Se tem algo que aprendi durante o período que morei na China, é que lá todos sabem exatamente a força da mão do Estado Chinês, que hora te impulsiona, hora te destrói.
Não à toa, nos últimos dias o Governo de Pequim ordenou que 3 empresas suspendam registros de novos usuários e disse às lojas de apps que removam o serviço da Didi (dona da 99 aqui no Brasil) de suas plataformas.
Nesse instante a China avança em sua campanha para ampliar o controle, freando assim o poder das empresas do setor de tecnologia. Que o diga o enquadramento do Alibabá(a Amazon Chinesa). Além do aplicativo de transporte Didi Global, o governo chinês incluiu outras duas empresas que recentemente abriram o capital em Nova York, o que para muitos representa um duro golpe contra investidores globais, enquanto aumenta o controle sobre dados online confidenciais, só para lembrar na China os dados pessoais pertencem ao “Estado”.
Numa sequência de notícias, que se intensificaram na semana passada, atravessando o oceano e ganhando o mundo, o governo de Pequim ordenou que as três empresas suspendam os registros de novos usuários e disse às lojas de aplicativos que removam o serviço da Didi de suas plataformas. A investida regulatória vem poucos dias depois de a gigante de aplicativo de transporte ter completado uma das maiores listagens dos EUA na última década e semanas após a estreia de outras empresas visadas: a Full Truck Alliance e a Kanzhun.
O resultado foi uma derrubada no valor de muitas empresas de tecnologia chinesa, e logo investidores responderam com a venda de ações chinesas de tecnologia em Hong Kong. As ações do SoftBank, que investe na Didi e na Full Truck, caíram para a menor cotação em sete meses em Tóquio, isso para se ter a dimensão do que pode vir pela frente.
O alibaba recebeu o primeiro e duro aviso, o que já havia os observadores da China atentos para os próximos passos, ligando seus alertas para os choques regulatórios(intervenções) desde que o governo de Pequim suspendeu em novembro a oferta pública inicial da Ant Group, de Jack Ma.
A medida contra a Didi e outras empresas de tecnologia traz uma nova dimensão, segurança cibernética, a uma campanha que até agora tinha como foco questões de fintechs e antitruste. Em conteúdo publicado pelo jornal Global Times, apoiado pelo Partido Comunista, o editorial disse que o acúmulo de dados da Didi representa uma ameaça à privacidade individual e à segurança nacional, especialmente porque seus dois principais acionistas, SoftBank e Uber Technologies são estrangeiros, mais uma face da guerra comercial.
Muitos acreditam, que o fato de o governo chinês ter como alvo listagens recentes nos EUA pode paralisar o fluxo de IPOs no exterior, que enriqueceram Wall Street e empresas privadas chinesas. Isso poderia, por sua vez, gerar preocupações de uma dissociação econômica entre China e EUA, pelo menos em áreas sensíveis como tecnologia, já que tanto o presidente Xi Jinping quanto o líder Joe Biden tomam medidas para limitar o fluxo de capital e know-how entre as duas superpotências. Ajudar companhias de tecnologia a vender ações em Nova York tem sido um negócio lucrativo para firmas como Goldman Sachs e Morgan Stanley, ambos os principais subscritores do IPO da Didi.
Não tenhamos duvida, que o IPO da gigante chinesa de transporte de passageiros DiDi será, lembrado como um dos mais agitados da história, pois depois de solicitá-lo no início de junho, a empresa, que muitos consideravam desvalorizada em relação às comparáveis como Uber ou Lyft, conseguiu finalmente estrear na NYSE na quarta-feira 30 de junho, e acabou fechando no dia da abertura com um aumento de 16%.
Após o anúncio do regulador chinês, as ações caíram na terça-feira (tivemos um feriado nesse período) mais de 25%,abaixo do seu preço inicial, e fazendo com que mais de 22bi de dólares de sua avaliação evaporassem.
O que representa uma “leve” demonstração de força do governo chinês? Aparentemente, o regulador havia recomendado dias antes que a empresa adiasse seu IPO, mas isso, ansioso para recompensar seus investidores e antecipar uma grande crise de reputação se recuasse, teria decidido continuar com seus planos. A empresa tinha apenas listado como um dos riscos a “possível ação de reguladores descontentes”, algo que dificilmente satisfará investidores estrangeiros que, tentados por seu crescimento, decidiram adquirir suas ações, e que servirão como um aviso de que a China não é “apenas um outro mercado” nem necessariamente se comporta como um.
O fato é que a medida coloca em risco futuros IPOs de empresas chinesas em bolsas estrangeiras: uma coisa é examinar uma empresa, seus fundamentos ou seus negócios, e outra para verificar de forma confiável que o regulador do gigante asiático não anda com meninas pequenas, e não treme em tudo quando se trata de anunciar uma medida tão drástica quanto a retirada de um aplicativo das lojas de aplicativos, por uma suposta questão anticoncorrencial, possivelmente em relação aos sistemas de preços dentro do aplicativo. Ou seja investir em empresas chinesas implica em identificar pormenorizadamente os possíveis riscos regulatórios e políticos do governo chinês.
