FACEBOOK, PUBLICIDADE E A SUA PRIVACIDADE

Afinal o que está por traz da queda das ações do Facebook? O que fez com que as ações do Facebook caíssem tão brutalmente, perdendo mais de US$232 bilhões do seu valor?

Primordialmente, o risco representado para a empresa por ter construído a maior parte do seu negócio, em terras que não lhe pertencem.

Quando Zuckerberg impulsionou seus negócios em relação às plataformas móveis, ele o fez em duas plataformas, Android e iOS, que eram de propriedade e gerenciadas por terceiros, ou seja ele depende quase que 100% dessas duas plataformas

Eis que um dia um desses dois decidiu, sustentado pela “defesa e compromisso com a privacidade de seus usuário, mudar a forma como a sua plataforma gerenciava os direitos dos aplicativos que nele funcionavam, e aqueles aplicativos que abusaram da ingenuidade de seus usuários para capturar todos os seus dados, foram severamente limitados.

Logo sem acesso aos dados do usuário do iOS, o mercado diminuiu, automaticamente a grande maioria dos usuários de dispositivos iOS decidiu negar ao Facebook a possibilidade de nos perseguir, nos assediar ou roubar nossos dados pessoais resultantes do uso de nossos dispositivos ou de seus aplicativos, algo que a empresa considerou que estava dentro do seu direito de fazer. Compreender a contradição aqui é fundamental: por muito tempo, as sociedades humanas entenderam que certos dados deveriam ser pessoais e sujeitos à proteção, ou seja, que não deveriam ser usados como critério para segmentar as pessoas. Todas as plataformas que por um tempo dominaram a publicidade, de outdoors a jornais, rádio ou televisão, aceitaram esse critério, e em parte por causa de suas limitações tecnológicas, não tentaram ir mais longe. Até que o Facebook chegou, e começou a permitir que empresas que anunciavam em sua plataforma fizessem o que quisessem com as informações de seus usuários, e não faltam escândalos na última década do mau uso desses dados, que vão das eleições dos EUA ao Brasil.

Até então absolutamente tudo estava à venda, assim o face vendia seus dados da forma mais detalhada possível: variáveis explícitas, implícitas. Se você estava grávida, se você gostava de um certo tipo de música, se você tivesse se divorciado, se você fosse solteiro, casado ou viúvo, ou se você tivesse câncer.

Obviamente, os anunciantes alucinaram com essas novas possibilidades, e lançaram-se para construir suas campanhas no Facebook e em suas propriedades com absoluta fruição. A partir desse momento vem o aumento do valor da empresa, gerado por milhões de empresas que entenderam que nenhuma outra plataforma lhes proporcionou um sniper tão preciso, tente imaginar a evolução dessa precisão com o crescimento pelo Metaverso nas mãos e liderança do Facebook?

Durante esse período, muitos foram aqueles que começaram a construir seus negócios na plataforma do Facebook, por conta de Mark Zuckerberg, e que também aceitaram de forma calada todas as mudanças que ele estava fazendo.

E com o tempo as ferramentas do Facebook iam reduzindo o alcance das suas páginas com o único propósito de forçar você a anunciar no Facebook tendo um conteúdo patrocinado, afinal se no início celebridades nasciam nas redes socias de forma espontânea, esses tempos acabaram.

Para um anunciante no Facebook e suas propriedades, o que Zuckerberg diz vai para a massa, e é aceito sem mais delongas. O que vamos fazer, qualquer coisa vai para continuar tendo acesso a essa plataforma que nos dá segmentações que ninguém mais pode nos dar. Mas, claro, isso implica que sua empresa está construindo seu negócio de publicidade na terra de outro e com as regras de outra, com tudo o que isso implica. Durante essa época, todas as empresas que anunciam no Facebook adotaram a maior das frouxidões éticas, afinal o Facebook sempre teve anunciantes pouco preocupados com a fonte dos dados, mas sim com o resultado das suas ações comerciais, e assim “as favas com a ética”, algo bem comum em muitos empresários que varrem sua sujeira para debaixo do tapete.

Assim como quero continuar anunciando no Facebook, aceito que a empresa não só muda periodicamente as regras para mim à vontade, mas também que se torna uma ferramenta para desinformadores, manipuladores, serviços de inteligência, agências dispostas a fazer qualquer coisa ou mesmo genocida. Não vamos esquecer: todo o mal que o Facebook fez com a humanidade, que é muito, foi financiado com a cumplicidade, docilidade e dinheiro das empresas que lá anunciam. Quando seu negócio anuncia no Facebook, você não está apenas anunciando: você está tomando uma postura ética. E para aqueles que dizem “não, não é uma questão de ética, é que me dá o melhor e mais barato alcance”, você sabe: princípios éticos não são gratuitos, e o que o Facebook fez com o dinheiro que lhes foi dado está lá para todos verem.

