CURTIDAS, COMPARTILHAMENTOS E A SOLIDÃO DIGITAL

Dizem que a pior solidão é aquela que vivemos a dois, pois a tecnologia conseguiu superar esse conceito, provando que a solidão digital pode ser aquela que vivemos junto com dezenas, centenas ou milhares.

As tecnologias de comunicação progrediram numa velocidade sem precedentes, e logo na primeira década do século XXI, o número de pessoas conectadas à internet em todo o mundo passou de 350 milhões para mais de dois bilhões. Paralelo a isso, a quantidade de usuários de telefones celulares subiu de 750 milhões para bem mais do que 6 bilhões, e como a maioria deles são smartphones a conectividade desses bilhões é imediata, e seu multiuso transforma todas essa gente em uma comunidade interligada.

Infelizmente, como resultado do uso excessivo desses meios para a comunicação, o que ocorre na maioria dos casos é que, mesmo que o indivíduo considere que tem muitos amigos, ele acaba se sentindo cada vez mais sozinho. Como somos vulneráveis à solidão, nos apegamos cada vez mais à tecnologia para tentar preencher esse vazio.

Isso porque as redes sociais trazem a impressão de que você pode passar uma imagem beirando a perfeição; sempre será ouvido e nunca estará sozinho. Assim, muitos passam a querer cada vez mais compartilhar experiências online para se sentirem “vivos” e “fazendo parte de um grande grupo”, e é por essas razões que a tecnologia mudou o conceito de estar sozinho e de sentir solidão.

O problema ganhou dimensões globais, ao ponto de em 2018 o Reino Unido ter anunciado a criação de um Ministério da Solidão, e os números justificam o que parece ser uma piada no primeiro instante, pois nos Estados Unidos, 20% da população afirma sofrer com a solidão, já no Reino Unido, essa é de 33% das pessoas acima dos 50 anos. 

O que muitos especialistas destacam é que a solidão é o gatilho para uma série de problemas de saúde, e também que esse universo digital que deveria nos aproximar, tem contribuído para esse sentimento de solidão. Com tanta conexão não deveria ser o contrário?

Pois é justamente a mesma tecnologia que nos conecta é a que nos torna cada vez mais nos afastando.

As redes sociais e os aplicativos de mensagem trataram então de consolidar os laços em grupos, comunidades e outras agremiações. Nunca estivemos tão próximos, porém essa mesma tecnologia que está nos afastando cada vez mais do verdadeiro convívio com o outro. Um sintoma dessa verdadeira epidemia de solidão é a normalização da ideia de que, a todo momento, temos direito a ter uma experiência customizada em nossa tela, em universos digitais paralelos desenvolvidos pelos algoritmos de registro de hábito (aprendizado de máquina) que faz com que tenhamos a falsa ilusão que somos únicos. As redes sociais, nesse caso, na procura por oferecer um conteúdo cada vez mais atrativo para nós (seus usuários), logo quanto mais relevante for o conteúdo postado por nós, maior será o tempo gasto na plataforma, clicando, interagindo e vendo anúncios.

Logo acabamos nos acostumando com o fato de que tudo o que vemos foi selecionado previamente para atender os nossos gostos, e assim passamos a ter uma vida paralela digital devidamente customizada, o que para muitos pode ser chamado de “bolha”. E o celular acabou virando rota de fuga, quantas e quantas vezes olhamos casais em pleno restaurante, um diante do ouro e ambos com seus olhares no celular, e desde quando nos tornamos desinteressantes?

O fato é que o celular parece ter virado, uma rota de fuga para todo pequeno momento de tédio, aborrecimento ou que simplesmente parece não merecer a sua atenção integral. E essa fuga, pode não apenas ser desrespeitosa com o seu interlocutor, como também reforça a ideia de que, mesmo na companhia de outros, só prestamos atenção ao que nos interessa, saímos assim do utilitarismo das coisas para o utilitarismo das relações pessoais.

A constatação do que falamos até agora é muito fácil, por isso faça o exercício: procure perceber quantos e quais são os momentos do seu dia em que você está em uma situação que demandaria atenção, mas que, naturalmente, o seu impulso é dar uma olhadinha no celular para ver se chegou algo novo ou para trocar uma mensagem (que parece ser mais útil, legal ou urgente do que está acontecendo).

