Como regular o uso de drones que tudo podem ver? Como proteger a nossa privacidade dessa invasão sobre as nossas cabeças?
A presença de drones no céu das nossas cidades é a cada dia mais significativa, resultante de mais e melhores aparelhos e da ampliação sem fim do uso desses equipamentos, que vai do esporte a utilização para transporte de pequenas cargas e ou de registro de imagens.
Mas quando o assunto é a imagem que esses aparelhos e seus usuários podem registrar aparecem inúmeras duvidas sobre como essas imagens devem ser tratadas, se podem ou não serem registradas e qual a regulamentação para isso?
Afinal quanto vale a sua privacidade? O que você está disposto a abrir mão, em nome da segurança ou de melhorias nas condições de trânsito? Ou até onde vai o direito do proprietário de um drone registrar e gravar imagens da piscina da sua casa, ou da janela do seu quarto?
Com câmeras cada dia mais potentes e de melhor resolução, esses dispositivos devem tomar o protagonismo das áreas urbanas. Essas máquinas podem capturar imagens, cada dia mais sensíveis, com uma profusão de cenas privadas no espaço público? Até que ponto essa invasão do espaço público pela intimidade não o esvazia de questões coletivas, fazendo o nosso foco se voltar para a vida individual?
Em que pese as redes sociais darem muita visibilidade a todos, nem sempre alcançar a visibilidade é um desejo quando não sabemos que estamos sendo filmados. Afinal até que ponto esse desejo de espionar e se expor não tem invadido diversas áreas da vida coletiva, reconfigurando as relações sociais?
Novas tecnologias ocupam o espaço urbano, mas a discussão dos valores jurídicos que regulam a nossa relação social precisa estabelecer esses novos limites.
Precisa ainda, proteger a privacidade através da anonimização na captura dessas imagens; precisa registrar e comunicar que as áreas estão sendo filmadas e registradas para proteção e segurança das pessoas; precisa antes de mais nada, estarem armazenada em bases seguras não sujeita a invasões nos seus registros.
A perda da privacidade não pode ser uma consequência inexorável das novas tecnologias, mas um processo construído com a participação da sociedade civil organizada, como atores que somos da construção desse novo marco legal.
No Brasil o início de 2022 existiam cerca de 93.729 drones registrados junto a ANAC, se considerarmos a grande quantidade de aparelhos adquiridos no comércio e sem registro na ANAC poderíamos ter a dimensão do desafio regulatório e de fiscalização desses equipamentos.
Em janeiro de 2018 eles eram cerca de 33.675, e mais do que triplicaram esse número em apenas 4 anos. Cerca de 40.823 desses drones são registrados como de uso profissional, o que já pode dar a dimensão da profissão de piloto de drone e o tamanho desse mercado que está apenas engatinhando.
Com inúmeros usos, desde aquele comercializados para crianças com pequeno alcance e tamanho até os utilizados para logística, os drones impõe um desafio regulatório e fiscalizatório. Seu uso, é absurdamente dinâmico e vem evoluindo de forma acelerada.
Segundo a ANAC o uso do equipamento para lazer é majoritário, com 53,6% dos drones cadastrados sendo apontados para uso recreativo. Por outro lado, a profissionalização do serviço é crescente, com destaque a atividades como aerofotografia (32,3%), aerocinematrografia (26,7%), aeroinspeção, (13,1%), aerolevantamento (9,4%), aeroagrícolas (7,8%) e segurança pública e/ou Defesa Civil (7,6%), ramos de atividade mais comuns para as aeronaves apontada para uso não recreativo.
Isso é apenas o início, pois em diversos lugares eles servem para monitoramento e apoio ao trânsito, no caso de acidentes os drones chegam antes e podem passar as instruções quando dotados de autofalantes e gravadores de vídeo.
Em locais de difícil acesso como na Amazônia os drones podem ser utilizados para a entrega de medicamentos, bolsas de sangue e soro, desfibriladores ou mesmo órgãos para transplante são questões que nos permitem entender a importância desse tipo de dispositivo no presente e no futuro, de forma associada aos primeiros socorros, seja ajudando na entrega de produtos ou localizando pessoas e animais perdidos na mata.
Do lado militar, é interessante notar, especialmente em consonância com a atual invasão russa da Ucrânia, como a Turquia consegui se tornar uma das grandes potências no desenvolvimento deste tipo de armas, hoje utilizadas pelos ucranianos em sua defesa.
Os americanos também estão trabalhando no desenvolvimento de drones para a vigilância permanente de certas regiões, propondo dispositivos autosuficientes movidos a laser que não precisam pousar em nenhum momento.
No campo logístico, há cada vez mais conversas de drones enormes, grandes como aviões, dedicados ao transporte de mercadorias com baixas emissões, com diversas empresas trabalhando no ramo.
