O foco na inclusão social, e na geração de empregos deve guiar a criação do novo imposto, bem mais do que o propósito arrecadatório.
Se existe algo que estimula a discussão sobre a tributação sobre grandes fortunas são os períodos em que milhões de pessoas percebem a redução do seu poder de consumo, ou seja quando milhões de pessoas notam que estão mais pobres.
Nesses momentos ganham os noticiários a necessidade de fórmulas mágicas que procuram soluções para crises fiscais, que se acentuam por más gestões que criam privilégios para poucas categorias funcionais e que pouco se importam com a eficiência da máquina pública, logo a solução para esses apressados sempre está na elevação da carga.
No caso da nova economia digital, os ingredientes vão além do quadro desenhado acima, pois de fato as novas fortunas construídas pelas big techs acabam por uma série de fatores tendo sim, uma tributação menor, e logo no mundo a fora suregem as propostas de tributação de grandes fortunas e de reforma do sistema tributário, discussão fundamental e que não deve ser reduzida com simplismos.
Recentemente na Espanha o Governo anunciou a criação de um novo imposto sobre grandes fortunas, seguindo uma tendência que já ocorre em outros países da Europa.
No caso espanhol já impostos sobre a Renda e sobre o Patrimônio, um tributo que será extraordinário que será processado com urgência para sua entrada em vigor em 2023 por meio de uma lei específica, conforme exigido pela criação de um novo imposto.
A Espanha é atualmente o único país da UE que aplica um Imposto sobre o Patrimônio Líquido como tal, depois de muitos países terem escolhido aboli-lo nas últimas décadas.
Especificamente, a Espanha tributa com taxas entre 0,2% e 3,5% para contribuintes com ativos acima de 700.000 euros, sem contar 300.000 euros da residência habitual. Os países mais próximos que a mantêm são a Suíça e a Noruega, que não pertencem à UE.
Ao mesmo tempo é fundamental lembrarmos que na França, em 2018, foi abolido o chamado imposto solidário sobre a fortuna, criado em 1989, para substituí-lo pelo imposto sobre fortunas imobiliárias que é aplicado aos contribuintes que têm uma riqueza imobiliária líquida superior a 1,3 milhão de euros, com uma taxa de até 1,5%.
Por sua vez, a Bélgica tributa a partir de 2021 com uma alíquota de 0,15% das contas de títulos que excedem um milhão de euros, enquanto a Itália tem um imposto que tributa 0,76% sobre as propriedades dos contribuintes no exterior e 0,2% sobre investimentos financeiros, embora o novo governo de extrema-direita de Giorgia Meloni possa optar por eliminá-lo.
Um relatório publicado pelo Parlamento Europeu em abril de 2022 sob o título De Solidariedade e Impostos sobre a Riqueza aponta que a implementação de um imposto da UE sobre a riqueza líquida poderia trazer uma arrecadação equivalente a 10,8% do PIB da UE, tributando entre 1% e 4,8% das famílias a uma taxa efetiva de 0,3%. O mesmo relatório aponta que um possível imposto sobre a riqueza, fácil de aplicar e difícil de evadir, tributária o valor de mercado das empresas listadas. O imposto seria pago pelas empresas em dinheiro ou em espécie, por meio da emissão de novas ações, evitando os problemas de liquidez dos impostos sobre a riqueza. Segundo o texto, esse imposto seria “altamente progressivo”, uma vez que a posse de ações está concentrada em famílias com maior poder aquisitivo mais do que outras formas de riqueza, como imobiliárias.