Para muitos especialistas, essa medida é a confirmação de um novo tipo de solidão. A solidão reinventada tem também outros fatores que ajudam a montar esse mosaico, como a ascensão da inteligência artificial, a automação de serviços e o próprio ambiente por vezes hostil da rede, que mais afasta do que aproxima as pessoas. Cada um deles merecia um texto próprio, mas optamos por ficar por aqui com essa solidão escondida das mensagens instantâneas e das redes sociais.

Mas afinal quantas curtidas você precisa? Qual o seu texto mais compartilhado? O que representam esses likes?

As questões acima refletem a pobreza do mundo atual que tenta desenhar sua vida e seu valores através da profundidade das redes sociais, como se você fosse apenas o que publica, curte ou compartilha.

Em um universo delirantes onde pessoas inseguras podem imaginar que toda curtida é um flerte e todo comentário enruste uma declaração de amor.

Cria-se a realidade paralela das relações digitais, que muitas vezes destroem casamentos e joga relações em uma zona cinzenta de suspeitas que vão da certeza ao mais profundo delírio.

Hoje na tentativa de se comunicarem os indivíduos contemporâneos buscam freneticamente satisfação, mas que não represente um aprisionamento, afinal não se pode ter a certeza da escolha correta. Assim, muitos permitem-se viver as paixões e os amores ocasionais, mas sempre existiu a certeza do amor romântico assim, para Bauman (2004, p. 12) “todo amor luta para enterrar as fontes de sua precariedade e incerteza, mas, se obtém êxito, logo começa a se enfraquecer e definhar”. O amor contemporâneo, ou líquido, tende a definhar e acabar tão logo se concretize, não há espaços para o amor romântico, e quem tenta matar esse amor romântico?

Nesse momento, no universo digital, tudo que conhecemos está datado pelo processamento de dados, filtrados do caos e confusão por algoritmos e transformados em informação por meio da interação com nossas inferiores inteligências de humanos.

São dados gerados na Internet em todo tipo de interação, cada click, cada link aberto, cada e-mail, cada busca, cada post no Facebook, cada foto, cada “curtida”. Em cada um desses eventos, novos dados são gerados.

Logo, sabendo que são muitos os motivos que nos levam a entrar em redes sociais, solidão, reconhecimento, divulgação do trabalho profissional, não importa os motivos, mas sim o uso que você faz dela, e entre tantos a vaidade tem seu lugar de destaque, parecendo funcionar feito fermento, catalisando seus efeitos e resultados.

Se não tivéssemos vaidade, o que seria dos filtros e ajustes tecnológicos nas fotos? Fazemos parte das redes sociais, quase sempre por puro prazer, ainda que para alguns seja uma tortura, e quem disse que não há prazer na dor?

Por vezes ficamos distante delas, outras vezes entramos para registro e ficamos lá em silêncio, observando o filme que passa na nossa timeline, afinal o silêncio, nem sempre é consentimento, pode ser apenas proteção de tanto ruído.

Como disse o pesquisador Breton “O silêncio é uma forma de resistência. Somos um espírito que habita um corpo e não o contrário. E só com silêncio acessamos essa fonte espiritual que está em nós. O ruído da pós-verdade não nos deixa sair do fluxo incessante de estímulos, e cada vez nos atolamos mais.”

Em meio a celulares viciantes, que são lidos na rua, nas praças, nas filas e acredite, em carros em movimento por motoristas irresponsáveis, virou vício, estar de olho na tela, não importando a inconveniência do lugar e do horário.

Criamos assim o conceito da indiferença digital, onde o tempo de resposta mudou para uma conveniência de aflitos, onde tudo nos deixa inquietos, uma inquietude prejudicial a saúde e as relações humanas.

Quem já não escutou um parente reclamar que não curtimos suas publicações? Como se a simples curtida fosse efemeramente um sinal de afeto ou concordância?

Logo, dentro desse padrão estético relacional, acabamos por compartilhar o que não lemos e assim aceitamos a sedução do conteúdo e da imagem como verdade, pois ela nos conforta no momento de angústia, nos iludindo com o que eu chamo de curtidas protocolares, o que antigamente poderia ser resumido na frase: “rir pra não perder o amigo”.

