FINTECHS, BANCOS E O QUE SE PODE ESPERAR?

Tente imaginar um banco que possa nascer no Brasil com 120 milhões de correntista, e que esse banco, diariamente sabe os sonhos de consumos, dos seus correntistas que escrevem, descrevem e fotografam todas as suas rotinas? Pense que o seu próximo banco pode ser o Facebook?

Pois é exatamente essa a concorrência impossível de bater que os bancos olham pela frente quando veem o Facebook, entre outras plataformas digitais, um número de usuários que é superior ao número total de correntistas de todos os bancos somados e com mais informações que todos eles juntos. Já pensou esses usuários virando correntistas e transacionando entre si sem pagar tarifas administrativas? Ou melhor já pensou se esse banco resolve cobrar R$5,00 de tarifa da conta por mês, e oferta um pacote ilimitado de benefçio para transacionar entre os usuários das suas redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp)?

Nesse momento esse é o verdadeiro pesadelo, para os bancos, e não uma fintech jovem e sem escala, mas sim uma bigtech capitalizada e podendo operar muitos anos no prejuízo.

Por todo o seu potencial, os bancos olham com total desconfiança e medo sim. É claro que banqueiros não irão fazer protestos em frente ao banco Central (como os táxis nas prefeituras), seu corpo jurídico e político é muito mais hábil.

Se reduzir juros e tarifas será um grande ganho, pois ninguém ganha mercado cobrando mais do que já cobram os bancos no Brasil.

Diferentemente das fintechs, empresas como Facebook, Amazon e Apple não surgiram no setor de serviços financeiros, mas de uma outra forma de prestação de serviços tecnológicos e logo, avançaram para outras frentes em busca de obter mais dados dos seus usuários. Após conhecer todo o seu perfil social, querem saber dos seus atos de consumo, utilizando dados e seus onipresentes algoritmos para cuidar agora do seu bolso.

Um setor em transformação acelerada, sempre cria um mundo de oportunidade e isso é o que ocorre no sistema financeiro do mundo, notadamente no Brasil.

Os números podem dar a dimensão da oportunidade, em 1990 o Brasil contava com cerca de 732 mil bancários, para uma população de cerca de 149 milhões de habitantes, hoje com 210 milhões devemos fechar o ano com cerca de 450 mil bancários, isso mesmo, em 30 anos foram fechados quase 300 mil postos de trabalho, com o fechamento de cerca de 1500 agências apenas nos últimos três anos.

Nesse mesmo período saltamos de 250 para cerca de 730 Fintechs, o que dá uma dimensão da mudança.

Apenas os grandes bancos privados fecharam em 2020 mil agências e cortaram 11 mil vagas, que com a digitalização dos serviços bancários, acelerada pela pandemia do novo coronavírus, fez acelerar a tendência, pois em 2019 os mesmos bancos já haviam fechado 430 agências e cortado 7 mil vagas.

Além de empregos esse movimento reduziu uma enorme quantidade de espaços ociosos, à medida que eles se tornam cada vez menos necessários, os bancos também têm feito um esforço para usar essa presença física para prestar um serviço ao cliente e logo, alguns deles estão transformando espaços ociosos de agências em coworkings para o cliente, transformando esses espaços em unidades de negócio.

Como muitos contratos têm um período de locação grande, ou até mesmo são prédios próprios, os bancos estão redesenhando esses locais para outras atividades.

Curioso é que o consumidor entende que é preciso ter uma referência física de agência, ainda que ele pouco vá até aquele espaço, pois segundo uma pesquisa de 2019 do Instituto Qualibest, 81% das pessoas considera importante a existência de agências físicas, mesmo que a frequência das visitas seja baixa e cerca de 70% dos entrevistados disseram que vão cerca de uma vez por mês a uma agência física. É óbvio que essa presença física pode estar dentro de um coworking ou de outro modelo imobiliário.

O fato é que todos querem ser cada dia mais digitais e isso implica em derrubar paredes e ceifar empregos, tudo em nome da redução de custos e melhoria dos já polpudos resultados.

Os bancos digitais vieram pra ficar e todos querem ser seu banco, como já disse em diversos artigos, no Brasil as maiores referências dessa tendência são Neon e Nubank, fintechs que hoje tem tamanho de gente grande.

Afinal, graças a essas referências os brasileiros se acostumaram com algo impensável no início da década: ter uma conta bancária totalmente digital, sem agência nem gerente para tomar cafezinho e controlar suas finanças pelo celular. Agora, uma série de novas startups está de olho em como trazer a revolução dos bancos digitais para as pessoas jurídicas (PJ), se o primeiro foco foram as pessoas físicas, agora são as pequenas empresas e os microempreendedores que estão nesse foco. Todos com o único propósito atender desbancarizados que eram deixados de lado pelos grandes bancos.

