O ceticismo sempre foi um bom combustível para a evolução, é claro que céticos podem ser confundidos com ignorantes ou negacionistas, o que é bem distinto, afinal esses últimos funcionam no degrau abaixo da ciência, enquanto que os primeiros estão alinhados com a necessidade de uma produção probalística.
É evidente que toda tecnologia não emerge do vácuo. É, isso sim, a reificação de um conjunto particular de crenças e desejos: as disposições congruentes, mesmo que inconscientes, de seus criadores. A qualquer momento ela é montada a partir de uma caixa de ferramentas de ideias e fantasias desenvolvidas ao longo de gerações, através da evolução e da cultura, da pedagogia e da discussão, infinitamente emaranhada e envolvente, resultado de abnegação, de uma elevada dose de ceticismo e ignorância que povoa o ambiente externo.
E novas tecnologias nascem nesse ambiente de estímulos sim, mas de uma boa dose de ceticismo, pois ninguém que recebe um conjunto de novos feitos fica paciente diante dessas descobertas, pense no ceticismo das primeiras imagens do home no espaço, ou no pisar do primeiro homem na lua? O ceticismo é sempre combustível para os destemidos e pode muitas vezes ser um simulacro para os ignorantes e maldosos.
Não são poucos os exemplos ao logo da história, alguns destes céticos com a caneta na mão, já sentenciaram muitos cientistas a morte, com medo do enfrentamento de suas crenças, afinal a ciência é sempre um vento frio na mente do atraso.
James Bride, em seu “a Nova Idade das Trevas” lembra que “em 2009, uma consultora de estratégias taiwanesa-americana chamada Joz Wang comprou uma câmera Nikon Coolpix S630 para o Dia das Mães, mas, quando tentou tirar uma foto de família, a câmera repetidamente se recusou a captar a imagem. “Alguém piscou?”, dizia a mensagem de erro. A câmera, pré-programada com um software que aguarda até todos estarem de olhos abertos, na direção certa, não conseguia dar conta da fisionomia diferenciada de não caucasianos, típico erro de programação. No mesmo ano, o funcionário negro de uma vendedora de motor homes no Texas postou um vídeo no YouTube, que teve milhares de views, em que sua nova webcam Hewlett-Packard Pavilion não conseguia reconhecer seu rosto, enquanto fazia zoom no colega branco. “Que fique registrado”, ele declarava, “e eu vou dizer: o computador da Hewlett-Packard é racista.” Mais uma vez, as tendenciosidades codificadas, em particular as raciais, das tecnologias visuais não são novidade. To Photograph the Details of a Dark Horse in Low Light [Como fotografar detalhes de um cavalo negro com pouca luz], título de uma exposição de 2013 dos artistas Adam Broomberg e Oliver Chanarin, refere-se a uma frase código que a Kodak usava ao desenvolver uma nova película nos anos 1980. Desde os anos 1950, a Kodak distribuía cartões de teste com uma mulher branca e a expressão “Normal” para calibragem dos filmes.” Com a computação quântica não é diferente, não faltaram delírios de incompreensão dessa nova tecnologia.
Vivemos na era da tecnologia, mas ainda não vimos tudo: a computação quântica, que ainda dá seus primeiros, mas exitosos passos, e assim, caminhamos para revolucionar com as suas aplicações, setores como a saúde, mobilidade e a cibersegurança.
Para efeitos comparativos, em um mundo binário de zeros e uns, os computadores quânticos seriam como os Albert Einstein da informática, ou seja cérebros eletrônicos extraordinários capazes de realizar em alguns segundos tarefas quase impossíveis para um computador clássico.
Tudo leva a crer que a IBM será a primeira em comercializar um destes prodígios da tecnologia, o Q System One, um cubo de vidro com quase 3 x 3 metros e 20 qubits que foi apresentado em 2019 e estará disponível para o setor empresarial e a pesquisa.
Mas de forma simples, podemos dizer que este ramo da informática está baseado nos princípios da superposição da matéria e no entrelaçamento quântico para desenvolver uma computação diferente à tradicional. Logo ele seria capaz de armazenar muitíssimos mais estados por unidade de informação e operar com algoritmos muito mais eficientes a nível numérico, como o de Shor ou o temple quântico.
Didaticamente, esta nova geração de supercomputadores aproveita o conhecimento da mecânica quântica (a parte da física que estuda as partículas atômicas e subatômicas), para superar as limitações da informática clássica. Apesar da computação quântica apresentar na prática problemas evidentes de escalabilidade e coerência, ela permite realizar inúmeras operações simultâneas e eliminar o efeito túnel (tunelamento) que afeta a programação atual na escala nanométrica.
