Você já se deu conta da sua inserção na chamada economia compartilhada?
Quantas vezes você chamou o Uber ou 99? Quantas vezes já procurou alugar uma casa de praia através do Airbnb? E por ai em diante, são inúmeros os casos de atividades econômicas que se encontram inseridas no conceito de economia compartilhada.
A economia compartilhada nasce antes de mais nada da possibilidade de se ter uso maximizado de ativos (carros, motos, bikes, casas, patinetes, barcos, roupas, calçados) e da monetização desses ativos, que tinham um uso reduzido e que o aumento do seu uso pouco compromete a vida útil daquele bem.
Vejamos o proprietário de carro, que querendo aumentar sua renda o coloca para trabalhar no Uber. Ou que resolve colocar seu carro dentro de uma plataforma para locação como a Turbi, que aluga carros de particulares.
São novos hábitos que surgem de um redesenho daquilo que chamamos de economia disruptiva, que traz consigo a necessidade de edificação de um novo marco legal.
É evidente que nem toda atividade requer um novo marco regulatório, porém alguns ajustes mínimos precisam ser feitos em proteção do usuário desses serviços.
Vamos tomar como referência o serviço de locação de bikes e patinetes, muito similares entre si.
Nos dois casos empresas proprietárias desses ativos (bikes e patinetes) resolvem através de um aplicativo, que precisa ser baixado no celular( primeira fundamentação legal LGPD, afinal são dados sensíveis que serão utilizados no cadastro do pretenso usuário desse serviço, tais como endereço, data de nascimento, meio de pagamento, telefone, e-mail).
Ao baixar o aplicativo, quase sempre funcionando como walet, onde se faz um cadastro de um cartão de crédito, ou na modalidade débito onde se faz uma operação pré-paga.
Nessa primeira relação tudo já está regrado pelo direito atual, na relação consumerista de que adquiri por vouche créditos para usar um bem disponível, logo temos uma obrigação de disponibilizar um ativo, de forma compartilhada com horário e métrica.
Surge ai uma duvida fundamental para descrever a hipóteses de incidência, sendo a empresa contribuinte do IRPJ, PIS, Cofins e CSSL, a pergunta restante seria se estamos diante de uma obrigação de dar ou de fazer? Ou seja se seria ICMS (incidência sobre o serviço de transporte no caso) ou ISSQN( uma prestação de serviço prevista em lista de serviços de natureza taxativa e não exemplificativa). Ou se for serviço e o mesmo não estiver listado, trataríamos de uma hipóteses de não incidência.
Passada a primeira duvida, uma vez que o consumidor já colocou crédito no aplicativo, ou lançou um cartão de crédito, já com limite pré-aprovado, vamos para segunda etapa. Essa bikes podem ocupar os espaços públicos? Estacionar em vias públicas?
Para essa questão nos socorremos do Direito Administrativo, onde as ruas são bens públicos de uso comum, porém naturalmente regrado, ou seja, uma coisa é uma bike particular se locomovendo por ruas e calçadas, mas quando ela decorre de uma relação mercantil entre usuário e aplicativo, ela estaria sujeita então a autorização do poder público municipal?
Como toda atividade laboral sim, é preciso licença dos órgãos municipais fiscalizadores para poder explorar esse serviço. Logo nasce mais uma pergunta qual a diferença de um pipoqueiro que estaciona o seu carrinho de pipoca na calçada para vender suas guloseimas e um patinete de uma empresa particular estacionado para exploração da locação do ativo (patinete/bike)?
Ao meu ver nenhum deles exploram as vias públicas e, para tanto, é preciso licença.
Porém, considerando que as caçadas são vias públicas de uso comum e que a construção e conservação das mesmas é uma obrigação do proprietário do imóvel, quem seria o responsável caso o ciclista tivesse uma queda em um buraco decorrente de uma calçada mal conservada?
Nesse caso a responsabilidade é do dono do imóvel, porém como estabelecer a medida do acidente caso o usuário do patinete não estivesse de capacete?
Vejam o problema nesse novo viés, onde a responsabilidade civil acompanha o dever de conservação previsto do direito administrativo.
E vamos adiante, podem esses patinetes e bikes passarem dias e sobre as calçadas sem o pagamento de nenhuma taxa, ou imposto?
As provocações construídas aqui podem estar presentes em quase todas as novas atividades resultantes dessa nova economia compartilhada, e o desafio do Direito é conseguir acompanhar essas novas relações, que nascem de novos serviços que antes nunca tinham sido pensados.
O mais usual para resolver esse tipo de problema seria um sandbox regulatório, para micromobilidade, o que permitiria que determinadas atividades se desenvolvessem com mais segurança jurídica sem correr o risco de caminharem com um passivo oculto desconhecido, e portanto imensurável. Esse é o preço da insegurança jurídica na economia disruptiva, onde novos modelos de negócios evoluem mais rápido do que a base legal regulatória.
