A ampliação de canais de comunicação, com a acessibilidade de todos, ao mesmo tempo que democratizou o acesso, possibilitou que a nossa rotina fosse invadida por todo tipo de conteúdo e de pessoas, gostemos ou não.
De uma hora para outra, as redes sociais, pelo seu sistema de compartilhamento, que reproduz a economia de atenção, fez e faz multiplicar diariamente toda sorte de conteúdo, uma parte dele sem filtro de veracidade e confirmação alguma, e logo temos muito barulho e uma imensa perda de tempo e de energia que são consumidos para separar o joio do trigo, a verdade dos delírios das inúmeras teorias da conspiração.
Portanto um dos desafios em meio a essa turbulência de informações, é conquistar algum controle sobre o mundo contando histórias sobre o mundo, com nossas intervenções, nem sempre exitosas de dar uma certa crítica a narrativa delirante.
Essas narrativas são inerentemente simplificações, pois nenhuma história dá conta de tudo o que acontece; o mundo é complexo demais para histórias simples. E logo, como lembra James Bride em seu livro “A Nova Idade das Trevas”, “em vez de aceitar isso, as histórias ficam cada vez mais barrocas e bifurcadas, cada vez mais conturbadas e em aberto. Assim, a paranoia na era do excesso em rede gera um circuito de retroalimentação, ”um verdadeiro manicômio informacional que exige um filtro mínimo.”
Um marco de referência para esse período bem poderia ser o escândalo do Wikileaks, que pode dar uma primeira dimensão a essa zona cinzenta de desinformação.
Assange redigiu uma análise do sistema conspiratório do governo e como atacá-lo, com o título “A conspiração como governança”. Para Assange, todos os sistemas autoritários são conspirações porque seu poder depende de guardar segredos de seu povo. Os vazamentos minam esse poder não por causa do que vaza, mas porque o incremento no medo e na paranoia internos prejudica a capacidade de o sistema conspirar. O que é prejudicial não é o ato do vazamento em si nem o conteúdo do vazamento em específico.
Com o tempo o Wikileaks acabou servindo para alimentar a guerra entre as inúmeras agências informação e os seus respectivos governos, com as mais variadas trocas de acusações.
E assim, as redes e o nosso espírito por ter sempre uma fé maior no campo do imaginário e fantasioso, seja pela dureza da realidade ou pela paixão lúdica pela fantasia, tornou a internet um ambiente pouco saudável para verdade, onde nunca se teve tanta informação e de onde brota tanta ignorância.
Com esse processo de descolamento de fontes noticiosas confiáveis nos feeds do Facebook e nos resultados do Google, acabamos vendo esse atraso tanto do nosso sistema cognitivo quanto o político.
Tente ver nas notícias que aparecem compartilhadas em suas redes sociais por alguns dos seus amigos e você vai ficar impressionado com a fonte, invariavelmente desconhecida delas, de veículo de comunicação com nomes similares e parecidos aos grandes veículos, e com jornalistas e ou articulistas dos quais você nunca ouviu falar, afinal, boa parte deles são apenas robôs programados para distribuir conteúdo mentiroso, que cria barulho e desinforma.
Faça um teste, veja que quando uma matéria do New York Times com devida verificação é compartilhada no Facebook ou pula na caixinha de “conteúdo relacionado” de uma busca no Google, o link é quase idêntico ao que vem do NewYorkTimesPolitics.com, o website criado por um adolescente na Europa Oriental e recheado de matérias inventadas, provocadoras e altamente partidárias.