Na Europa algumas empresas já consideram poder incorporar tecnologias de simulação quântica e otimização em seus reais processos produtivos, em dois ou três anos, após os avanços que ocorreram nesse campo e que já são aplicados com sucesso em laboratórios.
Essa tecnologia serve para otimizar rotas de transporte; carteiras de investimento financeiro ou para otimização em processos, como combinação de proteínas. Empresas de energia, logística, telecomunicações e finanças já estão testando.
Espera-se que, de forma progressiva, em “2 ou 3 anos”, já seja implementado em ambientes produtivos reais das empresas.
Esse tipo de computação “aniquilante” também oferece vantagens para aumentar as capacidades de “aprendizado de máquina”.
A questão da viabilidade da tecnologia quântica está no próximo degrau, ou seja, em “propósito geral” da computação, que serve para resolver qualquer problema.
A computação quântica e a tradicional são dois mundos paralelos com algumas semelhanças e numerosas diferenças entre si, como o uso do qubit e não o bit.
A computação quântica não tem um código próprio para programação e utiliza o desenvolvimento e implementação de algoritmos muito específicos. Porém, a informática tradicional possui linguagens padronizadas como Java, SQL ou Python, entre muitas outras.
Quanto a funcionalidade um computador quântico não é uma ferramenta para uso popular ou cotidiano, como um computador pessoal (PC). Estes supercomputadores são tão complexos que só devem ser usados primeiramente no âmbito corporativo, científico e tecnológico.
Quanto a sua arquitetura, a composição de um computador quântico é mais simples que a de um convencional e não tem memória nem processador. Estes equipamentos se limitam a um conjunto de qubits que servem de base para seu funcionamento.
Estes computadores são extremamente sensíveis e precisam de condições muito concretas de pressão, temperatura e isolamento para funcionar sem erros, o que exige unidades físicas climaticamente preparadas só pra eles.
A interação destas máquinas com partículas externas provoca falhas de medição e o apagamento das superposições de estados.
Um computador quântico necessita de uma pressão atmosférica quase inexistente, uma temperatura ambiente próxima ao zero absoluto (-273 °C) e isolar-se do campo magnético terrestre para evitar que os átomos se movam e choquem entre si ou interajam com o ambiente. Além disso, estes sistemas funcionam durante intervalos muito curtos de tempo, razão pela qual a informação termina danificada, não podendo ser armazenada, dificultando ainda mais a recuperação dos dados.
É apenas o início de algo verdadeiramente revolucionário.
Um dos problemas mais utilizados em ambientes acadêmicos para explicar a adequação da computação quântica: o chamado “problema do viajante”: um complexo problema de otimização combinatória em que, dada uma lista de cidades e as distâncias entre cada par deles, é solicitado determinar qual é a rota mais curta possível que permite visitar cada cidade exatamente uma vez, e retornar, no final do passeio, para a cidade de origem.
O problema, no entanto, ilustra muito bem um dos problemas cotidianos da Amazon, a gigante do e-commerce, ao considerar suas operações logísticas: para muitos usuários, é comum procurar um determinado produto, e condicionar o resultado da busca pela opção “produtos que podem chegar amanhã”. Isso gera um problema complexo de múltiplas dependências que supõe uma grande quantidade de recursos de computação, em que a empresa vem trabalhando desde o seu início, e que, além disso, é necessário resolver praticamente em tempo real, no momento em que o usuário está tentando decidir sua compra. Um grande desafio, mesmo para a empresa que provavelmente acumulará mais recursos de computação em sua gigantesca nuvem.
Tentativas anteriores de resolver o problema, como oferecer a opção apenas no final, geraram todos os tipos de inconvenientes, como um aumento significativo no abandono de carrinhos de compras e, em geral, uma insatisfação do cliente, uma variável fundamental no que a empresa considera seu credo fundador. Mas propor uma otimização maciça desse tipo realizada globalmente, com milhões de clientes e operações ao mesmo tempo, é um problema que requer a disponibilidade de recursos computacionais quase ilimitados. E na mesma situação que a Amazon pode ser encontrada muitas outras empresas de logística, para as quais a resolução adequada de tal problema poderia ser um elemento de redução de custos e vantagem competitiva.
Isso provavelmente explica a decisão da Amazon de participar da rodada de investimentos da IonQ, uma empresa de desenvolvimento de hardware e software de computação quântica fundada por dois professores das universidades de Maryland e Duke, cujo trabalho visa ser capaz de resolver o problema e fornecer à Amazon uma capacidade computacional capaz de realizar uma otimização tão massiva. A empresa, que compete principalmente contra grandes empresas de tecnologia como Alphabet, IBM ou Microsoft com vasta disponibilidade de fundos, anunciou em março sua intenção de ir ao mercado através de um SPAC, e é considerada a primeira empresa que foi capaz de levar a computação quântica a um nível que permite que os investidores se interessem por ela.