A ofensiva regulatória contra as big techs chinesas segue o que lentamente vem ocorrendo em todo canto do mundo em maior ou menor grau, ou vamos esquecer da primeira tentativa de se cobrar impostos das grandes empresas de tecnologia promovida pelo encontro dos G7?
Ninguém tem dúvida de que a regulação da grande tecnologia é uma coisa boa e necessária, e certamente veremos isso acontecer em todos os principais mercados mundiais. Porém o desafio da China nascerá da necessidade de explicar aos investidores estrangeiros a operação de um sistema regulatório que, ao contrário do que acontece nos outros grandes mercados, não tem por trás da legitimação de um sistema democrático com separação de poderes, mas uma série de outros fatores que, em geral, são percebidos de forma muito diferente.
A dindi, como as grande empresas de tecnologia chinesa foi beneficiada em seu território por uma política protecionista do governo chinês, que sempre criou muitas dificuldades para empresas estrangeiras operarem por lá, é bom lembrar que anteriormente o Uber já havia desistido de operar na China vendendo seus ativos a ninguém menos que a Didi, empresa rival e que foi considerada como o grande obstáculo para o sucesso do Uber no mercado chinês.
Um pouco antes a mesma Didi havia recebido um aporte de US$ 1 bilhão da Apple. Dessa maneira, com o dinheiro e sem grandes concorrentes, a Didi, pode investir em outros projetos como carros autônomos e ampliar sua atuação para outros países como no Brasil onde ela é dona da 99.
Logo na China as empresas precisam dançar conforme a música, tocada pelo governo Chinês. É bom lembrar que a CAC se reporta a um órgão chefiado diretamente pelo presidente Xi Jinping.
Nesse momento as gigantes de tecnologia chinesas se transformaram em algumas das empresas mais valiosas do mundo, e muito consideram que um fator preponderante para essa valorização também foi a falta de regulação do setor, porém desde 2017, o governo da China começou a elaborar leis para regular as questões ligadas à segurança e privacidade dos dados.
Recentemente a China aprovou a Lei de Segurança de Dados para maior segurança cibernética, cujo objetivo é elaborar uma regulação que garanta proteção de dados individuais. A nova lei, que entra em vigor em setembro, define as regras de como as empresas devem coletar, armazenar, processar e transferir dados.
O governo do Partido Comunista Chinês também estuda a aprovação da Lei de Proteção de Informações Pessoais, que garante maior controle dos indivíduos sobre os seus dados.
Os agentes regulatórios chineses mantêm contato há tempos com muitas empresas de tecnologia para elaborar práticas antitrustes e garantir a segurança dos dados pessoais.
Em abril, a Administração Estatal para a Regulação do Mercado (SAMR, na sigla em inglês) da China condenou 34 companhias por operações monopolistas. A SAMR também ordenou que essas empresas deveriam conduzir inspeções próprias para estabelecer regras antitrustes.
Para muitos que estudam essa questão de perto, a China está incomodada com a enxurrada de IPOs dos EUA por empresas de tecnologia chinesas e está tentando desacelerar a recepção desses IPOs no Ocidente”, disse Hans Albrecht, gestor da Horizons ETFs Management Canada. “Embora os nomes chineses pareçam ter mais valor, sofrerão com esse impacto por algum tempo.”
A mais recente investida do governo chinês contra o setor de tecnologia ameaça esfriar o entusiasmo de investidores quando há cerca de 34 registros pendentes de listagens nos EUA por empresas com sede na China ou Hong Kong anunciadas este ano, segundo dados compilados pela Bloomberg. Essas ofertas ocorrem em ritmo recorde, com mais de US$ 15 bilhões levantados em IPOs desde janeiro em Nova York.
Entre as questões ainda pendentes para investidores globais, líderes de tecnologia chineses e reguladores dos EUA: quais empresas seriam as próximas na mira do governo chinês? E, no caso da Didi, os investidores deveriam ter recebido avisos mais explícitos sobre o escrutínio da China antes do IPO?
Em abril, a Administração Estatal para a Regulação do Mercado (SAMR, na sigla em inglês) da China condenou 34 companhias por operações monopolistas. A SAMR também ordenou que essas empresas deveriam conduzir inspeções próprias para estabelecer regras antitrustes.
Em abril o governo chinês deu às empresas mais de 100 itens de requisitos de compliance cobrindo muitos aspectos, antitruste, dados, publicidade, preços e muitas coisas, indicando a direção.
Essa parece ser mais uma face dessa guerra comercial pela hegemonia tecnológica de um novo mundo, e a China joga esse jogo como poucos.