O primeiro disparo que lançou a corrida logística de drones foi, sem dúvida, dado por Jeff Bezos em 1 de dezembro de 2013 quando, em entrevista na TV mencionou que sua empresa estava trabalhando nisso. Antes disso, praticamente ninguém havia falado realisticamente sobre o uso de drones como ferramenta para a entrega logística de mercadorias.
Curiosamente, enquanto a Amazon foi quem, deu o pontapé inicial, não foi a mais rápida a avançar: vários problemas levaram a empresa, depois de investir mais de dois bilhões de dólares e criar uma equipe de mais de mil pessoas em todo o mundo, que ainda não está consolidado, e opera na maioria absoluta das praças em regime de teste. O valor do investimento pode dar a dimensão da expectativa da Amazon na verticalidade da entrega.
Já a Wing, uma subsidiária da Alphabet, foi capaz não apenas de criar o novo serviço, mas de definir três zonas em três países diferentes para testá-lo com a aprovação regulatória correspondente. O mesmo caminho foi seguido pela UPS e Walmart, e de muitas maneiras, essas empresas conseguiram, depois de serem “inspiradas” pela ideia da Amazon, de executar melhor ou mais de forma solvente e se colocarem na frente dela em um ambiente de forte concorrência e muita inovação.
Como o ifood, outras empresas também entraram na corrida pelas entregas por drones. O movimento foi acelerado no mês passado, quando a Anac concedeu a primeira autorização para que a Speedbird pudesse fazer operações comerciais. A certificação permite o transporte de alimentos e outros produtos de até 2,5 quilos em um raio de 3 quilômetros. As entregas podem ser feitas em área urbana, desde que não sobrevoe pessoas.
A tecnologia de drone para fazer entregas já é uma realidade em algumas partes do mundo, como Ruanda e Gana, onde as máquinas permitem distribuir doações de sangue. Em alguns outros locais também começam a ser usados para entregas de varejo, alimentos e medicamentos.
Speedbird é a única empresa a ter autorização da Anac para fazer a logística de entrega por drones, a startup foi criada em 2019.
Dados da Frost & Sullivan apontam um crescimento anual mundial do mercado de 33% até 2023. Segundo a consultoría PwC, o mercado global de drones pode chegar a 127 bilhões de dólares, valor que representa os setores de infraestrutura (41%); agricultura (26%); logística (10%); segurança (8%); entretenimento (7%); seguros (5%) e mineração (3%). Serviços necessários e realizados também por geógrafos, agrimensores, cartógrafos, e muitos outros profissionais que atuam diretamente na produção da tecnologia, na coleta, processamento e principalmente na análise das informações.
Ninguém tem mais dúvida do sucesso e da necessidade dos drones, porém muito do seu uso acaba caminhando por uma zona cinzenta regulatória, que vai da invasão do espaço aéreo, entrando em áreas de segurança até a quebra da privacidade.
Existe um mercado gigante na Dark Web onde são vendidos filmes, cujo conteúdo é a invasão da privacidade das pessoas em seus momentos mais íntimos. Oportunidade e risco caminhando juntas nesse perigoso terreno, com muitos valores jurídicos que ainda não estão regrados, seja no uso privado ou no público.
O Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial 94/2017 regulamenta a matéria. Nele está previsto que aeromodelos são as aeronaves não tripuladas remotamente pilotadas usadas para recreação e lazer e as aeronaves remotamente pilotadas (RPA) são as aeronaves não tripuladas utilizadas para outros fins como experimentais, comerciais ou institucionais.
O detentor de um Certificado de Aeronavegabilidade Especial de RPA – CAER, ou aquele com quem for compartilhada sua aeronave, é considerado apto pela ANAC a realizar voos recreativos e não recreativos no Brasil, com aeronave não tripulada cujo projeto está aprovado, em conformidade com os regulamentos aplicáveis da ANAC, em especial o distanciamento de 30 metros laterais de pessoas não anuentes e a necessidade de se realizar avaliação de risco operacional, dentre outras. É responsabilidade do operador tomar as providências necessárias para a operação segura da aeronave, assim como conhecer e cumprir os regulamentos do DECEA, da Anatel, e de outras autoridades competentes.
Muitas oportunidades podem nascer na regulação dos aeropostos de abastecimento, visto que no embate da autonomia e na ampliação do número de aeronaves será preciso regular esses postos de aterrisagem e de entrega, se serão individuais ou coletivos e quais as características de construção para que acidentes sejam evitados. Ao mesmo tempo certamente essas aeronaves deverão apresentar registro digital de entrega (identificando remetente e destinatário), para que não sejam utilizadas para entrega de drogas e também seguro obrigatório em razão de eventuais acidentes, oportunidades e desafios que o Direito precisa enfrentar.
(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 14 de Novembro de 2022).