Se consideramos os números de 2020, quando o Brasil possuía 206 bilionários que, juntos, acumulam uma fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão, se o país criasse um imposto de apenas 3% por ano sobre a fortuna de R$ 1,2 trilhão, seria possível arrecadar R$ 36 bilhões anuais, valor superior ao orçamento de 1 ano de todo o programa Bolsa-Família. A soma de toda a riqueza das famílias brasileiras é de cerca de R$ 16 trilhões de reais, estando a quase metade de toda essa riqueza – ou seja, R$ 8 trilhões – nas mãos de apenas 1 % das famílias. Se o país taxasse o patrimônio trilionário dessas famílias em apenas 1%, seria possível arrecadar R$ 80 bilhões, o que equivale ao valor de toda a receita estimada em 2020 para o Estado de Minas Gerais, o segundo mais populoso do Brasil, com mais de 20 milhões de habitantes. Façam as contas: R$ 36 bilhões cobrados sobre a renda dos 206 bilionários (+) R$ 80 bilhões cobrados sobre o patrimônio do 1% das famílias mais ricas (=) R$ 116 bilhões, de fato uma quantia extraordinária do ponto de vista arrecadatório, mas essa é uma análise simplista, quando o valor arrecadação pode se perder pelo caminho no ganho de mais privilégios para poucas categorias.
E se essas alíquotas fossem aplicadas e o valor pudesse ser abatido com créditos destinados a doação de entidades sem fins lucrativos, entidades cujo trabalho estivesse focado no ensino, na pesquisa, na cultura, na saúde e na assistência social? Quanto esses valores moveriam a economia ao invés de ficarem na mão de poucos e raros bons gestores públicos?
De fato aqui eu tento abrir apenas para discussão de um melhor uso dos valores arrecadados, e de fato concordo que as categorias mais privilegiadas são também aquelas que costumam por força da política jurídica, as mais beneficiadas em legislações sob encomenda.
A maioria absoluta dos atuais sistemas tributários do mundo não estão preparados pra economia digital, e sofrem para acompanhar suas mudanças e dessa forma estabelecer uma carga tributária justa.
Ao mesmo tempo que as nações procuram tributara as grandes fortunas e a nova economia digital, também entendem que a carga tributária incidente sobre a economia tradicional já bateu no seu teto.
Nos Estados Unidos cerca de 24 estados já aderiram a medida de estabelecimento de uma alíquota única sobre o IRPF, com a reforma, os primeiros US$ 2.500 em renda serão excluídos dos impostos para a renda individual e os primeiros US$ 5.000 para aqueles que fazem tributação conjunta, ou seja a faixa de isenção do IRPF nos Estados Unidos é de R$ 13.250 para pessoa física individual e de R$26.500 para os casais que declaram juntos, algo bem diferente daqui, mas é claro é preciso considerar o poder de compra da moeda para esse tipo de paridade.
As novas faixas de imposto zero são corrigidas pela inflação, o que garantirá que o aumento gradual das parcelas não resulte em uma maior carga tributária no futuro, aqui a correção da tabela é sempre vista como um benefício o que representa aumento real de carga tributária para o brasileiro.
A pandemia que acelerou a transformação digital no mundo é a mesma que faz com que governos parem pra rediscutir o seu modelo fiscal.
A única certeza que todos temos, é que a pós a pandemia todos de uma maneira quase que geral ficamos mais pobres, e poucos são os que conseguiram ficar mais ricos, e essa lógica fica ainda mais acentuada com a transformação digital.
A possibilidade de ascensão social no nosso caso sempre depende da melhoria nas condições de ensino, e quando a crise faz a evasão escolar explodir, sabemos que o que nos espera no médio prazo é uma piora ainda maior na renda de todos.
