CRIPTOMOEDAS, VÃO MORRER?

A atual crise que derrete os criptoativos acelera o desafio de uma regulamentação para proteger investidores.

O pedido de falência da plataforma de criptomoedas FTX, acelerou nessa sexta feira o derretimento das criptomoedas, que em média já haviam perdido mais de 60% do seu valor nesse ano, então isso é o fim desses ativos? Claro que não, mas certamente o início de uma forte regulamentação que deve surgir como onda nos próximos doze meses.

Ao anuncia que entrou com pedido de falência nos Estados Unidos (Capítulo 11 da Lei de Falencias) e que seu fundador e CEO, Sam Bankman-Fried, renunciou, e foi substituído por John J. Ray III, a a FTX incluiu no seu pedido também um total de 130 entidades afiliadas, e a FTX US, bem como a empresa comercial Alameda Research.

A FTX garantiu que a declaração de falência é a medida apropriada para gerenciar os ativos da empresa e proteger os interesses de seus acionistas, depois do efeito manada dos investidores sacando os seus fundos, antes de virarem pó.

A origem da crise da FTX, ocorreu na Alameda Research, o negócio de negociação de criptomoedas de Sam Bankman-Fried. O colapso do mercado cripto desde que os registros atingiram em novembro de 2021 ultrapassou 70% no bitcoin, e também atingiu totalmente o token FTX, a criptomoeda da plafatorma. Os alertas sobre o desequilíbrio no equilíbrio de ativos e passivos na Alameda ativou todos as luzes de atenção, pois na tentativa desesperada de salvar o negócio, o Bankman tirou US$ 10 bilhões de um total de US$ 16 bilhões em ativos de clientes FTX para emprestar à sua controlada, Alameda Research, para financiar apostas arriscadas que poderiam cobrir uma possível falência. Ele próprio reconheceu que essa decisão foi uma falta de julgamento, de acordo com o The Wall Street Journal, de uma fonte próxima a ele, nesse momento onde estavam os procedimentos legais de trava dessa operação, para salvar os poupadores?

Nessas horas a palavra dos seus executivos vale pouco ou quase nada, afinal na segunda-feira, o fundador da FTX, Sam Bankman-Fried, disse no Twitter que a empresa tinha capital suficiente para cobrir os depósitos de seus clientes e garantiu que esses ativos não foram investidos, e logo em seguida essa mensagem foi excluída por ele, mais um capítulo das verdades líquidas desses “gênios do mercado de cripto”.

É bom perguntar onde residem os consultores financeiros que recomendam investimento nessas plataformas? Eles desaparecem ou apagam o que escreveram, nesse líquido universo da economia da desatenção. Um bom exemplo é a Sequoia Capital, que informou na quinta-feira que reduziu o valor de sua posição na bolsa de criptomoedas para zero, enfatizando que sua exposição à FTX “é limitada”. No mesmo informativo o fundo de investimento também dizia “Estamos no negócio de correr riscos. Alguns investimentos surpreenderão pelo lado positivo e alguns no lado negativo (…) No momento em que investimos na FTX realizamos diligências rigorosas”, qual o tamanho do rigor dessas diligências que permitiu empréstimos da controladora para controlada sem lastro?

Todo esse movimento derreteu as criptomoedas que em cerca de 20% apenas nessa semana.

E como os sócios da FTX se protegem das punições e ações que devem ocorrer por órgãos reguladores e investidores ludibriados? Lembro que a FTX mudou-se para as Bahamas em 2021, saindo de Hong Kong, onde iniciou sua atividade, afinal como não temer a dura mão do governo chinês.

O regulador de valores mobiliários das Bahamas, um país de tributação favorecida (paraíso fiscal) congelou os ativos de parte do império de criptomoedas de Sam Bankman-Fried e nomeou uma pessoa que será encarregada de liquidar uma de suas entidades. Enquanto isso, o empreendedor está tentando levantar até US $ 8 bilhões para salvar FTX. Nesse momento a Comissão de Valores Mobiliários das Bahamas determinou que nenhum ativo pertencente à empresa pode ser transferido sem a aprovação de um síndico provisório, que vai administrar a FTX Digital Markets, subsidiária da FTX nas Bahamas.

Na nota a comissão disse estar ciente, que os ativos dos clientes foram gerenciados e/ou transferidos indevidamente para a Alameda Research.

A crise gerou um efeito de contágio no setor de criptomoedas, já que a BlockFi, uma plataforma de empréstimos de ativos digitais, teve que conter os pagamentos dos clientes, anunciando que não poderia operar seus negócios como de costume devido à” falta de clareza sobre o status ” da FTX e da Alameda. Diante do colapso das criptomoedas este ano, o chefe da FTX havia resgatado a BlockFi com um empréstimo de US$ 250 milhões.

Os investidores estimam que o Bankman-Fried precisa entre US$ 6 bilhões e US$ 8 bilhões, dado que, de acordo com duas pessoas próximas a ele, a Alameda Research, sua empresa comercial, deve US$ 10 bilhões à FTX.

West Realm Shires é a filial orientada para os EUA, comumente conhecida como FTX US, que foi excluída da proposta inicial de resgate da Binance.

A empresa norte-americana foi protegida por Delaware além de suas relações de propriedade intelectual (com a Alameda Research, com sede em BVI, e Cottonwood Grove, com sede em Hong Kong). O resto era uma rede multi-jurisdicional de subsidiárias totalmente próprias e empréstimos de negócios para negócios.