Percebe-se ademais, relativamente à anonimidade e correspondente interatividade na internet, que o processo de formação do laço de afinidade social sofre uma inversão, onde os interesses comuns são tidos como determinantes iniciais da interação e também sexo, idade, raça, aparência física não são automaticamente discerníveis, palpáveis, sendo que as interações não se dão diretamente entre “indivíduos”, mas entre imagens, projeções desencarnadas de um corpo físico, tidas como ideais a partir da ótica do visualizador, que evidentemente recebe tudo após o filtro das redes.

Com o tempo, mudaram as nossas fotos, a forma de contar a nossa história e a forma de vermos o tempo, a métrica do tempo continua sendo a mesma, afinal após 60 segundos chegamos a um minuto, mas a angústia da era digital faz com que a nossa relação com ele seja de absurda escravidão, logo cobramos tudo bem mais rápido e ficamos impacientes uns com os outros.

A solidariedade nunca esteve tão aos nossos dedos, num simples clicar de tela do celular, mas nunca estivemos tão distantes dos mais próximos, acreditar nela e na força dessa união é e sempre será atemporal.

Nesse mundo cada dia mais digital, ver e encontrar quem amamos será sempre uma necessidade e não importa o que as curtidas ou comentários das esdrúxulas redes sociais digam, é preciso querer mais do que um post ou uma fotografia, por mais apertada que sejam nossas agendas.Pode o tempo passar, podem as formas de se ver e se encontrar mudarem, mas o carinho sempre encontra um jeito especial, franco e próprio de ser, seja dando liberdade que encontre no respeito mútuo o seu desenho. A diferença sempre será um diálogo, seja ele analógico ou digital, onde a opressão não tem lugar, apenas o carinho e o respeito.

No fundo entre idas e vindas, entre tantas postagens e redes sociais procuramos nelas um espaço de paz, nessa que é a nossa maior carência, a paz de espírito.

E é óbvio, que não importa em qual profundidade o estado de espírito nos jogue, desprezados, distantes, injustiçados ou incompreendidos pela ditadura dos estereótipos digitais, ver quem amamos analogicamente vai ser sempre um sopro de busca pelo belo e pela fantasia.

Celulares não podem ser a prisões, e os outros não se resumem ao que postam, publicam ou compartilham, pois por trás de cada publicação tem um ser humano, com sua história de vida, de sofrimento e de alegrias.

Como e onde está a felicidade nos tempos digitais? De que maneira essa magnitude de tempo dedicada a internet ajuda ou atrapalha na nossa felicidade?

Tente ver as novas amizades em suas redes sociais que surgiram e a velocidade com que desapareceram, tente ver como se constroem os sentimentos, afinal, a proximidade que alguns aplicativos como Tinder, ou redes sociais como Facebook podem aproximar os indivíduos por zonas de interesses, mas o amor, na forma romântica conhecida, parece não encontrar lugar na contemporaneidade, logo, “todo amor luta para enterrar as fontes de sua precariedade e incerteza, mas se obtém êxito, logo começa a se enfraquecer – e definhar”. O amor contemporâneo, ou líquido, tende a definhar e acabar tão logo se concretize, não há espaços para o amor romântico.

Lembrando a genial obra de Gabriel Garcia Márquez, e seu personagem Florentino, protagonista de “O Amor nos Tempos do Cólera”, talvez hoje tivesse seguido sua vida sem a busca ao amor de Fermina e como bem dizia ele “O coração tem mais quartos que uma pensão de putas” (MÁRQUEZ, 1985, p. 334). Florentino permitiu-se viver as paixões e os amores ocasionais, mas sempre existiu a certeza do amor romântico. Tivesse ele inserido na sociedade líquida preconizada pelos meios digitais por certo perder-se-ia em relações fugazes, dentro de um ambiente virtual e não em contos realísticos de Gabo, terminando seus dias só num navio, mas com wireless, claro! Por outro lado, seria ele a imagem representada por Iberê, a admirar o corpo nu, a desejá-lo e, posteriormente, a desprezá-lo. A rigidez/fluidez da solidão. O amor pode ser líquido, mas cada vez mais a solidão é sólida e flui na sociedade contemporânea, como bem destacam Emerson Wendt e Fernanda Sartor na obra já citada.

E assim seguimos nos esgueirando dos desafios que o mundo digital oferta, onde o conceito de privacidade é fluido e o amor eterno um desafio, que assim seja sua vida na busca de amores que durem se possível para sempre.

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