Para se diferenciar dos bancos, a maioria das startups aposta em integrações e parcerias. Em quase todas, a conta digital da empresa permite, por exemplo, que o empresário conecte as informações financeiras com sistemas de contabilidade, gestão de clientes e de pagamento de funcionários, ou seja, os ERPs vão de brinde.

Entre as parcerias, há créditos para quem precisa de computação em nuvem ou desconto em serviços terceirizados. A inspiração das fintechs para pessoa física (PF) surge também na transparência com o usuário: em vez de um pacote de serviços, muitas delas oferecem conta gratuita e cobra o usuário pelo que ele usar, ao invés dos tradicionais pacotes fechados que o seu gerente pode lhe empurrar, e onde uma emissão de boleto ou uma transferência TED custam R$ 2, por exemplo. São pacotes customizados de serviço que aumentam de valor conforme o uso.

O desafio para as Fintechs é enorme, pois elas precisam além de vencer o preconceito, provar que podem ofertar um pacote de serviços robustos, igual ou melhor do que os grandes bancos.

Vejamos o caso dos cartões de crédito, que mesmo com as famílias em dificuldades para fechar as contas durante a pandemia de covid-19, e em meio à retração da atividade e ao desemprego, o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito subiu 7,8 pontos porcentuais de setembro para outubro, conforme divulgou o Banco Central.

Acredite, a taxa passou de 309,7% para 317,5% ao ano, como não se sentir estimulado a entrar nesse jogo diante desses aviltantes números? Com a carência de recursos, as famílias aumentaram a demanda por algumas linhas de crédito nos bancos, e estes não perderam essa oportunidade para melhorarem seus resultados.

Segundo o BC, a taxa da modalidade rotativo regular passou de 268,1% para 285,7% ao ano, de setembro para outubro. Nesse caso, são consideradas as operações com cartão rotativo em que houve o pagamento mínimo da fatura.

A taxa de juros da modalidade rotativo não regular passou de 336,8% para 339,4% ao ano. O rotativo não regular inclui as operações nas quais o pagamento mínimo da fatura não foi realizado.

No caso do parcelado, ainda dentro de cartão de crédito, o juro passou de 142,0% para 148,6% ao ano. Considerando o juro total do cartão de crédito, que leva em conta operações do rotativo e do parcelado, a taxa passou de 62,4% para 61,2%.

Todos esses números explicam o interesse dessas centenas de fintechs e mais que isso o motivo de se redesenhar esse mercado.

Nesse momento, sacar dinheiro é uma operação realizada por 62% dos clientes que frequentam as agências, algo que mudou muito nesses tempos de pandemia, onde a experiência digital para muitos se tornou obrigatória.

Com a Lei nº 12.865/13, que alterou o Sistema de Pagamentos Brasileiro, permitindo a criação das fintechs, surgiram os primeiros bancos digitais para o público geral. A consolidação desse modelo agora provoca uma segunda onda, das fintechs de nichos destinadas para públicos específicos

Vejo o caso da All, que em 2017, criou a Conta Black. Dentro do mesmo conceito, em 2020, surgiram o Pride Bank, para a comunidade LGBTI+ e o Impact Bank, focado em ONGS. Em janeiro último surgiu o Z1, conta digital para a geração Z (menores de 18 anos). Tem também o Leftbank, para simpatizantes de causas de esquerda.

Em muitos casos, a fintech surge não só com o propósito de oferecer serviços bancários digitais. Ela trabalha um passo além do crowdfunding, o financiamento coletivo. Como o Impact Bank, que reverte 0,01% dos lucros para um fundo que apoia ações do terceiro setor na Amazônia.

Vejamos o caso da Z1, a fintech é uma versão brasileira da americana Greenlight, nela o principal produto funciona como um cartão de crédito comum na hora da compra, principalmente online, só que com saldo pré-pago, focado na educação financeira, destinada a menores de idade, por isso a ativação da conta é feita pelos pais ou responsáveis.

Mas acima de tudo o foco precisa estar alinhado a inovação, no setor financeiro.

Imagine que desde o caso do PayPal em 1998, desenvolvendo novas estratégias para adaptar o funcionamento do banco tradicional aos novos contextos definidos pela permanente adoção de novas tecnologias pelo mercado.

