CORRIDA ESPACIAL E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Na disputa de três bilionários, no concorrido e caro mercado de turismo espacial, o menos rico deles saiu na frente.

Richard Branson fez seu voo inaugural, nove dias antes do voo de Jeff Bezos com a Blue Origin.

Levado sob um avião chamado White Knight Two, a uma altitude de 15 mil metros, o foguete da Space Ship Two, batizado de Unity, realizou a primeira viagem tripulada para “turistas espaciais”.

Os passageiros flutuaram por cerca de 4 minutos, antes de o avião espacial reentrar na atmosfera.

No começo de junho, Bezos fez barulho ao anunciar que estaria a bordo do primeiro voo tripulado da Blue Origin, empresa de viagens espaciais fundada por ele em 2000. A viagem está marcada para 20 de julho. Então, Branson interceptou o momento de Bezos revelando, no começo do mês, que voará nove dias antes, e assim o fez nesse domingo.

Ousadia nunca faltou  para Branson, que em outubro de 2014, havia perdido a nave V.S.S. Enterprise, da Virgin Galactic, em um acidente num voo de testes, causando a morte de um dos dois pilotos. O acontecimento acabou atrasando os planos de desenvolvimento da Virgin.

Com o atraso a empresa acabou assistindo ao crescimento da SpaceX, que em maio de 2020 fez o seu primeiro voo tripulado. Desde então, a empresa fundada por Elon Musk já conseguiu fazer outros voos ao espaço, chegando a enviar astronautas para a Estação Espacial Internacional.

O último teste da Virgin Galactic aconteceu em maio deste ano. O resultado animou a empresa, que optou por fazer um voo tripulado com seu fundador.

Branson fundou a Virgin Galactic em 2004, com o objetivo de oferecer aos clientes voos turísticos curtos, e abriu seu capital em 2019.

Esses dois nomes, Richard Branson e Jeff Bezos, à frente das empresas Virgin Galactic e Blue Origin, inauguram neste mês uma nova fase da conquista do espaço. O protagonismo deixa de ser das superpotências em busca de liderança geopolítica, algo bastante curioso e inimaginável a pouco tempo atras.

Em que pese parecer uma luta de egos, um sonho infantil de bilionários, uma jogada de marketing pessoal, é de se destacar que existe um enorme negócio inexplorado por trás dessa aparente aventura. A Nova Corrida Espacial sai da contagem regressiva e aciona os foguetes com o anúncio de dois “competidores” prontos para colocarem suas vidas em risco acima da Linha de Kármán, o traço imaginário que separa a atmosfera terrestre do espaço.

Um terceiro competidor vai ficar olhando, Elon Musk, fundador da Tesla. O que isso tudo tem em comum, além de muito dinheiro em jogo, é uma mudança sem paralelos em sete décadas: por trás de uma Nova Era não estão mais as grandes nações e sim civis bilionários. Bezos, homem mais rico do mundo (US$ 210 bilhões de fortuna), Musk (3º mais rico, com US$ 163 bilhões) e Branson (520º, US$ 5,7 bilhões).

Como lembra uma reportagem do estadão, não há loucura desvairada nisso. Os três personagens estão há quase duas décadas com empresas no ramo. Bezos fundou a Blue Origin em 2000. Musk criou a Space X em 2002. E Branson lançou a Virgin Galactic em 2004. Todas com contratos milionários com a Nasa, praticamente salvando a barra dos norte-americanos no envio de satélites e cargas para fora da Terra, negócio zerado com o fim do programa dos ônibus espaciais, em 2011. Aliás, esse é o verdadeiro objetivo por trás de tudo: satélites, ou alguém consegue imaginar viabilidade financeira no curto prazo no turismo espacial?

Musk e Bezos apostam no lançamento de satélites, já Branson, por hora, foca especificamente no promissor turismo espacial, ainda que distante, o que explica ser a empresa dele a de menor valor nesse disputado mercado.

A Virgin Orbit, companhia do Virgin Group voltada para o lançamento de satélites, está em negociações avançadas para abertura de capital através de uma fusão com uma SPAC nos Estados Unidos, levando a avaliação da empresa a US$ 3 bilhões, informou a CNBC. As SPACs são companhias listadas em bolsas norte-americanas que, via fusão, facilitam o processo de IPO para outras empresas, por certo o menor valor das três.

Branson abriu o capital da Virgin Galactic por meio de um acordo SPAC em 2019 com o investidor bilionário Chamath Palihapitiya, norte-americano que possui a fortuna de US$ 1,4 bilhão.

Inaugurou-se assim a era do turismo espacial. O feito altera a lógica de quem pode visitar o espaço sideral: até aqui, esse era um ambiente quase exclusivo de pesquisadores e pilotos, sempre financiados por dinheiro público. Com o voo, a Virgin abre as portas para o turismo espacial privado, no qual qualquer pessoa precisa apenas desembolsar muito dinheiro para visitar por alguns minutos os limites da Terra.

