
George, o robô, em breve poderá estar em muitas das casas mundo afora, um lançamento com o que de melhor a indústria pode produzir, e logo virão “Brads, Keanus e claro, as mulheres, Julias, Camerons e claro, pois gosto não se discute, virão as Anittas.
O texto ficcional acima é inspirado no que a indústria vem produzindo e que em menos de 10 anos estará em muitos dos lares, robôs no papel de maridos, esposas ou simplesmente amantes. Profissionais do sexo, cuidadoras, tudo que tiver mercado para vender.
Programados com inteligência artificial, eles identificam no parceiro (o proprietário) através do reconhecimento facial todas as manifestações de sentimento, e com o registro das expressões do batimento e da temperatura, ofertam o que de melhor a inteligência artificial pode produzir. Parceiros que evoluem de acordo com a sua necessidade, sendo sempre melhores amantes, companheiros, e tudo que a criatividade e a ciência possam produzir, e claro embalado com a face do seu artista favorito. Afinal, quantos na vida real já não escolheram um namorado(a), marido ou esposa que lembra algum artista ainda que a quilômetros de distância?
Um mundo louco? Sem dúvida que sim, e por vezes perturbador, mas não é de hoje que homens procuram em máquinas e artefatos a sua satisfação, físico ou mental, que o diga o mercado de sexys shops.
Recentemente, um engenheiro chinês, especialista em inteligência artificial, casou-se com uma “mulher” criada por ele. Ele declarou amor eterno a uma representante do sexo feminino em que decidiu como seria cada parte de seu corpo. Teve como testemunhas sua mãe, amigos e companheiros de universidade. Na ocasião, o rapaz, de 31 anos, disse que mantinha um relacionamento razoavelmente curto com sua senhora, a robô Yingying, mas a paixão foi avassaladora. Depois de três anos (aparentemente tiveram tempo para se conhecer melhor), ele pediu sua mão em casamento. Como o enlace foi na China, não há legalidade na cerimônia, pois o relacionamento entre humanos e androides ainda não estão contempladas na legislação chinesa, imagino que considerando os controles de natalidade e a possibilidade do governo chinês ter mais uma base de dados da sua população, esse quadro pode mudar em breve. Que mundo é esse? Você deve estar me perguntando.
Segundo as leis da robótica, a única coisa que nenhum tipo de robô pode fazer é prejudicar um ser humano, já que o software não está programado para isso. Abordamos aqui dois aspectos, nesse nosso texto damos destaque para as relações íntimas entre máquinas e as pessoas, uma intimidade física e emocional.
Diversas são as pesquisas que já estão prevendo essa relação como “normal” com os velozes avanços tecnológicos. Nas pesquisas já publicadas, esse desenvolvimento fornece novas questões relativas à forma como as pessoas percebem robôs projetados para diferentes tipos de intimidade, tanto como companheiros quanto potencialmente concorrentes.
O aumento das sofisticações da IA social, como Siri e Google Home, oferta o que é apenas o início e nos convida à possibilidade de companheirismo digital, entre robôs não físicos e humanos.
Robôs de companheirismo oferecem um caminho promissor de inovação e pesquisa em áreas como cuidados com crianças, cuidados com idosos e determinados ramos da assistência psiquiátrica, prometendo o desenvolvimento de robôs para o alívio da solidão, que é especialmente evidenciada entre adolescentes e idosos, o que pode ser destacado em tempos de isolamento social como derivação da pandemia.
Provavelmente vocês já ouviram falar do aumento de robôs e bonecas que são cada vez mais reais. Os materiais evoluíram, a pele está cada vez mais macia, as feições mais perfeitas e as juntas flexíveis
Com o desenvolvimento da inteligência artificial, a tendência será ter bonecas e robôs que possam ser sensíveis ao toque, com personalidade e capazes de compreender fases programadas, e logo, cada dia mais afinados com seus proprietários.
Já não é mais ficção, isso já é possível, pois desde 2017, foi anunciado a primeira boneca com IA criada pelo engenheiro de nanotecnologia Sergi Santos em Barcelona. Há inúmeros outros exemplos que provam que essa será uma realidade não muito distante.
Mas afinal, é possível legalizar o casamento entre humanos e robôs? Ou ainda, o casamento entre robôs? Para Gary Marchant, que é professor na Lincoln de tecnologias emergentes, de Direito e ética e também diretor do Centro de Direito, Ciência e Inovação na Universidade do Arizona (ASU), a resposta é sim.
Para ele, como a própria Suprema Corte dos Estados Unidos observa “a história do casamento é de continuidade e mudança. Essa instituição evoluiu ao longo do tempo. Casamento inter-racial, igualdade entre marido e mulher, e casamento do mesmo sexo foram todos excluídos por longos períodos de tempo sob a nossa Constituição, mas agora foram sancionados e protegidos pelos tribunais.”
Isso por si só poderia concluir que a decisão do Supremo abre as portas para o casamento entre um humano e um robô? Para o professor a sua análise se apoia em quatro “princípios e tradições”:
1- O direito de cada um decidir e fazer suas próprias escolhas.
2- A Corte diz que “O casamento alivia o medo universal da solidão. Ele oferece a esperança de se ter companheirismo e compreensão e certeza de que enquanto ambos ainda estiverem vivos poderão cuidar um do outro.” Robôs estão sendo desenvolvidos para cuidar de humanos, portanto também atendem ao critério da Corte.
3- O casamento resguarda crianças e famílias. No futuro, poderia um robô ser um bom pai? Ser um pai eficaz? Certamente. Por que não?
4- O casamento é “fundamental para muitas práticas jurídicas da vida moderna, como herança, direitos de propriedade, acesso hospitalar e cobertura de seguros”.
É fato que que embora hoje poucas pessoas possam imaginar ou aceitar uma intimidade entre o homem e o robô, a medida que os robôs se tornam mais sofisticados e mais parecidos com os humanos, mais pessoas acabam encontrando na máquina o parceiro que lhe completa. Da sensibilidade sintética da pele que evolui muito rapidamente, a inteligência artificial que tudo grava e aperfeiçoa.
Claro que não faltam riscos legais e tecnológicos, como a responsabilidade civil dos robôs ou a necessidade da proteção do conteúdo íntimo relacional entre as máquinas e seus donos, pois eles terão em sua memória toda intimidade possível e imaginável.
No Japão e sua sociedade asséptica e de poucos afagos, as vendas já aumentaram 600%, junto com as vendas as funcionalidades desses robôs, desde sexo, serviços domésticos, aconselhamento. O que para os autoritários ajudam é o fato dos robôs possuírem o botão de liga e desliga a qualquer momento, pondo fim a qualquer possibilidade de DR (discussão de relação).
É óbvio que o que move isso tudo é o interesse comercial, que ao crescer gera a escalabilidade, e logo, o Japão também já começou a exportar as “mulheres robôs” para outros países, inclusive para o Brasil.
Robôs podem ser maridos, ou esposas?
O quadro, me assusta sim, pois também vejo na cobrança das relações expectativas não atendidas, a tecnologia criou novos e assustadores delírios, onde simples e educadas curtidas podem e ganham o tom que o ciumento ou a ciumenta de plantão quiserem, ao mesmo tempo quem as recebe sempre tem um universo ficcional para interpretar curtidas e comentários. Tudo por vezes tão distante da real intenção de amar e se dedicar a pessoa amada.
Nem tudo desse novo mundo é apenas bom ou ruim, mas cabe a reflexão, onde estamos e para onde vamos?