Para muitos, seria basicamente, desenvolver uma mentalidade hacker: se a operação bancária pré-existente não se adaptar bem aos pagamentos pela internet e é um incômodo quando você quer pagar algo, por exemplo, na então muito popular PayPal, desenvolvemos uma nova operação que nos permite fazê-lo facilmente, e se conseguirmos fazê-lo bem, ele será rapidamente adotado pelos usuários da plataforma. Um hack que dificilmente poderia ter saído das estruturas rígidas e dos departamentos de inovação obsoletos dos bancos tradicionais, focado no mais operacional e no dia-a-dia, e não nas necessidades do cliente. Que os criadores daquela empresa, reunidos na chamada máfia PayPal, seguiram mais tarde, após deixar a empresa, hackear outras indústrias como televisão, guias de restaurantes, microcréditos, comunicação empresarial, automotivo ou mesmo viagens espaciais não é uma coincidência, mas fruto de uma mentalidade desenvolvida então.

Estudar a origem histórica e a evolução das fintechs pode nos ensinar muito sobre como abordar a inovação corporativa. Embora o banco tradicional tenha tentado adquirir tais empresas e tenha preenchido os bolsos de alguns de seus fundadores, a mentalidade que dá origem à diferenciação dessas empresas e à capacidade de preencher lacunas no mercado ainda está, curiosamente, ausente nesse banco tradicional.

Reinterpretar transferências para que o dinheiro não precise se mover em qualquer lugar ou operações bancárias para cobrir um determinado nicho de forma particularmente confortável é algo que, não importa quanto dinheiro o banco tradicional tem, está além de sua compreensão. É simplesmente uma maneira completamente diferente de entender a inovação. E não está disponível para ninguém.

A digitalização do dinheiro já está aqui, e não estamos falando apenas de meios eletrônicos de pagamento, mas de moedas digitais. Cada vez mais movimentos em um processo de interrupção em que você deve ser guiado e ter uma ideia dos diferentes fatores envolvidos. Por algum tempo, veremos várias alternativas: moedas digitais emitidas por bancos centrais, por empresas privadas ou outros tipos… mas diante da arbitrariedade destes e de seu uso para tentar ter mais graus de liberdade para tentar corrigir problemas conjunturais das economias de cada país, o uso de criptomoedas – e o bitcoin como aquele que desempenha um papel mais central entre eles e o que tem mais estradas percorridas – será consolidado como a opção mais lógica.

O mercado financeiro brasileiro, acompanhando uma tendência mundial, viu o número de fintechs explodir. Em 2019 encerramos com 742, segundo o último levantamento. Logo, neste momento já temos no Brasil mais fintechs do que bancos. E o que todo esse movimento representa?

O mercado de tecnologia, como qualquer outro, é movido por oportunidades, e é claro o gigantismo paquidérmico do sistema financeiro, que com a elevada concentração acabou abrindo diversos nichos para setores onde os grandes bancos não exploravam, vejamos por exemplo os desbancarizados que movem esse mercado, são mais de 45 milhões de pessoas, e de que maneira o tradicional mercado com suas altas tarifas resolve isso?

Para se ter ideia da importância das fintechs vejamos o mercado de maquininhas, o mercado de pagamento com cartões de crédito e débito que se caracterizava em um duplo monopólio até o final de 2010, onde apenas duas credenciadoras autorizadas a transacionar as bandeiras mais relevantes do mercado (Visa e Credicard).

Com a abertura em 2010 e posteriormente com a publicação da Lei Federal 12.865/2013, novas Instituições passaram a atuar no mercado de meios de pagamentos desenvolvendo inovações, tecnologias e estimulando a concorrência.

A inovação legal trouxe novos player, como Pag Seguro, Getnet, Stone, entre outros, que com suas políticas agressivas mudaram o modelo do mercado. Afinal, os dois tradicionais líderes no exercício de um duopólio cobravam taxas escorchantes, além de uma série de custos que não levavam em consideração o grau de fidelização.

Um mercado gigante que só em 2019 movimentou cerca de R$ 1,8 trilhão em pagamentos feitos nas modalidades crédito, débito e pré-pago, em violenta transformação, onde a pandemia deve acelerar com o uso cada dia maior de cartões para as compras e pedidos pela internet. Afinal, há uma década os brasileiros pagavam por meios eletrônicos menos de 20% do que consumiam, o que neste ano já passou de 50%.

O curioso é que toda a legislação de arranjos de pagamento foi criada imaginando que as operadoras de telefonia iriam ocupar esse espaço, afinal com mais de 150 milhões de clientes, que hoje usam smartphones, seria natural transformar contas telefônicas em contas digitais, mas aí reside um problema de DNA, perderam tempo e agora vão precisar correr atrás do prejuízo.

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