As mudanças são permanentes, e a pandemia apenas acelerou ela em formatos, vejamos por exemplo os números dos Coworking (uso compartilhado de espaços físicos com serviço agregado).
Só em 2019 o crescimento deles foi de 25% no Brasil, presentes em mais de 200 cidades e com mais de 1500 unidades em funcionamento, o Coworking era até o mês de março um dos negócios mais prósperos da nova economia.
Só que no meio do caminho tinha uma pandemia, que transformou esses espaços em verdadeira zona de guerra, fechando ou tendo ocupações inferiores a 10% da média. Alguns deles eram referências mundiais, como o WeWork que, no auge, em janeiro de 2019 foi avaliado em US$ 47 bilhões.
Como pode ficar de pé um modelo de negócio onde o principal argumento de vendas é exatamente juntar um monte de gente de diversos lugares, próximos e com padrões dos mais distintos?
É claro que nesse momento, e durante muitos meses ainda, o negócio vai precisar se sustentar por outras receitas: Secretária Compartilhada, Escritório Virtual, Elaboração e Administração de Websistes, Marketing Digital, Registro de Domínio, Divulgação Online de Produtos e Serviços, Endereço Comercial, Endereço Fiscal, Endereço Comercial + Fiscal, Consultoria Empresarial a distância.
A Pandemia não será o fim do Coworking, mas deve retirar muitos deles do mercado, pois não haverá espaço para estruturas pesadas e alavancadas e muito menos para os que não conseguem ofertar uma gama maior de serviços.
Rapidamente eles vão precisar agregar novos serviços através de parcerias, e focar em agregar valor aos seus clientes sendo muito mais do que um espaço. Para isso será preciso uma reinvenção, afinal, passada a pandemia, muitas das pessoas que experimentaram o home office devem também se instalar no bom e bem assistido Coworking.
As mudanças tecnológicas ocorrem, e o mercado é quem define se elas são úteis ou não, assim foi com a substituição do vinil por CD e agora do CD pelo MP3. Da mesma forma, as locadoras de vídeo que iniciaram com a locação de fitas, depois de CD, hoje enfrentam uma luta inglória com o NETFLIX e tantos outros provedores de conteúdo ondemand.
É obvio que todo rompimento cultural cria e gera resistência por setores privilegiados, das mais diversas formas, e por isso provoca a infelicidade de alguns e a felicidade de muitos, afinal, todo rompimento tecnológico e cultural é sempre vítima de um enfrentamento inicial daqueles que estão muito contentes com o jeito que as coisas estão.
Em todas essas novas tecnologias, empregos foram ceifados, mas por mais duro que isso seja ocorre a lógica do melhor e mais barato que acaba por prevalecer, por isso que em momento algum assistimos a passeata dos defensores analógicos, das viúvas do vinil ou das pensionistas das videolocadoras, porque o ser humano é pelo seu DNA um evolucionista.
O conceito de legal e ilegal aqui nesse artigo, é posto apenas como argumento de recepção ou não do serviço ofertado pelos aplicativos como UBER e assemelhados.
As normas enquanto previsões hipotéticas de conduta, nascem da competência atribuída e distribuída pela Magna Carta que é nossa Norma Fundante, é sobre os Princípios nela previsto que se ergue o universo normativo.
O Art. 1º da Constituição em seu primeiro Enunciado elege os valores sociais de onde se extrai que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: …IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
Eleger o trabalho e a livre iniciativa é imaginar que o desenvolvimento de uma nação ocorre através do trabalho e na iniciativa de através dele produzir o novo, acompanhando todos os avanços que por meio do trabalho e da sociedade coletiva se apresentam para o evoluir social.
Ao mesmo tempo o legislador Constituinte já no Art. 3°, na eleição dos objetivos fundamentais elegeu “construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional”. Logo a inserção do novo, pela inovação tecnológica deve sempre que possível encontrar esses objetivos, por isso os avanços tecnológicos que ofertem novas relações devem estar permeados por esses valores.
É na Magna Carta como valor fundante do Princípio da Isonomia, previsto no Art. 5°, em seu inciso II que o princípio da legalidade nasce como valorativo da isonomia, onde se lê “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
Logo, se a norma não proíbe expressamente ao particular é permitido fazer, visto que o contrato social celebrado pelos cidadãos decorre sempre da norma prescritiva de conduta hipotética.
No mesmo artigo o Legislador Constituinte continua na construção do Princípio da Isonomia, “Art. 5° XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Mais uma vez em plena Norma Fundante a sociedade elege e constrói seu edifício normativo, ao tornar a todos livre o exercício do trabalho, sendo vedado apenas quando o mesmo estiver limitado por lei.
O maior dos desafios talvez seja de ordem cultural em um Brasil de legislações casuísticas, com pressão de setores organizados que não compreenderam que as mudanças vão vir, hoje ou amanhã, o que podemos fazer é criar regras de adaptação escalonadas para essas mudanças.
O universo de regramento da economia disruptiva é transnacional, e é preciso ficar atento aos movimentos do mundo.
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