Pelo que se divulga, a empresa já vendeu, incluindo para estrelas de Hollywood, cerca de 600 passagens por preços entre US$ 200 mil e US$ 250 mil. O preço será maior quando novas passagens forem colocadas à venda. A Virgin Galactic espera iniciar as operações comerciais regulares no começo do ano que vem e almeja realizar cerca de 400 voos anuais saindo de Spaceport America, sua base no Novo México. Se conseguir esses números, 2022 reservará para empresa uma receita de US$ 600 milhões apenas com a venda das passagens, fora outras receitas que podem ser geradas, além da redução do seu custo com a escala obtida.

Claro que essa disputa é cercada de polêmica, e por isso o feito é contestado pela concorrente Blue Origin, empresa de Jeff Bezos, segundo ela o espaço começa após uma altitude de 100 km, conhecida como Linha de Karman. Em um tuíte na sexta-feira, a empresa afirmou que suas naves voam acima dessa altitude e que seus astronautas não recebem o título com “asteriscos”. A nave da Virgin não supera os 90 km.

Para a Federação Mundial de Esportes Aéreos (FAI), órgão que determina as regras para voos espaciais, estabelece a fronteira a 100 km, porém para a Nasa, o limite está a 80 km, logo o voo é sim considerado como voo espacial.

Existe ainda, no âmbito regulatório, uma outra polêmica, pois até aqui, turistas que viajam para o espaço sideral voam por sua conta e risco, mas, agora que várias empresas estão cadastrando ricaços para voos espaciais, alguns congressistas dos Estados Unidos afirmam que chegou a hora de uma regulação mais rígida, ou seja, sem nenhuma regulação até agora, os lançamentos que ocorrerem em solo norte americano, em breve terão uma nova regulação.

Em que pese a Administração Federal de Aviação (FAA), órgão regulador dos EUA, exigir que as empresas espaciais protejam pessoas e propriedades em solo, os passageiros são regidos somente por um “consentimento informado” padronizado, o que significa que eles têm de assinar um documento no qual afirmam estar cientes dos riscos, o que nos lembra o termo assinado por quem salta de paraquedas e em bungee jumps assinam, o que no momento em que seja ampliado por ricaços deve sofrer nova regulação nas apólices de seguro desse abonados.

Segundo a FAA, passageiros têm de ser informados, por exemplo, de que “o governo dos EUA não certifica o veículo de lançamento nem o veículo de reentrada como seguros para transporte de tripulação ou passageiros de voos espaciais”.

A indústria afirma estar em um “período de aprendizagem”, em que realiza experimentos com diferentes tipos de foguetes e espaçonaves, e que, por esse motivo, uma fiscalização federal relativamente relaxada e autorregulações se justificam. Regulações que determinariam quais passageiros se qualificam para as viagens, como os pilotos são treinados e as maneiras como as espaçonaves devem ser projetadas e construídas prejudicariam uma indústria que está aprendendo a crescer e inovar, dizem. O fato é que deve-se esperar uma regulação bem mais rígida, que no mínimo crie limites de idade e um preparo mínimo.

Para alguns, uma regulação muito rígida pode resultar em atraso nos programas espaciais e de lançamento de satélites.

Por trás dessa disputa, está uma excepcional vitrine para as empresas de tecnologia.

O papel da tecnologia é e sempre será fundamental para exploração do espaço, e nesse contexto a participação da inteligência artificial deve aumentar, mas é sempre importante destacar alguns memoráveis bugs. No livro “Vida 3.0” Max Tegmark destaca alguns desses bugs, que servem como referência para o aprimoramento, mas também para evidenciar os riscos. Em 4 de junho de 1996, os cientistas que esperavam pesquisar a magnetosfera aplaudiram felizes quando o foguete Ariane 5, da Agência Especial Europeia, rugiu através do céu com instrumentos científicos que eles haviam construído. E apenas 37 segundos após, seus sorrisos desapareceram quando o foguete explodiu em uma queima de fogos de artifício, custando centenas de milhões de dólares. Verificou-se que a causa tinha sido um software com bugs manipulando um número muito grande para caber nos 16 bits alocados para ele. Dois anos depois, o Mars Climate Orbiter da Nasa acidentalmente entrou na atmosfera do Planeta Vermelho e se desintegrou porque duas partes distintas do software usaram unidades de força, causando um erro de 445% no controle de impulso do motor do foguete. E outros se repetiram por bugs… Como que para mostrar que não apenas ocidentais dominaram a arte de lançar bugs no espaço, a missão soviética Phobos 1 falhou em 2 de setembro de 1988. Essa foi a espaçonave interplanetária mais pesada já lançada, com o objetivo espetacular de implantar uma sonda em Marte, Phobos, foi frustrada pela ausência de um hífen que fez com que o comando “end-of-mission” fosse enviado à espaçonave enquanto ela estava a caminho de Marte, desligando todos os seus sistemas. Esses erros de verificação podem ser resolvidos pela inteligência artificial, automatizando e aperfeiçoando o processo, tornando o mesmo mais eficiente e reduzindo o custo de teste, além de ampliar a segurança dos voos.

É um mundo novo onde a ciência está tornando o que era ficção em realidade, e ao mesmo tempo gerando um mundo de oportunidades de negócios para as empresas envolvidas.

O que era monopólio de governos agora passa pela inciativa privada, e logo a regulação deve ter início, nesse seguimento onde a inteligência artificial embarcada deverá exercer a primazia.

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