O esquema também indica que a FTX Ventures, o fundo de capital de risco incorporado às Bahamas, era propriedade de uma pouco conhecida holding delaware, Paper Bird, que por sua vez pertencia a Sam Bankman-Fried. A Paper Bird também possui 89% da FTX Trading, além de empréstimos de negócios com veículos Alameda.

As entidades LedgerPrime, com sede nos EUA e nas Ilhas Cayman, decorrem da aquisição no ano passado da FTX do fundo de hedge Ledger Holdings. A FTX renomeou a plataforma de futuros cripto da LedgerPrime FTX US Derivatives LLC e disse que o restante do negócio se tornaria um escritório familiar que faria investimentos apenas para a Alameda Research. Salameda (Hong Kong), 100% de propriedade da diretora de pessoas do Bankman-Fried, Jen Chan, dá a aparência de ser um grupo independente com ligações às entidades da Alameda e FTX DOS EUA através de contratos de serviços.

Uma imagem completa da estrutura FTX só poderia emergir do relatório do capítulo 11 (aquele que regula as falências). Isso, no caso do Lehman Brothers, exigiu 18 meses. O diagrama pós-morte da estrutura corporativa do Lehman parece um modelo de simplicidade comparado ao FTX.

Essa complexa teia de aranha vai ficar mais clara agora no processo de falência, de onde dificilmente os investidores irão recuperar algo.

A Binance, no início desta semana, foi uma das primeiras a alertar sobre o risco de FTX, e seu aviso causou o colapso em sua criptomoeda, o token FTX. Logo a queda repentina de uma empresa do tamanho da FTX desencadeia a aversão ao risco e amplia o medo de uma nova cascata de colapsos no mundo cripto, o que só deve acelerar a regulamentação do uso desses ativos e um maior controle dos governos sobre eles, algo bem diferente dos discursos políticos quando da criação desses ativos.

Isso significa o fim das criptomoedas, claro que não, mas sim a aceleração da sua regulamentação e o fim do conto de fadas da criação de uma moeda digital sem interferência dos governos.

Lembro que a tecnologia que serve de base para o controle das mesmas, o blockchain veio para ficar assim como as criptomoedas, porém como todo e qualquer investimento de risco, elas não estão imunes aos inúmeros solavancos desse mercado, que castiga principiantes e aleija quando não mata os apressados.

No último dia 30/6/22, a União Europeia e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo para regular os ativos cripto, desde a sua autorização à sua supervisão, por meio de questões fundamentais, como clareza e transparência na apresentação desses produtos, bem como a defesa do consumidor e o impacto ambiental destes.

Este regulamento espera que ele ponha um fim ao “Reino de Taifas” que o mundo cripto representa e confirme a UE como um verdadeiro padrão na regulação deste mercado, que não parou de aglutinar escândalos, fraudes e processos criminais perante o Tribunal Nacional, e que certamente não serão os últimos, mas sim os primeiros que se aproveitam do desconhecimento e da ganância para lesar investidores.

Inicialmente o objetivo é a Regulação do Mercado de Ativos Criptográficos (MiCA), e assim busca cercar aqueles que operam com total impunidade por meio desses produtos, cada vez mais utilizados para investir e como meio de pagamento. O objetivo do Regulamento é alinhar as garantias aos serviços financeiros tradicionais.

A União Europeia é a primeira a introduzir regras abrangentes sobre criptografia, introduzidas desde o outono de 2020 por Mairead McGuinness.

Este regulamento procura abarcar áreas onde a regulação é quase que inexistente, aplicando-se na maioria das vezes por analogia a outros ativos, tanto na comercialização desses produtos, como privacidade, financiamento de atividades ilegais e até riscos à estabilidade financeira no caso de stablecoins, criptomoedas vinculadas ao valor de um ativo tradicional, como uma moeda ou matéria-prima bem como lavagem de dinheiro.

Por ser uma legislação abrangente, ela deve ser repetida em inúmeros países fora da Europa, e logo a MiCA deve se tornar um padrão regulatório global, o que será uma facilitador em tratando-se de ativos tão líquidos.

Por isso a adoção de Sandbox regulatórios deve se repetir, permitindo assim que tanto os operadores como os reguladores tenham um processo de aprendizado mais veloz, o que no [20:03, caso da UE já a coloca como referência.

O regulamento impõe que, para operar no território da UE, os provedores de serviços de criptomoedas devem ter uma presença física e receber autorização prévia das autoridades nacionais.

Este regulamento regulamentará os requisitos de informação que devem ser fornecidos aos investidores e deverá detalhar o uso que farão de seus fundos, suas obrigações ou os riscos de fazer o investimento, notadamente no que se refere à publicidade em ativos cripto.

As principais disposições deste Regulamento terão como alvo aqueles que emitem e negociam criptoativos, (incluindo tokens de referência de ativos e tokens de e-money), com foco na transparência, divulgação, autorização e monitoramento de transações.

Além disso, esse novo marco legal tem o claro objetivo de direcionar a integridade do mercado e a estabilidade financeira, regulando as ofertas públicas de ativos cripto, um aspecto fundamental na proteção desse tipo de produtos.

Este acordo deve ser formalmente ratificado pelos Estados-Membros e pelo Parlamento Europeu para que entre em vigor, uma regulamentação necessária em tempos que astutos se aproveitam da ganância, o que me lembra a passagem do Apóstolo Paulo “Saiba que nos últimos dias virão tempos difíceis em que haverão homens gananciosos, avarentos, amantes de si mesmos, com aparência de piedade mas negando a eficácia dela. Desses mantenha distância.”

(Artigo publicado no site www.jusbrasil.com.br, em 17 de Novembro de 2022).

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