Muitos de nós olhamos nossos filhos dedicarem uma parcela significativa do seu tempo aos jogos digitais e nos perguntamos qual a utilidade daquilo? Estariam eles dedicados a uma atividade que represente uma total perda de tempo?
Ao ver seus olhos fixos nas telas de celulares tablets e notebooks certamente nenhum pai deixa de notar o tempo que eles passam e se esse tempo é nocivo ou pode ter algum benefício, mas essa também é a inquietação de muitos pedagogos mundo afora, o que só fez aumentar com a pandemia que aumentou o tempo de nossas crianças em casa.
A dimensão dos games nas rotinas de nossos jovens, ao mesmo tempo que é preocupação também pode ser oportunidade se forem bem orientados.
Já não é de hoje que os games deixaram de ser brincadeira de criança, hoje o E-Games, por exemplo, ocupa um espaço bastante significativo dentro da economia de muitos países. Se no início surgiram através de pequenos jogos portáteis logo em seguida ganharam suporte como Atari, Odyssey e diversos outros que tentaram sucedê-los.
É óbvio que a origem de tudo isso tem o velho e bom taitorama, locais onde as pessoas se reuniam para jogar fliperama e outros jogos eletrônicos. Os jogos evoluíram ganharam gadgets e são altamente disputados.
Se isso não bastasse o jogo de rua também foi parar no celular e nas telas de computador. O fato é que a digitalização dos jogos como um todo é uma marcha sem volta e conforme se popularizou o celular popularizou-se também as formas de jogar, se no início eles exploravam personagens para licenciar os jogos, hoje é ao contrário, jogos criam personagens que são licenciados, jogos criam filmes e ganham as telas de cinema.
Hoje em dia muitos artistas de cinema emprestam sua voz e seu rosto para jogos, então não é difícil encontrar Bruce Willis em um jogo digital ou Norman Reedus, que tem suas feições, trejeitos e voz utilizadas no jogo Death Stranding, da gigante produtora de Hideo Kojima.
Porém a pandemia e o longo período que nossas crianças ficaram em casa gerou um enorme desafio, de como recuperar o tempo desperdiçado em casa e a lacuna nos seu aprendizado por falta das aulas presenciais?
A adoção da gamificação como ferramenta para estimular e recuperar esse tempo perdido vem sendo defendida por muitos pedagogos que apresentam as razões para adoção da seguinte forma:
- Introduzir desafios no ensino-aprendizagem, na medida que incentiva o aluno a investigar o conteúdo a ser trabalhado e envolvê-lo na construção de conhecimento a partir das descobertas.
- Possibilitar a Construção de vínculos afetivos e sociais entre alunos a partir da cooperação, no instante em que estimula a colaboração em prol de objetivos comuns.
- Aumentar a conexão do aluno com seu curso, pois a podem ser utilizadas premiações de desempenho e os feedbacks fazem o aluno perceber seu esforço contemplado e reconhecido, o que o faz gostar do curso.
- Tornar por meio de ilustrações como imagem e som o aprendizado mais natural e estimulante.
- Ampliara a dinâmica e atualidade no ensino com o lançamento permanente de novos conteúdos que evoluem com a dedicação e resultados.
- Fluidez no aprendizado, por conectarem o entretenimento ao aprendizado, o que ajudaria a superar a desmotivação e a limitada interação entre educador e aluno.
- Motivar o aluno, pois o ser humano é motivado pelo desejo e satisfação, de modo que usar placar (leaderboard), medalhas (badge) e prêmios estimularia o aluno a capacitar-se e superar seus limites, além de aumentar a autoconfiança.
- Ampliar a interação, uma vez que metodologias gamificadas promovem a formação de grupos sociais por favorecer a comunicação e o compartilhamento de conteúdos, o que leva à colaboração na aprendizagem.
- Estimular posturas autônomas, pois o aluno avança nas tarefas conforme sua disponibilidade e sua dedicação e, assim, é induzido a planejar seu ritmo de aprendizagem para garantir o avanço pessoal.
