Na mitologia Grega, Cornucópia é um símbolo que representa a fertilidade e a abundância. É uma espécie de fonte natural que fornece gratuitamente e ilimitadamente todos os bens necessários às expectativas humanas, algo próximo do paraíso.
Logo, a Cornucópia faz parte dos sonhos dos hiper otimistas que acreditam que o crescimento econômico pode ocorrer de maneira infinita e sem restrições do meio ambiente e claro, sempre imaginando que as questões ambientais são tratadas com exagero pela mídia “comunista”.
Cornucópia era representada por um vaso em forma de chifre, com uma enorme abundância de frutas e flores transbordando em torno dele. Na era moderna, a Cornucópia é representada pela mistificação da racionalidade humana e da tecnologia, a tecnologia que tudo movimenta e que cria facilidades para todos e novos impérios.
Os autores Peter Diamandis e Steven Kotler, no livro “Abundance – The Future Is Better Than You Think” (Abundância – o futuro é melhor do que você pensa), de 2012, tratam a tecnologia como uma Panacéia capaz de fazer brotar a abundância, manter o crescimento exponencial e democratizar o bem estar. Para eles, um guerreiro Masai, do Quênia, dispõe hoje em dia de mais informação, pelo Google ou pelo celular, do que o presidente dos Estados Unidos há 15 anos, curioso, nunca tivemos tanta informação e nunca se viu tanta ignorância.
No livro Abundance, os autores consideram que todas as pessoas do mundo teriam acesso aos direitos básicos de alimentação, energia de baixo custo e mínimo impacto ambiental. Todos os seres humanos viveriam em democracias plenas, graças a 3 vetores de forças: 1) devido a filantropia e ao crescimento de doações generosas dos chamados tecnofilantropos multibilionários que estão investindo em inovação e transparência com foco global; 2) devido ao empreendedorismo schumpeteriano de indivíduos e pequenos grupos capazes de brincar com genética e desenvolver engenhocas no fundo do quintal, disponibilizando suas descobertas na world web; 3) devido ao crescimento da classe média mundial que estaria incorporando as pessoas extremamente pobres e famintas (cerca de 1 bilhão de habitantes do mundo que estão em situação de insegurança alimentar e ganham menos de US$ 1,25 por dia) ampliando o universo de riqueza potencial devido, principalmente, à tecnologia.
De fato, no mundo inteiro os referenciais de saúde pública, antes da pandemia melhoraram nas últimas décadas, mas é evidente que a régua precisa subir. Não podemos apenas acreditar que o aumento de domicílios com energia elétrica seja suficiente para concluir que o futuro é muito melhor, não pois a concentração tecnológica criou um novo fosso, mais profundo que deixa os mais pobres ainda mais distantes das camadas mais favorecidas, algo que a pandemia deve acentuar ainda mais.
De acordo com a mitologia grega, a cabra Amalthea criou com seu leite um Zeus forçado a esconder de seu feroz pai, Cronus. Quando criança, e enquanto brincava com um de seus raios, Zeus inadvertidamente quebrou um dos chifres de Amaltea, e para compensá-la, ele conferiu ao chifre quebrado o poder de que quem a possuísse seria concedido tudo o que ele poderia precisar ou desejar. É daí que veio a lenda da cornucópia.
O desenvolvimento tecnológico e a inovação são suscetíveis a gerar uma espécie de chifre de abundância como o representado na Abundância de Rubens, capaz de atender a todas as nossas necessidades terrenas. Abundância e Cura para todos os males.
Seja Panacéia ou Cornucópia, não faltam autores para esse absurdo. O britânico Matt Ridley que escreveu o livro: “The Rational Optimist: How Prosperity Evolves” (O otimista racional: como a prosperidade evolui), de 2010. Matt Ridley defende a idéia de que o ser humano está evoluindo nos últimos 10.000 anos, conseguindo, mesmo que de forma irregular, tudo que uma pessoa poderia querer ou precisar: calorias, vitaminas, água limpa, máquinas, privacidade, meios de viajar mais rápido, capacidade de se comunicar a longas distâncias, etc.
O significado de Panaceia está associado com a Mitologia Grega, sendo o nome de uma das filhas de Asclépios, o deus da Medicina e filho de Apolo. Panaceia é aquela que consegue curar qualquer tipo de doença, irmã de Higéia, que significa “sã, em bom estado de saúde”. Hoje em dia, panaceia denomina algum medicamento que tem a capacidade de cura de qualquer forma de doença. Panaceia universal é uma expressão que designa uma medicação que é muito procurada por alquimistas, pois eles creem que ela pode mesmo curar todas as enfermidades.
Em tal cenário, em que o desenvolvimento e adoção da tecnologia permite mudanças de pelo menos uma ordem de magnitude em relação à grande maioria de nossas necessidades, pensar em cenários econômicos baseados na renda básica incondicional também faz muito mais sentido: em um cenário de abundância, o mínimo que pode pedir a uma sociedade humana é que nenhum de seus membros tenha o risco de cair involuntariamente abaixo do nível de pobreza e de fato, deve ser possível garantir não só que as pessoas tenham o trabalho que desejam, mas que suas condições de trabalho ou a ausência delas não gerem ou se preocupem com elas.
Gerar novos postos de trabalho, considerando o a crise como fomentadora de mão de obra barata, quando um engenheiro desempregado pela crise econômica passa a ser seu motorista está longe de ser uma solução, é apenas um arremedo do desemprego em que uma plataforma digital transformou em negócio.
E isso são os aplicativos de transporte de pessoas como Uber e 99, milhões de pessoas sem emprego que possuem um patrimônio (carro) adquirido em outros trabalhos e que resolvem usar esse ativo e o seu tempo para trabalharem enquanto estão desempregadas, na esperança cada dia mais remota de uma nova recolocação.
Novas tecnologias melhoram sim a vida das pessoas, mas é fundamental que elas possam andar com políticas de acesso a todos e que as autoridades saibam que a concentração na mão de poucas plataformas colocam em risco toda economia.
Não importa se você acredita na abundância de Cornucópia ou na cura de todos os males de Panacéia, a tecnologia é apenas ferramenta, sem políticas claras e marcos legais bem definidos, seus direitos serão usurpados pela lógica do mercado, onde a concentração gera mais e mais concentrações, e onde as plataformas viram hubs tecnológicos que tudo querem fazer, desde que seja rentável é claro e se possível, pouco concorrido.