Outro exemplo marcante da bizarrice dos vídeos infantis é a Finger Family, ou Família dos Dedos. Em 2007, um usuário do YouTube chamado Leehosok subiu um vídeo no qual dois grupos de dedoches dançam conforme a música de fundo metálica de uma canção de ninar: “Daddy finger, daddy finger, where are you? Here I am, here I am, how do you do?” [“Papai dedo, papai dedo, onde você está? Aqui estou, aqui estou, como vai?”], e assim por diante com mamãe-dedo, irmão-dedo, irmã-dedo e bebê-dedo. Embora a música evidentemente fosse mais antiga do que o vídeo, essa foi sua estreia no YouTube. Para espanto de especialistas até o fim de 2017, havia pelo menos 17 milhões de versões da Finger Family Song no YouTube. Assim como os vídeos de ovos surpresa, eles recobrem todo gênero possível, somando bilhões de bilhões de views. Só a versão do canal Little Baby Bum tem 31 milhões de views. A do famoso canal ChuChu tem meio bilhão. A simplicidade da premissa a torna perfeita para automatização: um software simples consegue cobrir uma mão animada com qualquer objeto ou personagem, de modo que a Família dos Dedos Super-Heróis, a Família dos Dedos Disney, a Família dos Dedos frutas, ursinhos e pirulito, mais variações infinitas, se derramam pela página, acumulando milhões e milhões de views extras, tudo com o único propósito de faturar, seja pela desinformação contratada por quem financia, ou para que com a sua atenção, seja possível faturar também com a publicidade digital.
Curiosamente, quando você curte e compartilha esses delírios, logo é bombardeado por mais, afinal esses sites maliciosos adquirem diversos nomes, e logo mais adeptos das teorias da conspiração, terraplanistas e outras tribos de igual delírio vão invadindo o seu feed de notícias, criando a ilusão de que essas opiniões seriam maioria.
Mas afinal o que acontece quando nosso desejo de saber mais e mais sobre o mundo colide com um sistema que continua a fechar suas respostas a qualquer pergunta possível, sem resolução? Se você quer apoio para as suas opiniões na internet, você vai encontrar, por mais louca que seja a sua opinião, os indexadores de pesquisa vão encontrar uma tribo de extremistas para você. Na internet nenhuma loucura é solitária, sempre vem acompanhada de outros, onde a criatividade e as trevas são o limite, pois para esse caso não teria como falar em céu.
E assim vai encontrando um fluxo constante de validação: cada vez mais informação, de natureza cada vez mais extremista e polarizada. É assim que ativistas pelos direitos masculinos chegam ao nacionalismo branco, e é dessa forma que jovens muçulmanos descontentes com a vida caem no jihadismo violento. É a radicalização algorítmica, que funciona em prol dos próprios extremistas, que sabem que a polarização da sociedade acaba servindo às metas deles. Um mês depois do ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015 em Paris, a Dabiq, revista online do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), publicou sua sétima edição, com um editorial que delineava a estratégia do grupo. Ele se baseava nas declarações anteriores do EIIL, promovendo o sectarismo e ao mesmo tempo condenando a coexistência e colaboração entre religiões. Em 2006, a Al-Qaeda no Iraque, precursora do EIIL, atacou e destruiu o santuário Al-Askari em Samarra, um dos locais mais sagrados do Islã xiita, um de vários atos de provocação proposital que desencadearam a guerra civil corrente no país. Desde sua emergência em 2014, o EIIL ampliou essa abordagem a todo o planeta: assumindo a responsabilidade por ataques terroristas no globo, o grupo espera desencadear uma reação contra as comunidades muçulmanas no Ocidente, polarizando sociedades e criando uma espiral de violência com alienação e desforra.
O EIIL chama o espaço de coexistência e cooperação entre muçulmanos e outras comunidades de “zona cinzenta”, e jura que vai destrui-la. Ao jogar tradições muçulmanas umas contra as outras, e as maiorias não muçulmanas contra outros cidadãos, eles buscam se retratar como únicos protetores do verdadeiro Islã, e o califado como único lugar onde os muçulmanos podem estar seguros de verdade. Para essa estratégia ter êxito, exige-se que a maior parte da população saia da zona cinzenta por pressão implacável de violência e paranoia, e que se submeta a uma visão em preto e branco do mundo, que não admite dúvidas nem incertezas. Do outro lado do território, o termo “zona cinzenta” já foi empregado para descrever a forma mais contemporânea de guerra, que existe logo abaixo do limiar do conflito armado tradicional.” Como destaca James Bride na obra já citada.