- Aumentar o rendimento acadêmico, pois na gamificação, atividades possuem ordem crescente de dificuldade, com retornos a cada etapa que permitem ao tutor monitorar o desempenho acadêmico e ao aluno reforçar a compreensão de conteúdos deficitários.
- Incluir o erro como parte da aprendizagem, como destaca Fardo Garbin, visto que o erro leva à reflexão sobre os motivos da falta de compreensão e os caminhos para transpô-lo, pois etapas mais avançadas só seriam alcançadas a partir da superação das dificuldades de aprendizagem.
Porém muitos dos que estão lendo esse artigo, estão imaginando que isso só é possível para os alunos da rede pública?
Ocorre que durante os meses de junho e julho, em um intervalo de menos de um mês o Congresso Nacional votou e aprovou duas leis que podem decididamente mudar o cenário da educação pública brasileira.
Primeiro foi a Lei nº 14.172, de 10.6.2021, que trata de dar garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública. Depois no primeiro dia do mês de julho foi promulgada a Lei nº 14.180, que Instituiu Institui a Política de Inovação Educação Conectada.
Esses dois diplomas representam em um curto intervalo de tempo um investimento de quase R$5 bilhões nos próximos 12 meses, sendo que a maior parte desse valor precisa, por força de lei ser investida ainda nesse ano.
Logo temos recursos para iniciar um bom trabalho, ainda que esses números sejam pequenos diante do desafio, logo a gamificação pode ser um elemento de atratividade para esses estudantes, tornando o ensino mais leve.
O problema brasileiro se repete em muitos lugares do mundo, e é claro o que muda é a dinâmica de enfrentamento e a realidade das condições sociais nos países mais pobres onde as crianças abandonam muitas vezes a escola para complementar a renda de casa, onde o pai perdeu o emprego com a crise.
O resultado dessa defasagem é a ampliação do fosso social, que já tratamos em outros artigos. A pandemia levou a mais de um ano de fechamento de escolas, e logo nesse período foi diminuindo a capacidade das famílias, especialmente as mais desfavorecidas, de apoiar a educação dos seus filhos, ampliando o desafio.
É de se destacar que no Pisa 2018, metade dos brasileiros de 15 anos não atingiram a proficiência básica em leitura. As desvantagens socioeconômicas e o status da escola ainda têm impacto maior no sucesso escolar dos estudantes do que na maioria dos países da OCDE.
A aprovação desses novas diplomas legais pelo Congresso, bem como a aprovação do novo Fundeb é uma vitória para o Brasil, ainda que pequena diante das nossas necessidades.
Logo essas Leis podem abrir uma significativa janela para introdução de games educativos suplementares as aulas e que ampliem os estudos de forma lúdica e leve.
Ninguém hoje pode discordar do papel dos games na educação, e é preciso ampliara para ganhar velocidade nesse processo.
A gamificação pode incluir ser acompanhada da interação de pais e responsáveis pelos filhos, é claro com controle de tempo de uso e cuidados com os dados dos alunos.
O Brasil é o terceiro país do mundo com maior número de gamers, só perde para Estados Unidos e China, mas é o 13.º mercado em uma indústria que cresce globalmente US$ 10 bilhões ao ano em que em 2020 movimentou cerca de US$ 160 bilhões.
Para termos uma dimensão do setor e da importância dessa conectividade com a nossa rede de ensino, apenas em 2020 o faturamento dos games no Brasil foi de cerca de US$ 5,3 bilhões, números que dão ideia da oportunidade de fazermos a conexão entre os setores, com conteúdos apropriados e que despertem a atenção dos nossos milhões de alunos.
É obvio que essa implantação precisa seguir marcos rígidos, para evitar a utilização de softwares que pouco ou nada sejam educativos.
Quando deixamos os games educativos de lado, e assistimos os milhões de jovens que já são usuários dessas plataformas percebemos que perdemos espaço de regulação e de uso controlado e produtivo, afinal quantos são os pais que são chamados a autorizar seus filhos a jogar? Quantos são os dispositivos digitais que têm controle de tempo para que as crianças não fiquem viciadas nos jogos?
Os jogos precisam ser levados a sério no seu papel de serem ferramentas educativas.