Lembro que um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que o Brasil é o país em que terminar o Ensino Superior garante a maior vantagem salarial em relação ao Ensino Médio completo e ao incompleto, entre 37 nações avaliadas uma remuneração em média 144% maior. No entanto, apenas 21% da população entre 25 e 34 anos termina o Ensino Superior, e a escassez de profissionais é justamente a grande causa da valorização: com dificuldade de conseguir profissionais mais qualificados, as empresas remuneram muito bem aqueles que encontram, uma aberração que apenas alimenta a desigualdade. Uma solução paliativa para esse complexo quebra-cabeça de harmonização entre disrupção e desenvolvimento social é uma proposta que tem sido defendida por grandes nomes do empreendedorismo no Vale do Silício, como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Elon Musk, da Tesla Motors: a renda mínima. Seria uma garantia de renda para as pessoas mais vulneráveis, com menor nível de escolaridade, cujos postos de trabalho foram extintos.” Esse ponto que já tratamos em outros artigos, também é defendido por Antonio Salvador e Daniel Castello no seu livro “Transformação Digital: Uma jornada que vai muito além da tecnologia”. Logo na visão fiscalista de muitos uma das opções de distribuição de renda seria a criação de um tributo sobre grandes fortunas.
Sem dúvida que esse é um tema importante do ponto da justiça tributária, pois a maior parte da renda das pessoas muito ricas tende a permanecer na forma de ganhos não realizados, sobretudo em ações, o que acaba produzindo como resultado uma tributação muito mais favorável.
Surge então uma proposta do governo Biden tratando desse tema, o que faz com essa deixe de ser uma proposta da esquerda, na visão delirante de fanáticos por político, que veem em toda proposta distributiva o DNA da esquerda, o que só empobrece esse importante debate. Aparentemente a proposta do governo Biden é uma solução alternativa, operacionalmente mais simples e, em princípio, mais aceitável politicamente (ainda que sua aprovação não esteja assegurada), como destacou Bernardo Appy em recente artigo.
Que faz uma importante ressalva: ”A não tributação do ganho não realizado é um problema menos discutido no Brasil, em parte porque aqui a tributação do lucro se dá integralmente na empresa, e não na distribuição. Mas há, sim, problemas de diferimento ad aeternum da tributação de pessoas de alta renda no País, sobretudo através de fundos fechados e de offshores.
Por isso, e porque a tendência é que o Brasil reduza a tributação do lucro na empresa e passe a tributar a distribuição (aproximando o modelo brasileiro do vigente na maioria dos países desenvolvidos), é importante que estejamos preparados para discutir o tratamento da renda não realizada das pessoas mais ricas. Acompanhar a discussão que ocorrerá sobre a proposta de Biden é um bom começo. Dado o risco de mudança de domicílio fiscal (mais relevante no Brasil que nos EUA), o ideal é que a solução para o problema fosse global, e não apenas doméstica.”
No caso do projeto de Biden, a medida, sob o título de “Imposto de Renda Mínimo dos bilionários”, contempla uma alíquota de 20% ao patrimônio das 700 famílias mais ricas do país. Se tiver sucesso nos termos atuais, representaria uma mudança radical e sem precedentes na política fiscal dos EUA. Por exemplo, isso significaria um gasto extra de US$50bilhões para o fundador da Tesla, Elon Musk, e cerca de US$35bilhões para Jeff Bezos, fundador da Amazon.
A medida afetaria as famílias com um patrimônio líquido de mais de US$ 100 milhões, mas a maior parte do impacto cairia sobre bilionários. O imposto não seria levantado como um acordo anual, mas sim como um pagamento único ou pagamento parcelado que seria então atualizado dependendo de como o imóvel é reavaliado. De fato, o projeto inclui um período de cinco anos para desembolsar o valor de até 20% da renda real, além de um período inicial de nove anos para lucros não realizados em anos anteriores (ou seja, aumentos de capital no valor de ativos não vendidos, como participação em empresa familiar ou ações em empresas listadas).
A Casa Branca defende essa proposta com o argumento de que pelo menos as 400 famílias mais ricas do país têm uma carga tributária abaixo de 8%, enquanto o resto dos cidadãos do país carrega a maior carga tributária. Isso porque nos EUA ele não é tributado pelo aumento do valor do ativo até que o ativo não seja realizado, ou seja, até que ele não seja vendido ou herdado.
(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 28 de Setembro de 2022).
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