Mas afinal como vencer a zona cinzenta, que parece ocupar cada vez mais os sites e nossas redes sociais?
Para muitos não há como vencer a zona cinzenta. Não há como drená-la nem como correr dela. A teoria da conspiração é a narrativa dominante e a língua franca de nossa época: se devidamente lida, ela explica tudo. Na zona cinzenta, os rastros de condensação são tanto chemtrails quanto primeiros sinais do aquecimento global: podem ser as duas coisas ao mesmo tempo. Na zona cinzenta, os gases de escape de chaminés industriais se misturam às moléculas livres da atmosfera superior, animando o natural e o artificial em movimentos brownianos de procedência incerta.
Para muitos a Zona cinzenta é o melhor termo para descrever um panorama inundado de fatos não comprováveis e falsidades comprováveis.
Ela é o pantanoso terreno que tudo engendra nas conversas, na bajulação e na persuasão. quase que inapreensível, em que nos vemos agora por resultado de nossas ferramentas tecnológicas amplas para construção de conhecimento.
De fato, é um mundo de cognoscibilidade limitada e dúvida existencial, aterrorizante tanto para o extremista quanto para o teórico da conspiração, onde a economia de atenção e a ideia de sermos novos protagonistas da história faz com que a ignorância e os extremos tenham voz e como “os idiotas são maioria” para lembrar Nelson Rodrigues, eles acabam fazendo mais barulho.
É nessa zona cinzenta que adolescentes e jovens adultos problemáticos, racistas, homofóbicos e misóginos, e deslocados da sociedade acabam cultuando o preconceito, a morte e promovem o que chamam de “actum sanctum” ou ataques cruéis contra pessoas inocentes.
Em casos extremos, muitos juntam a vontade suicida com o impulso assassino e se referem a outros seres humanos como “escória”. E o palco dessa turma degenerada é a “deep web”, o esgoto da internet, onde se apresenta um mundo sórdido que tende a causar náuseas nas pessoas normais, e lá a cultura do ódio e da violência é propagada abertamente.
Para se ter uma dimensão do comportamento viral dessas redes, na Austrália, por causa do ataque terrorista cometido por Brenton Tarrant, que matou 50 pessoas na Nova Zelândia, as empresas de telecomunicações bloquearam o acesso a vários fóruns, como o 4chan, o 8chan e o Voat.
Em reportagem da revista isto é o psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo, Rodrigo Leite, disse que esse tipo de disfuncionalidade não chega aos consultórios, por se manifestar exclusivamente nos fóruns digitais anônimos, onde atrocidades são estimuladas com a certeza da impunidade. É onde os “incels” contração em inglês para “celibatários involuntários”, jovens com dificuldades sociais, despejam suas frustrações. Uma das principais é a sexual, por se consideraram ignorados pelas meninas. As atitudes violentas resultantes deste caldo de ressentimento sequer podem ser classificadas como indicativas de enfermidade mental, ainda que seja uma desculpa fácil classificar seus autores como doidos. “Está mais para uma doença social”, diz Leite. Para ele, ainda que esses homicidas integrem um movimento recente, está muito claro que o ódio que destilam não é uma doença. Se fosse, integrantes de grupos terroristas e racistas iriam para manicômios judiciários em vez de penitenciárias. “Há muito de pensamento místico no discurso deles, que é alimentado por fantasias de heroísmo e exposição midiática, como se fossem mártires”, afirma.
Essa desinformação como se pode perceber ocorre por inúmeros propósito e nas mais diversas áreas do conhecimento, da política a história das ciências exatas a medicina, tudo e todos podem ser vítimas da desinformação que à todos cega.
As notícias e o conteúdo podem até mesmo surgir por pessoas qualificadas e insuspeitáveis, com associações que acabam dando uma pseudo credibilidade ao conteúdo falso, ou edições que levam o leitor ao erro.
Combater a desinformação é uma medida de sobrevivência das redes sociais, sob pena de serem sepultadas pela leitura de que seriam elas os melhores ambientes para as mentiras e logo todo conteúdo poderia ser suspeito.
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