O que aconteceu agora? Fundamentalmente, esse karma é um mau bug, e que veio lembrar Zuckerberg, que apertou todos aqueles que montaram seus negócios de publicidade em sua plataforma, que uma boa parte da plataforma em que. Facebook e suas propriedades foram estabelecidas também não era dele. E que suas regras podem mudar. Quando a Apple mudou suas regras, o Facebook antecipou o dano ao seu negócio em dez bilhões de dólares. É muito dinheiro, até para o Facebook. Mas o que é pior, isso também implica que quem anuncia no Facebook, agora tem campanhas que não podem mais ser segmentadas com base em muitas variáveis de todos aqueles usuários que usam iOS e que decidiram, como uma imensa maioria, negar pão e sal do Facebook.

Dessa forma, as suas campanhas são muito piores, deixando de atingir com mais precisão o público alvo, ou se utilizarmos uma linguagem do segmento, “as campanhas convertem menos”.

É claro que o preço não muda, com isso se gasta muito mais para atingir menos.

E o que representa esse prejuízo na queda do Facebook? Para se ter uma ideia do que isso significa, todas as empresas listadas na B3, a Bolsa brasileira, hoje são avaliadas em aproximadamente US$ 750 bilhões, considerada a cotação do dólar de ontem. Ou seja: em apenas 24 horas, o Facebook perdeu o equivalente a um terço da soma de todos os negócios de capital aberto no Brasil.

Mas tratando ainda da publicidade segmentada, do marketing digital nas páginas das redes sociais, do Facebook (Facebook, Instagram, e WhatsApp), se sua empresa anuncia nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália ou Japão, países em que o iOS domina o mercado, isso significa que você vai sofrer ainda mais. Uma boa parte da publicidade que você projetou com tanto cuidado para atingir seu alvo agora presumivelmente irá para o lixo. A qualidade do seu alvo cai horrivelmente, mas o Facebook continuará a cobrar como antes. Se sua empresa está em boa parte da Europa, na África, na China ou na América Latina, onde o iOS é mais minoritário, por um tempo você vai acreditar que tudo isso não te afeta, e como a ética já havia mostrado que você não se importava muito, você continuará a anunciar no Facebook e suas propriedades como se nada tivesse acontecido.

Mas não se preocupe, a coisa não para por aí: o Android chegará em breve, ou seja, o Google, e você verá que modificar as regras de sua plataforma para imitar em certa medida o movimento da Apple pode ser muito lucrativo, e oferecerá aos seus usuários a possibilidade de dizer não ao Facebook.

Por outro lado, os reguladores correspondentes chegarão e dirão, como já estão dizendo, que segmentar usuários por determinadas variáveis que constituem informações pessoais protegidas, simplesmente, não pode ser feito.

Como de fato, os usuários já vinham dizendo há muito tempo: que todos aqueles anúncios hiper segmentados eram maus, que não os queríamos, que nos incomodavam poderosamente e que nos lembravam que estávamos sendo miseravelmente espionados. Tanto os usuários quanto os reguladores agora dizem que queremos mais controle sobre nossos dados, e que não sentimos que sua empresa nos segmente com base em cada tipo que damos, cada artigo que lemos e cada comentário que escrevemos.

A queda do Facebook, portanto, não é conjuntural, mas estrutural, como já se sentia a queda na qualidade da maioria do seu conteúdo, afinal um dia cansamos de ler fake news, quando essas profecias de falsos mitos não acontecem.

A mensagem é clara: se o Facebook e suas propriedades compõem uma parte significativa do seu orçamento publicitário, deixe de pensar em procurar um plano B. E a propósito, aproveite e reflita um pouco sobre seus princípios éticos.

Isso apesar de a queda de usuários ter sido discreta. O Facebook perdeu cerca de 500 mil clientes ativos diários – mesmo assim, 1,929 bilhão de pessoas ainda acessam a rede todos os dias. A queda foi maior na África e na América Latina, mas houve retração também no Canadá e nos EUA.

O declínio parece também, ser consequência da perda de relevância do Facebook entre jovens. É um problema reconhecido pelo fundador e presidente executivo da empresa, Mark Zuckerberg. “O TikTok já é um concorrente grande e também continua a crescer em um ritmo bastante rápido”, disse o executivo, avisando que já sentiu o golpe.

Porém lembro que apesar da queda em usuários diários, o Facebook cresceu sua base de usuários mensais ativos nas plataformas do grupo (incluindo WhatsApp e Instagram), registrando 2,91 bilhões, alta de 4% na comparação com o mesmo período de 2020, mas não o suficiente para agradar ao mercado financeiro, que esperava o número de 2,95 bilhões.

O que acontece no universo digital, pode ser um divisor de águas entre as empresas que respeitam e as que não respeitam a sua privacidade, e que sabem que seus dados lhe pertencem e não são produtos delas até que você aceite. Vai aceitar?

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